O filme Flores Raras estreou nacionalmente neste agosto. Trata-se da adaptação do livro Flores Raras e Banalíssimas, de Carmen Lucia Oliveira, lançado em 1995 e relançado este ano, com a oportunidade do filme. Li o livro em finais dos anos 1990 e, além de ser uma ótima leitura, a obra me ajudou a compreender melhor essa cidade encantadora que é o Rio de Janeiro.
Sabe-se, no livro, que Maria Carlota Costallat de Macedo Soares (1910 – 1967), conhecida como Lota, foi muito atuante junto ao seu amigo, o político Carlos Lacerda, tendo conseguido influenciá-lo para feitos importantíssimos para a capital carioca. Entre eles, a Construção do Parque do Flamengo, e a transformação da antiga propriedade de Henrique Lage no atual Parque Lage. Imaginem que ao tempo de Lacerda, um dos usos aventados para o local era um cemitério! A carta em que Lota trata do assunto com Lacerda, presente no livro, além de demonstrar sua total dedicação ao Rio de Janeiro, é uma pérola de senso de humor.
Entusiasta da arquitetura moderna, Lota viveu em uma casa interessantíssima, na fazenda Samambaia, em Petrópolis. A residência foi projetada por Sérgio Bernardes em 1951. Sobre o projeto e a casa, o mais sensato é recomendar a leitura, neste Vitruvius, do excelente artigo de Monica Paciello Vieira (1).
A casa que se vê no filme, no entanto, não é a original de Sergio Bernardes, e sim uma residência projetada por Oscar Niemeyer, com jardins de Burle Marx, em Pedro do Rio. A proprietária atual da casa de Samambaia não permitiu as locações em sua propriedade.
É durante a construção da casa, que, no filme, Lota conhece a poeta americana Elizabeth Bishop (1911 – 1979). Aí é que se dá o que aqui se chamou do encontro da boa arquitetura brasileira com a boa literatura americana. Pois é mesmo um encontro o que o filme propicia, com sua abordagem generosa da arquitetura carioca dos anos 1950 e da produção poética de Bishop.
Logo em sua chegada, em torno da mesa de Lota, Bishop ouve versos de seus poemas serem declamados por Carlos Lacerda, e completados pela própria Lota. Na década e meia que viveu com Lota, Bishop compôs vários de seus mais importantes poemas. A plateia assiste a seus processos de composição, caminhando e falando sozinha sob as árvores de Samambaia, datilografando, revisando. Mais ainda, assiste à leitura dos poemas e às discussões literárias que Bishop travava com seu amigo pessoal, o grande escritor americano Robert Lowell (1917 – 1977). Vale dizer que foi durante sua permanência em Samambaia que Bishop recebeu o prêmio Pulitzer para poesia (1956).
O filme, assim como o livro de que se origina, enfoca a história de amor entre Lota e Elizabeth Bishop. Essa história pode ser bem conhecida também em dois livros de Bishop, Uma Arte: as cartas de Elizabeth Bishop (Companhia das Letras) e Poemas do Brasil (Companhia das Letras), ambos traduzidos por Paulo Henriques Britto.
O cinema, porém, com sua visualidade, propicia outros conhecimentos, que transcendem a história de amor, nos conduzindo à fruição estética dos espaços da arquitetura e ao desfrute da sonoridade da poesia. Trata-se, enfim, de um belo filme, que em tudo honra as personalidades retratadas, a arquitetura, a literatura, e a história brasileira.
notas
NE
Veja também a crítica sobre a escolha da casa no filme
BRITTO, Alfredo. Flores raras e equívocas. Drops, São Paulo, 14.072, Vitruvius, set 2013 <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/14.072/4864>.
1
VIEIRA, Monica Paciello. A provocação sensorial na arquitetura de Sergio Bernardes. Arquitextos, São Paulo, 07.084, Vitruvius, mai 2007 <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/07.084/248>.
sobre a autora
Eliane Lordello, arquiteta e urbanista, doutora em Desenvolvimento Urbano (UFPE/2008), é arquiteta da Gerência de Memória e Patrimônio da Secretaria de Estado da Cultura do Espírito Santo.