A exposição FAU 70 anos nasceu de uma ideia de funcionários técnico-administrativos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, que reconheceram na efeméride uma oportunidade imensa para apresentar e reiterar a importância e trajetória da FAU por meio de seus documentos. Tais documentos revelaram a Faculdade por dentro, seus meandros administrativos, as decisões de seus dirigentes, as demandas de seus alunos, apresentando os caminhos, os desvios e os constantes desafios.
Partindo desse olhar para si, a ideia original foi ampliada, e resultou em um projeto de exposição que teve como eixo principal revelar a diversidade que institui e constitui a FAU em todos os seus sentidos. Esta diversidade se expressa em suas áreas de formação, nas múltiplas atuações de seus egressos e na sua incidência na sociedade.
Outro eixo importante que conduziu a exposição foi o de reafirmar a formação como razão de ser da escola. Os alunos que ano após ano vivem a FAU, mais que arquitetos, urbanistas e designers, integram um projeto de formação afirmado e reafirmado a cada momento, que articula compromisso social, arte e técnica. A formação como projeto em permanente realização é portanto um desafio constitutivo da escola, para o qual não existem modelos prévios, como se afirma no DOC no1 que integra a exposição.
A FAU integra a Universidade de São Paulo e traduz de forma específica e plural esta vinculação institucional. Suas atividades de ensino, pesquisa e extensão articulam seu projeto de formação com aquele que orienta a existência de uma universidade pública, gratuita e de excelência, comprometida com a construção de uma sociedade mais justa e plural.
Com esse sentido mais geral como ponto de partida, as escolhas do que mostrar, complexas e excludentes por definição, orientaram-se pelo desejo permanente de expressar a diversidade da escola, fazendo com que aqueles que a constituíram ao longo destes 70 anos pudessem se reconhecer e assim reafirmar seus compromissos.
A primeira sala abriga fundamentalmente os processos internos da faculdade. Seus edifícios são espaços que têm significado, porque preenchidos por práticas que os transformam em lugar da formação universitária. A produção de alunos e professores – expressa em livros e revistas, cadernos e desenhos de estudo, obras de artes visuais e mobiliário – expressa a pesquisa como inquietação permanente dos fazeres do arquiteto, urbanista e designer formado pela FAU.
As relações da escola com a sociedade se expressam em todos esses objetos, e ganham dimensões mais tensas nos processos administrativos, documentos e obras de arte, ao revelarem também as práticas autoritárias e ditatoriais se movimentando dentro de um espaço que se propõe democrático e comprometido com transformações sociais de caráter progressista.
A linha do tempo destaca da trajetória da FAU os momentos que deram concretude a toda a diversidade que a define. Na seleção de uma imensa e qualificada produção gráfica realizada por alunos e professores, viabilizada pela ação do LPG, podemos acompanhar temas e problemas que incidiram na vida universitária
ao longo destes 70 anos. A parte central apresenta ações e experiências que marcaram as sete décadas de existência da escola.
Fundada em 1948 a partir do antigo curso de engenheiro-arquiteto da Escola Politécnica, alunos, professores e funcionários comprometiam-se naquele momento com a criação de uma escola que via a formação de arquitetos como uma tarefa nova, complexa, exigindo sínteses e compromissos.
As reformas curriculares de 1962 e 1968 passam a reunir em uma única formação os cursos de Arquitetura e Urbanismo e introduzem formalmente os conteúdos de comunicação visual, desenho industrial e paisagismo.
Entre 1968 e 1977, uma série de iniciativas consolida o projeto da FAU de convergência das artes, das humanidades e das técnicas. Entre elas, a reorganização administrativa, a ampliação do número de vagas para alunos de Graduação, a criação da Pós-Graduação, a ampliação dos Laboratórios de Ensino e Pesquisa, a criação do Trabalho de Graduação Interdisciplinar – TGI, sintetizadas na mudança para o novo edifício na Cidade Universitária em 1968.
A FAU defende a formação de um profissional – arquiteto integral – capaz de atuar em um mundo que se modifica rapidamente. As tensões entre este projeto, plural e comprometido com o país, e a ditadura civil-militar culminam com a cassação de vários professores da FAU em 1969.
