Longe do jargão acadêmico, o livro de Jorge Wilheim São Paulo: uma Interpretação (Editora Senac, 2011) é uma boa aula de urbanismo. A narrativa introduz o leitor na história da cidade. Ao longo do texto, o tom contemplativo do narrador onisciente, de olhos voltados à compreensão do passado, dá lugar a um narrador-protagonista de uma história ainda viva e cara para ele. Em ambas as situações oferece ao leitor a visão de um urbanista experiente com profundo conhecimento da cidade de São Paulo em seus vários aspectos – geográfico, cultural, histórico, econômico e, principalmente, político e urbano.
Os dois capítulos iniciais organizam a perspectiva histórica sobre a qual se assentará os três capítulos seguintes: os desafios e as propostas gerais e pontuais para a cidade. A construção histórica da formação dos problemas de São Paulo. Os capítulos introdutórios já denunciam o autor- urbanista, a história é dividida em elementos do projeto, o desenvolvimento do espaço social (o palco urbano e suas transformações) e a população (os protagonistas). Esta última compreendida na matriz de Darcy Ribeiro, como amalgama de várias etnias que resultou em um povo aberto à convivência com o diverso. Característica que somada à porosidade social e também aos vícios do patrimonialismo formam os elementos essenciais para a compreensão dos “sistemas de vida” que o urbanismo deve compreender.
No capítulo seguinte, O Desafio dos Dramas Atuais, o objetivo ainda inconcluso de tornar a sociedade mais homogênea através do planejamento econômico/urbano/social, deixa transparecer a “chama cepalina” ainda acesa na utopia do autor. Imagens de um futuro promissor projetadas no imaginário de sua geração, no início da década de 60, as quais agrega uma abordagem mais antropológica, distanciando-se do tecnicismo de que tanto se acusou o planejamento urbano.
Neste período, Jorge Wilheim era um arquiteto-urbanista pleno, com dez anos de formado. Como urbanista, projetou uma cidade nova no estado do Mato Grosso do Sul para uma população de 15 mil habitantes e também participou do concurso de Brasília. Como arquiteto, construiu grandes edifícios, como a Santa Casa de Jaú, para tratamento de câncer, e uma clínica em Campo Grande.
As reformas de base anunciadas no governo João Goulart, em 1963, junto com a promessa da reforma urbana, causaram um clima de otimismo. Para alguns setores da sociedade brasileira elas pareciam, de fato, anunciar transformações na rota histórica do subdesenvolvimento. O Seminário de Habitação e Reforma Urbana, em meados de 1963, foi um importante instrumento de mobilização para a implementação de uma política urbana no país. Wilheim coordena o Grupo de Trabalho responsável pela execução dos programas de planejamento urbano e de habitação. Torna-se um dos principais articuladores da proposta de reforma urbana resultante destes grupos. Posteriormente, transformaram-se em projeto de lei e foram incorporadas, com várias alterações, ao Banco Nacional da Habitação (BNH) e ao Serviço Federal de Habitação e Urbanismo (Serfhau) criados pelo regime militar após o golpe de 1964. No início da década de 70 Wilheim é convidado para reformular o Serfhau, introduzindo medidas de caráter mais participativo, mas que não chegaram a ser implementadas, como relata o autor, o edifício pegou fogo e o Serfhau encerrou as suas atividades.
Sua experiência profissional conta com aproximadamente 20 planos realizados no Brasil, grande parte deles elaborados na época do Serfhau, como os planos diretores para capitais do estado: Curitiba (1965), Natal (1967) e Goiânia (1968-69), e do plano diretor para São Paulo, em 1984 (não implementado).
Wilheim ocupou cargos em duas administrações municipais, em São Paulo. Foi Secretário de Planejamento na gestão de Mário Covas (1983-1986) e de Marta Suplicy (2001-2005). Escreveu vários artigos e alguns livros como Urbanismo no Subdesenvolvimento (1969), O Substantivo e o Adjetivo (1976). O livro São Paulo: uma Interpretação (2011) é o terceiro da série dedicada à metrópole paulista, inaugurada por Metrópole 65: Subsídios para o seu Plano Diretor (1965) e seguida por Projeto São Paulo (1982).
Nesta recente abordagem da história de São Paulo, divide sua visão de urbanismo com os leitores, explicando de modo claro como as estruturas espaciais comportam os sistemas de vida. Apresenta o urbanismo como um exercício de integração do território, da população, da cultura e da economia.
Ao ler o livro, fica a sensação de uma história contada para todos os nossos estudantes de arquitetura. Como se o autor estivesse sentado em um banco de praça, embaixo de uma árvore generosa que oferece a sua sombra em um dia quente. Está rodeado de estudantes atentos. Personagem da cidade que tem ajudado a construir.
sobre a autora
Ana Paula Koury é professora do Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo do Centro de Pesquisa, Universidade São Judas Tadeu.