Grand Urban Rules copila uma série de regras urbanas aplicadas em diferentes países da Europa, América do Norte e Ásia, analisado-os em termos de funcionalidade, contexto e impacto dessas regras no espaço urbano. Para apresentação destas regras, o autor utiliza como estratégia a criação de um cenário hipotético de planejamento: a cidade imaginária de Averuni. Neste cenário, num dado momento, o prefeito da cidade tem a ideia de estruturar o desenvolvimento da cidade através de um conjunto de regras ditas “Grande Grupo de Regras Urbanas”, que foram selecionadas a partir de regras e experiências reais de cidades contidas num escopo geográfico similar ao da cidade imaginária: cidades localizadas entre 41° latitude norte e 54° longitude oeste. Estas regras foram selecionadas pelo autor por seu caráter de resolução de um dado problema em certa circunstância. Assim, não podem ser generalizadas a qualquer contexto. Ou seja, a estruturação e análise do método, baseado em regras, pode ser generalizada, mas não podemos generalizar as regras dele decorrentes. No livro são apresentadas 115 regras, dentro de uma estrutura que as classifica segundo:
Escala: (a) Gerais - qualquer escala - ligadas ao uso do solo; (b) escala geográfica: Distrito/Zona/Bairro, quadra, lote;
Motivação: (a) regime estético (beleza pública aparência visual); (b) Higiene (separar programas, usos dos solos incompatíveis entre eles); (c) contextuais; (d) direito à luz para todos (luz solar/ar ); (e) gerenciamento das visuais/pontos de vista; (f) gestão da forma.
Tipo de regra: (a) absoluta; (b) relativa (referência, proporção/razão, dependência); (c) relacionada a uma dada zona ou não; (c) determinação de mínimos ou máximos.
Domínio: (a) densidade e regulação da distribuição, (b) regulação programático-programada; (c) regulação da forma; (d) altura; (e) estilo.
É interessante notar que, apesar de muitas destas regras serem produtos de um contexto muito preciso e, portanto, estranhas à realidade das nossas cidades; algumas apresentam relação com os instrumentos brasileiros de regulação urbana. Selecionamos algumas que merecem ser conhecidas.
Com respeito a “Princípios que regem as regras”
Boom Behavior (BOB): as análises realizadas mostram que as maiores alturas médias construtivas (FC) ocorrem no final do período de crescimento econômico, onde o preço médio dos lotes de construção para os desenvolvedores têm aumentado tanto que somente aumentando os andares eles conseguem ter rentabilidade. Logo é necessário um sistema de Revision cycles.
Revision cycles (RC): controle de regras como FAR ou FSI e FC (Flat Cap – tampa plana/ régua), fazendo com que variem ao longo do tempo (fases de crescimento/depressão).
Style Rules (SR): as mudanças da sociedade tornam necessárias as revisões das regras em rigor (RC) para que estas mantenham sua eficiência, impactando assim as formas urbana e arquitetônica.
Canyoning land value peaks (CAN): os valores fundiários mais elevados localizam-se a poucos metros de proximidade de outros que seguem valores médios.
Land Preservation (LP): a melhor forma de proteger um terreno é comprando ele. Extremamente usado no planejamento urbano europeu como forma de garantir o preço do solo e projetar a expansão da urbanização.
Com respeito a “Regras de controle das alturas”
Enginering Heigth (EHH): Máximo de altura realizável com certa tecnologia disponível. Por exemplo, as Torres de Florence (início do século 20), representa o EHH para a técnica de construção em pedras; enquanto que a partir do amplo conhecimento das estruturas de concreto armado, será a altura máxima dos elevadores que determinará o máximo construtivo em 38 andares. Assim, a EHH é dependente do contexto histórico/científico.
Economic Heigt (EH): máximo de altura realizável que permite um retorno econômico. Além desta altura, torna-se muito caro a construção de novos andares. Esta regra também é dependente do contexto histórico/cientifico, mas ela se relaciona também com dados máximos de exposição à luz solar, regulação das densidades, regulação programática (econômica), da forma e das alturas.