No período subsequente, entre 1978 e 1987, a volta dos professores cassados pela ditadura e uma intensa mobilização estudantil pelo retorno da democracia são decisivos para a escola.
A pesquisa sobre a produção arquitetônica realizada no programa de Pós-graduação – cuja atuação contribui para o início de um amplo processo de revisão da historiografia da arquitetura e do urbanismo no Brasil – vale-se também da grande quantidade de doações de acervos de arquitetos ocorridas neste período.
Entre 1988 e 1997, com a criação das Pró-Reitorias na USP, a FAU institui suas comissões de Graduação, Pós-Graduação, Pesquisa e Cultura e Extensão. Novas estruturas administrativas respondem a uma crescente complexidade da Universidade.
Em 1991 é criado o primeiro convênio internacional, com a Universidade do Porto, Portugal. A reorganização dos espaços nos edifícios da FAU expressa a crescente importância da pesquisa, e o novo edifício projetado por Gian Carlo Gasperini passa a abrigar os laboratórios.
Ao completar 50 anos, a FAU se repensa e reafirma seus compromissos originais. Em 2003 é criada uma nova graduação em Design, oferecendo um curso noturno que busca dialogar com novas demandas da sociedade. Outras mudanças no ensino propiciam a parceria com a Escola Politécnica, criando o programa Poli-FAU. A internacionalização se consolida com a constituição da Comissão de Relações Internacionais – CCInt.
A permanente necessidade de adequação dos espaços às demandas acadêmicas e administrativas, aliada aos problemas de conservação de um edifício com quatro décadas fazem com que a FAU passe por um longo e conturbado período de reformas no início do século 21. As discussões e mobilizações levam à realização de um Plano Diretor Participativo e à criação de um escritório oficina-acadêmico. Reafirma-se a vocação do prédio e da escola como lugar de experiências diversas e plurais, com múltiplos usos.
É criada a Pós-graduação em Design; o convênio firmado entre a FAU e o Politécnico de Milão oferece a primeira dupla titulação internacional; e é criado um programa de Residência em Arquitetura e Urbanismo em Planejamento e Gestão Urbana, ações que respondem as novas demandas sociais, juntamente ao estabelecimento das cotas étnico-raciais-sociais para ingresso nas duas graduações da FAU aprovadas em 2017, quando também se estabelecem as bases de uma política de permanência estudantil.
A segunda sala aposta na FAU além muros. Exibindo seus projetos de extensão, os prêmios recebidos em 2017, e alguns outros marcos de compromisso público e de reconhecimento internacional de seus docentes e sua produção, procurou-se destacar ali o compromisso social da escola reafirmado em bases contemporâneas. São alunos, funcionários e professores que fazem essa escola. Os nomes de todos os professores e funcionários da FAU organizados em sete décadas de contratação assim como a imensa imagem dos calouros de 2018 simbolizam a apropriação daquele espaço de formação, onde o jogo de proximidade e distância permite reconhecer conjuntos e indivíduos. Se os prêmios apresentam as autorias, uma projeção indica a incidência da FAU nas múltiplas instituições profissionais públicas nas quais seus arquitetos, urbanistas e designers contribuem.
Por fim os vídeos: as projeções da sala menor mostram na trajetória da FAU seus desafios, seus problemas, e a enorme alegria que, apesar de todos os desesperos e desenganos, constituem um processo de formação exitoso. Afinal, “na FAU a vida é uma festa”. Festa no sentido ritual, formador e transformador. Rito de passagem. Os vídeos da segunda sala, produzidos para a exposição pelo LabVídeo, reafirmam a proposta geral de uma exposição absolutamente coletiva em sua concepção e produção. Evidenciam também, como na linha do tempo, a importância dos laboratórios de ensino como pilares fundamentais do processo de formação da FAU, integrando a história da faculdade e viabilizando a realização da exposição.
A exposição propõe o exercício de reconhecimento de uma trajetória, de um projeto reafirmado e em transformação permanente. Não à toa, o livro com as imagens dos professores-alunos faz tanto sucesso.
nota
NE – texto de apresentação das coordenadoras da exposição FAU 70 anos, Centro Cultural Mariantonia, São Paulo, 17 de abril a 24 de junho de 2018.
sobre as autoras
Ana Lanna e Ana Castro, coordenadoras da exposição, são docentes da FAU USP.