O tema da urbanização acelerada é parte da experiência latino americana. O continente se urbanizou rapidamente durante o século 20. Países como o Brasil, a Colômbia e o Peru atingiram a simetria entre população rural e urbana em meados da década de sessenta e no final do século 20 chegavam a mais de 80% de população urbanizada, equiparando-se por exemplo aos Estados Unidos e Reino Unido. Entretanto sem alcançar o grau de acesso à moradia planejada desses países, a urbanização latino americana produziu um tipo cidade com grande número de moradia precárias.
No caso brasileiro grande parte de sua população alojou-se em largas periferias urbanas e unidades autoconstruídas ou ainda em favelas e cortiços nas áreas centrais. Isso ocorreu em dois ciclos distintos de desenvolvimento do país, até a segunda metade da década de setenta com maior capacidade de investimento do Estado e depois disso, em meio à grande crise econômica agravada pelo pagamento das dívidas que em parte haviam financiado o ciclo expansivo anterior.
Apesar da dificuldade em universalizar o acesso à um padrão básico de moradia urbana, muitas propostas foram estudadas em instituições nacionais e internacionais compondo um grande conhecimento sobre o problema da urbanização acelerada em condições de modernização urbana e pobreza da população. Um conjunto de estudos e experimentos que podem ser considerados um valioso de balão de ensaio para enfrentar os desafios da gestão de nosso futuro urbano em termos globais.
Na primeira década do século 21, em 2008 a população urbana mundial passou a marca dos 50%. Isto é em todo o mundo há mais pessoas vivendo nas cidades do que nas áreas rurais (1). Segundo o relatório do McKinsey Global Institute publicado em outubro de 2014 (2) o número de pessoas sem acesso a moradia em 2025 será de 1,6 bilhões, cerca de 20% da população mundial projetada para o mesmo ano. Com o objetivo de compreender o que tem se produzido sobre o problema da moradia no contexto da urbanização latino americana o Urban Institute (3) liderou a primeira fase de uma pesquisa sobre moradia global. O objetivo desta fase foi realizar um balanço da literatura acadêmica produzida desde o ano 2000 sobre o tema da moradia para população de baixa renda em vários países da América Latina e do Caribe. Com o auxílio de uma rede de colaboradores locais foram levantados e analisados mais de 1.000 trabalhos e os resultados foram apresentados na 3aConferência das Nações Unidas sobre Habitação e Desenvolvimento Sustentável (Habitat III) que ocorreu em Quito no Equador em Outubro deste ano.
Os trabalhos analisados dividiram-se em cinco temas: Habitação Social; Assentamentos Informais; Urbanização de Bairros; Uso, Gestão, e Política do Solo; Financiamento e Investimento da Habitação; Políticas de Habitação e Contexto; Organização Social. Os temas foram levantados em cada uma das regiões: América Central; México; Caribe; Região andina; Brasil; Cone Sul.
O relatório aponta as lacunas no conjunto da literatura acadêmica analisada e propõe uma agenda de estudos para fundamentar novas políticas públicas na região. A leitura permite uma visão bastante privilegiada dos estudos sobre habitação nos países que formam a LAC com exceção da Bacia do Caribe onde o relatório aponta uma importante lacuna da distribuição geográfica da literatura. Sem dúvida o balanço da literatura apresentado pelos autores é um ponto de partida obrigatório para as novas pesquisas acadêmicas sobre o tema. Há muito o que incluir principalmente em uma revisão mais detalhada em cada região e há muito o que debater sobre as agendas propostas, mas sem dúvida sem um amplo balanço e revisão da literatura as pesquisas sobre habitação tendem a se repetir como apontado pelo balanço sistemático das teses e dissertações produzidas no país entre 2006 e 2010, publicado no portal Vitruvius por Mariana Garcia de Abreu, Humberto da Silva Metello e Andrea Naguissa Yuba (2015) intitulado “Habitação de interesse social no Brasil: Caracterização da produção acadêmica dos programas de pós-graduação de 2006 a 2010” (4).
Há uma versão do relatório em Inglês e outra em Espanhol e está disponível na página do Urban Institute através do link “Literature Review on Housing in Latin America and the Caribbean” (5).
notas
1
Dados do Banco Mundial <http://data.worldbank.org/indicator/SP.URB.TOTL.IN.ZS?end=2009&start=2009&view=bar>.
2
WOETZEL, Jonathan; RAM, Sangeeth; MISCHKE, Jan; GAREMO, Nicklas; SANKHE, Shirish. Tackling the world’s affordable housing challenge. Report-McKinsey Global Institute-October 2014.
3
O Urban Institute localiza-se em Washinghton e foi criado pelo então presidente dos Estados Unidos Lyndon B. Johnson (1908-1973) em 1968 com o objetivo de produzir estudos para o combate à pobreza.
4
ABREU, Mariana Garcia de; METELLO, Humberto da Silva; YUBA, Andrea Naguissa. Habitação de interesse social no Brasil. Caracterização da produção acadêmica dos programas de pós-graduação de 2006 a 2010. Arquitextos, São Paulo, ano 15, n. 178.03, Vitruvius, mar. 2015 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/15.178/5495>.
5
MCTARNAGHAN, Sara; MARTíN, Carlos; SRINI, Tanaya; COLLAZOS, Juan. Sara McTarnaghan Carlos Martín Tanaya Srini Juan Collazos. Washinghton, Urban Institute, 2016 <www.urban.org/sites/default/files/publication/84806/2000957-Literature-Review-of-Housing-in-Latin-America-and-the-Caribbean.pdf>.
sobre a autora
Ana Paula Koury é professora da Universidade São Judas Tadeu e Fulbright Visiting Scholar at The City College of New York.