O primeiro lanço de olhar sobre o título e o índice deste livro que o leitor possui à frente é provável que tenha suscitado em muitos uma tácita inquietação. De um pai florentino, Leon Battista Alberti nasceu em Gênova, no ano de 1404, e veio a falecer na caput mundi, em 1472. O que tem-nos ainda a dizer, sobretudo a nós, americanos do sul do equador, um autor vivido na Itália do século 15 – então constituída por uma miríade de senhorios em não menos numerosas variações dialetais –, notabilizado por verter i primi lumi aos alvores da Idade Moderna, porém logo obnubilado, como o fulgor de um átimo, por tantos cujos nomes mantemos mais acesos em nossa memória? No campo da política, seu princeps cedo perde posto para o maquiavélico; nas artes, sucessivos tratados há pouco ainda habitavam pranchetas e armários dos ateliês – os de Andrea Palladio e Jacopo Barozzi da Vignola na primeira fila, para atermo-nos aos mais “globais”. E não obstante podermos estender tal arrolamento a muitos outros domínios, é notório o exponencial incremento de interesse por nosso autor e sua obra. Prova disso se verifica na quantidade e na qualidade dos congressos e publicações a ele consagrados, particularmente nas duas últimas décadas – e não falamos só da Europa. No panorama brasileiro ou latino-americano, embora se advirta um pequeno aumento no número de títulos e eventos a ele dedicados, é inconteste o rumo dos ventos.
Dar voz a Leon Battista Alberti, em São Paulo; dar voz a Alberti no Brasil. Antes do desejo de difundir os estudos albertianos e promover o intercâmbio de ideias e pesquisas entre estudiosos de diversas nacionalidades, da Europa e da América Latina, trata-se aqui de um projeto mais ambicioso, cujo gérmen remonta ao estágio sênior pós-doutoral desenvolvido em Paris pelo professor Carlos Antônio Leite Brandão junto ao professor Francesco Furlan, culminando no primeiro encontro de estudiosos do humanista em Belo Horizonte (Escola de Arquitetura da UFMG), em abril de 2011. Um projeto cujo escopo, para além da inserção de estudiosos brasileiros numa rede internacional de pesquisa, almeja abraçar olhares plurais acerca do sentido e do alcance de seu legado, de sua fortuna crítica. Vale dizer, não um somatório de vozes a fortalecer o coro de perquisidores dos feitos e dos limites da obra albertiana, de seus contributos e das emendas e consertos que suscitam (ou interpõem) ao devir histórico, indispensáveis, uns e outros, para o edifício da moderna visão de mundo, e dos problemas que enseja. Sem desconsiderar os “afinamentos de voz”, os ajustes necessários, numa linha tonal tecida in nuce pelo autor, ou a marcação de contrastes e dissonâncias, esquadrinhando os domínios e confins do labor exegético, ouvir Alberti no Brasil talvez valha sobretudo por estarmos dispostos a ouvi-lo e também ele a nós. Valha por almejarmos, ainda que de forma tácita, assaltar a sua obra e, em simultâneo, sermos assaltados por ela, desencadeando a abertura de outros tons, não só imprevistos, mas desviantes, desconcertantes, e, todavia, inflamados pela obra mesma do autor, pelo encontro ou atrito polifônico dos entreolhares.
Nada de chauvinismos, note bem; pelo contrário, uma questão de método. Que se tenham dois exemplos, um emerso no bojo da Renascença italiana e outro ligado à construção de um olhar identitário nas Américas luso-hispânicas. Devemos à letra do De re ædificatoria a larga divulgação entre os arquitetos renascentistas da associação agostiniana do edifício religioso com as proporções do corpo de Cristo (De Civitate Dei, XV, 26), a instigar em sucessivos tratadistas uma multitude de estudos formais sobre a arquitetura sacra, conduzidos em uníssono por um viés radicalmente antialbertiano, com base na assimilação do homo bene figuratus vitruviano ao corpo adâmico e cristológico. Mutatis mutandis, a contraposição de dois modelos urbanísticos em voga nas Américas, i.e. o reticular espanhol (renascentista) e o irregular português (medievalista), ambos divisados por uma historiografia de matriz iluminista alucinada pela città ideale, tida como criação genuína do Renascimento, derruir-se-á tão logo o labor filológico e exegético de estudiosos italianos, no século passado, porem a nu o papel precípuo que a noção clássica de decorum, de acomodação de esquemas (σχήματα), assume, a partir de Alberti, nos tratados de arquitetura (Filarete, Francesco di Giorgio e Cesare Cesariano, dentre outros), a borrar os confins entre o “preconcebido” e o “não planeado”.
