Teoricamente um guia pretende ser uma manual de instruções, um apanhado de dicas retiradas das experiências vividas por seus autores em relação a algum assunto específico. Há guias de como se virar em termos básicos e práticos numa lingual estrangeira; há guias turísticos; guias de gastronomia; guias das estradas off-road mais radicais para se praticar mountain-bike. Em tempos de ocupação frenética e quase-obrigatória de nosso tempo livre, guias são essenciais, potenciais best-sellers.
Mas quando um guia não se propõe a uma utilização específica? Não se molda a um modelo clichê de listar opiniões e julgamentos sobre um tema em especial?
De início, pela proposta gráfica e conceitual, Triângulo São Paulo – um guia para se perder no centro já se mostra uma desconstrução da caretice a assombrar todo e qualquer guia. Primeiro porque a beleza do livro importa. E muito. Desejamos nos perder nele, sem tempo definido, folheando as páginas, de frente para trás, de trás para frente, detendo-nos nos detalhes, na descoberta de cada inovação gráfica, de cada imagem, de cada solução de design. Um livro que transborda o conceito de guia e que, nesse fluxo, transborda o tema proposto.
E qual é o tema proposto? Triângulo São Paulo é o centro de São Paulo recontado em sua trajetória histórica, em suas origens e desdobramentos. Um roteiro com instruções próprias a redirecionar o olhar para além da perspectiva cotidiana, opaca. Além do objeto-livro, o guia se desencarta em mapas, sugerindo e invocando um centro de São Paulo vivo, pulsante; convidando o leitor aventureiro a se perder numa missão ímpar: observar o espaço urbano central dessa cidade – de todos e de ninguém – sem nenhum julgamento pré-concebido, sem demandar do leitor um conhecimento histórico pregresso. Acima de tudo, o guia nos convidada e nos seduz a mergulhar numa nova experiência de se relacionar com o centro dessa metrópole tão subestimada. A partir de novas camadas de interpretação, de uma contribuição artística ousada, substituindo as convenções de títulos e denominações conhecidas – e muitas vezes esquecidas – por uma história nada oficial, uma caminhada de contos poéticos que redesenham sítios e locais existentes do centro paulistano. A Praça do Patriarca vira Arco; o Largo São Francisco, Beijo Roubado. E assim por diante, em sucessivas redescobertas.
A invisibilidade assola o tempo no qual vivemos. Assola São Paulo. Assalta a cidade, rouba dela o passado, compromete o presente e, por tabela, seu futuro. A invisibilidade gera o medo em nós. Medo de sair às ruas, ocupar os lugares públicos. Medo, o maior inimigo de um sentimento atávico e essencial para nós, seres culturais – o sentimento de pertencimento. Para pertencer, se sentir acolhido, é preciso ver, enxergar. Conhecer e reconhecer nosso entorno. Um guia para se perder no centro cria essa possibilidade única. Dentro e fora do livro. Desenhe seu próprio mapa do centro de São Paulo, o mapa da sua relação afetiva com essa cidade. É a aventura a qual Fernando Östlund e Rafael Pavan nos convidam a adentrar.
sobre o autor
Marcos Ribeiro de Moraes é doutor em economia pela Universidade J. W. Goethe em Frankfurt am Main, Alemanha, atua na área do audiovisual – cinema, tv e web – desde 2004. Foi superintendente da Ancine por 4 anos e gerente de produção independente e aquisições internacionais na TV Cultura. Docente do curso de Pós Graduação de Produção Audiovisual – Projeto e Negócio do Senac. Atua na área de curadoria e produção de festivais de cinema e mostras de artes visuais, além de criar e produzir programas de produção independente sobre cinema, artes visuais e literatura para TV e internet.