Apesar da crítica de virtuosismo maneirista ao livre-formismo da arquitetura moderna brasileira, por parte de Max Bill e outros autores, é inegável o reconhecimento desta, no cenário internacional, como produção novo-mundista, ao sul do equador, madura o suficiente para afirmar-se como própria, em especial aquela dos anos 1930 a 1960. Apesar do exemplo inaugural de Lúcio Costa, reflexão teórica, análise histórica e visão critica não compõem presença de mesmo calibre no mapa cultural, assim como também não, arquitetos e críticos latino-americanos deslocados das capitais econômicas e políticas, mesmo aqueles, cuja produção, disseminou pelo continente, certa qualidade, a partir dos anos 1950.
Sem o ufanismo de Rousseau, o interesse de Josep Maria Montaner no pensamento latino-americano, além de sua arquitetura, acentuado por um panorama cuja lente foca no macro e micro simultaneamente, não tem precedentes memoráveis, em termos europeus, quiçá mesmo entre nativos. Escapando do modelo canonizador, o qual críticos estrangeiros, como Giedion e Bruand abordaram, por exemplo, a arquitetura moderna brasileira, Montaner em sua recente publicação, expõe 360° de um olhar pessoal e sensível, não taxidérmico, sobre “linhas de pensamento da crítica de arquitetura no contexto latino-americano”, centrando-se no surgimento da arquitetura e pensamento modernos, a partir das matrizes, europeia e norte-americana, sua “construção, consolidação e superação”. Usando como base, o esquadrinhamento sobre o meio cultural no âmbito do ensino da arquitetura, sua difusão no mundo editorial e pensamento de seus agentes, nem sempre protagonistas, o livro se apoia em cinco conceitos de análise de uma América, vista mais uma vez, inexoravelmente, desde Europa: a natureza como paisagem, a cidade como contexto, o patrimônio como substrato, a casa como microcosmos e a tecnologia socializadora, onde o autor expõe, sem isenção de sua mirada pessoal, a particularidade latino-americana.
Em sequência cronológica, saltando o pensamento de finais do século 19 e inicio do 20, Montaner dedica a primeira parte da publicação, aos “movimentos fundacionais” da arquitetura moderna no continente, presumida entre 1925 e 1969; na Argentina, com a Escuela de Tucumán, que arrancou sob influência de Antoni Bonet Castellana e o grupo Austral, as teorias de Enrico Tedeschi e a abordagem histórica de José Luis Romero; no Brasil com a ação basilar de Lúcio Costa, seus contemporâneos e seguidores como Gregori Warchavchik, Burle Marx e Oscar Niemeyer e a seguir o sincretismo de Lina Bo Bardi. No caso chileno o papel central do meio acadêmico, inicialmente com a PUC de Santiago, Valparaíso, e a Universidad de Chile graças as influentes teorias de Juan Borchers. No México, país de larga tradição no ensino da arquitetura e sua história, as aportações teóricas de José Villagran García e a presença de Juan O´Gorman, Ignacio Diaz Morales e Alberto Teruo Arai, em especial Hannes Meyer, que viveu no país de 1939 a 1949, assim como o espanhol Félix Candela e Luis Barragan, cujas obras emblematizam o movimento mexicano. Carlos Raúl Villanueva, da mesma forma na Venezuela, com seu ex-colaborador e historiador, Juan Pedro Posani. Finalmente no Perú, o impulso foi dado por Fernando Belaude Terry e o trabalho teórico de Luis Miró Quesada Garland, Hector Velarde e Emilio Harth-Terré.
A segunda parte da antologia dedica-se a consolidação de um escopo teórico latino-americano, com a erudição de Marina Waisman, desde a Universidad Nacional de Córdoba na Argentina e a visão humanista de Claudio Caveri. A influência do pensamento progressista nos escritos do milanez/argentino/cubano radicado no Brasil, Roberto Segre e do mexicano Rafael López Rangel, assim como as utopias americanas de Fruto Vivas na Venezuela, o regionalismo de Silvia Arango na Colômbia, os caminhos alternativos destacados por Enrique Browne e a modernidade apropriada, alternativa à Kenneth Frampton, de Cristian Fernandes Cóx, no Chile. Neste âmbito, Montaner salienta a criação e realização dos Seminários de Arquitetura Latino Americana (SAL), iniciados em 1985, em Buenos Aires, realizados contemporaneamente.
As novas gerações cosmopolitas de críticos de arquitetura e certa retomada de peso específico global são abordadas na terceira parte do livro, a partir de determinadas lideranças espraiadas em novas gerações. Ramón Gutierrez e a criação do Centro de Documentação da América Latina – Cedodal, Alfonso Corona Martinez e seu referencial livro Ensayo sobre el Proyecto, Cesar Naselli e o inovador Instituto del Diseño da Universidad Católica de Córdoba, Fernando Diez, sua conexão com Alfonso Corona Martinez e trabalho como editor da revista Summa +, a análise estruturalista de Roberto Fernández, a investigação e o trabalho editorial de Jorge Francisco Pancho Liernur e a revista Block, além de Roberto Doberti, Miguel Angel Roca, Margarita Gutmann, Victor Saul Pelli, que dão conta dos novos rasgos teóricos e sua repercussão na América Latina desde Argentina. Igualmente no Brasil, a análise formal de Carlos Eduardo Dias Comas, afinada a Collin Rowe e Alan Colquhoun, conjuntamente com Edson Mahfuz, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS e a revista Arqtexto editada pelo Propar, Hugo Segawa, Ruth Verde Zein e também Cecília Rodrigues do Santos, com seus trabalhos junto a revista Projeto, Abílio Guerra e a criação do portal Vitruvius (agora também editado na Espanha) e mais recentemente a produção teórica de Maria Alice Junqueira Bastos e Paola Berenstein Jacques. Conectados em rede com os já citados, Fernando Pérez Oyarzún, desde a pós-graduação da PUC e Umberto Eliash no Chile, assim como Antonio Toca Fernández, com o texto crítico Nueva Arquitectura en América Latina e a edição da revista Arquine, pelo catalão Miquel Adriá, no México, entre outros nomes de um meio intelectual investigativo em franca expansão.
A publicação finalmente brinda o leitor com resenhas de 21 textos selecionados, por sua representatividade e influência, mas também por seu didatismo e cosmopolitismo, oferecendo no conjunto, não um brinde de espelhinhos como antigos colonizadores trocavam com nativos, mas um reflexo reflexivo onde a cultura latino-americana pode mirar.
sobre o autor
Sergio Moacyr Marques, arquiteto, é coordenador do Núcleo de Projetos FAU/UniRitter L.I.U e vice-Coordenador Núcleo DOCOMOMO Sul.