Com respeito a “Regras de diferenciação/continuidade”
Landmarks ans Icons (LMI): a significação de um prédio vem do contraste imediato em termos de altura/massa/materiais com a vizinhança e da diferenciação de sua forma.
Height Difference Max (HDM): alturas diferentes entre prédios são necessárias para dar variabilidade e evitar “the skyline wall syndrome” (síndrome da linha de horizonte como muro). Porém excessivos contrastes podem alterar a coerência do conjunto ou as características de um dado distrito ou bairro. Neste sentido algumas regras estipulam relações máximas de contraste entre construções.
Com respeito aos “Pontos de vista”
No Site Granding (NSG): preserva a topografia natural de locais de importância visual. Pode ser sob a forma de controle das alturas das construções e compatibilidade destas com o perfil da topografia.
Scenic Drive Protection (SDP): proteção do ponto de vista cênico a partir da estrada. A regra pretende manter a visual do penhasco sem que os edifícios sejam visíveis a partir desta estrada.
Backdrop Preservation (BP): proteção da vista de “pano de fundo”. Corredores visuais tridimensionais asseguram as visuais do panorama montanhoso distante entre arranha-céus da cidade.
London View Management (LVM): regra de limitação de possíveis interferências visuais a partir das janelas, graças ao controle da altura dos novos prédios adjacentes as construção existentes. Protege-se, assim, a vista de elementos de importância arquitetônica/ histórica/ cultural. Feito especialmente para proteger a visual da cúpula da catedral de St. Paul, em Londres.
Com respeito ao “Direito à luz do sol/ar”
Setback Street Ratio (SSR): relaciona o tamanho da rua com a altura das fachadas de forma a garantir luz solar nas fachadas.
Set Back (SB): relaciona a forma dos telhados e sua angulação (45°), de forma a maximizar a luz solar nas vias.
Setback Street Ratio: acima de certa altura, cada edifício deve recuar gradualmente os andares, em relação ao eixo da rua, criando um efeito de massa sem a impressão de cânion e maximizando a entrada da luz solar nas vias.
Sky Factor (SF): a existência de um campo visual de pelo menos 0,2%, percebido no interior de um cômodo através da janela deste é um indicativo que este cômodo é adequado em relação à luz natural (solar).
Naturally Lit Office Depth (NLD): a profundidade de um cômodo não deve ser demasiado profundo, de modo que se garanta sua iluminação natural.
Com respeito “Ao uso público”
Public Space Acceptance (PSA): é difícil projetar um espaço público que não atraia nenhuma pessoa. O que é notável é a forma como muitas vezes isso tem sido realizado. Locais atrativos são aqueles onde há espaços para sentar, sejam eles projetados para isso ou usados como função secundária.
Public & Private Interests (PPI): o interesse público é sempre derivado do interesse privado. Entretanto, o interesse público (da maioria) muitas vezes é contrário aos interesses de investidores e deve poder limitá-los em nome do interesse geral. Assim, cabe ao poder público e seus instrumentos de urbanismo determinar os limites da liberdade, pela adição, justaposição e combinação de uma série de regras.
A leitura desta interessante compilação de regras, apresentada por Alex Lehnerer, nos faz pensar sobre o papel do planejamento urbano no controle ou incitação dos processos de criação das formas urbanas e do seu desempenho (térmico, lumínico), das reservas fundiárias graças às previsões de áreas/dimensões, da fixação de mínimos legais e ótimos desejáveis, enfim na valorização e replicação de boas práticas.
sobre a autora
Fernanda Moscarelli é rquiteta urbanista formada pela UFPel, Fernanda é Doutora em Planejamento Urbano e Regional pela Universidade Paul Valery (França), atua como Pós-Doutoranda (projeto BEST - Capes) no Núcleo de Tecnologia Urbana da UFRGS, é professora da graduação em Arquitetura e Urbanismo no IPA-Metodista e ministra a disciplina de Morfologia e Projeto Urbano no Mestrado em Arquitetura e Urbanismo da IMED.