Nesse diapasão, aquém da opera aperta de Umberto Eco, quiçá convenha ter em foco a Nachleben inspecionada por Aby Warburg, a vida insepulta e pulsante das obras, como ferramenta interpretativa, fecunda para a melhor compreensão dos variados influxos da obra de Alberti em solos luso-hispânicos, mas não apenas neles. Pois, a bem ver, também aqui não nos distanciamos daquelas ressalvas feitas por Vasilij P. Zubov, em sua tese intitulada A teoria arquitetônica de Alberti (1946), sobre a importância da “camada medieval do De re ædificatoria”, por ele posta em evidência de forma pioneira, sem deixar no entanto de advertir que “o estudo das fontes oculta as diferenças de princípios e de fundamentos ‘que conduzem’ a uma criação qualitativamente nova” (Rev. Albertiana, III, 2000, p. 27). Para além dos sentidos petrificados de escritos ou cantarias medievais, o humanista soube auscultar os “silêncios” eloquentes da escritura, entregando-se, por assim dizer, ao canto da sereia e alçando vôo, em busca de novas paragens.
É certo que o “fio condutor” de Zubov não se perfila somente pelo desemaranhar dos nexos próprios a distintas formas de racionalidade. Corolário pós-estruturalista, suspeitamos da aparência límpida dos regimes discursivos, indo ao encalço de segredos que permeiem as palavras e as pedras, φάρμακοι invisíveis, artimanhas maquinadas para a construção de uma nova ordem que se quer, ou melhor, se apresenta como transparente e clara. Sondar os campos de significação amalgamados pelas palavras ou as pedras assemelha-se em parte ao labor hermenêutico de quem desvela os vestígios de apagamento em um palimpsesto ou ao gesto mediúnico de um talentoso falsificador de arte. Assim, na senda dos estudos de Eugenio Garin sobre os Intercœnales, o Momus e o Theogenius, pode-se advertir, como asseveram alguns, uma “antirrazão” albertiana, vista como contrapartida, mais que contraface, das perspectivas esperançosas que a racionalização potencializada pelos recursos matemáticos torna extensíveis à natureza e as artes. Por sua parte, no método “indiciário” de Alberti, ao qual este livro reserva todo um capítulo, se a natureza deixa sinais a serem perseguidos pelo homem com fito de revelar seus segredos, nela um estrato profundo permanece permanentemente obscuro. A atenção pelos mistérios ocupa papel não menor do que toda bene deducta ratio pode alcançar no improbus labor da investigação humana. Se a obscuridade invita imersões especulativas na busca por esclarecimento, o occhio alato de Alberti também nos expõe – ao reverso da Aufklärung do Século das Luzes ou do “super homem” moderno – os limites da razão humana. Certa feita, Manfredo Tafuri observou: “A arquitetura assume para Alberti um único trabalho humano: a tarefa de conter a loucura que domina o homem” (I.U.A.V., Corso di storia dell’architettura, 1978-79: 2A, p. 61).
Ao que nos diz respeito mais diretamente, tal como falamos em Renascimento francês, espanhol, português, poderíamos asseverar, de iure, uma incursão das disposições espirituais basilares ao cosmo (e caos) albertiano também nas Américas? Se sim, qual seu alcance? Outrossim, conviria perquirir permutas e, com elas, fronteiras, frentes de atrito, reenquadramentos culturais, para além da ideia de “difusão” do Humanismo, a contaminar a imagem de uma Renascença unitária, coesa, ungida pelos redivivos lumes que o “regresso aos Antichi” propiciava?
Tais são algumas das motivações que pautaram a realização do evento e do livro que o leitor tem à vista, trazendo a público os labores, os frutos e os anseios da iniciativa. Antecedidos pelos colóquios de Belo Horizonte (2011), Coimbra (2013), Córdoba/Argentina (2015) e Paris (2015) –, nos primaveris de 01 a 03 de outubro de 2018 ocorreu no Auditório Ariosto Mila da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP) a nova edição do evento Na gênese das racionalidades modernas: em torno de Leon Battista Alberti e do Humanismo, sob organização dos professores Mário Henrique Simão D’Agostino, Francesco Furlan e Andrea Buchidid Loewen, com comissão executiva composta, além dos respectivos organizadores, pelos professores Carlos Antônio Leite Brandão, Vania Cerri, Rafael Urano Frajndlich, Vitor Murtinho e, last not least, Ana Paula Giardini Pedro.
Com apoio da FAU USP, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – Fapesp e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, o III Congresso Internacional Artes Renascentes e V Colóquio Transatlântico acolheu pesquisadores de diversos centros de investigação nacionais e internacionais, tais como: Socièté Internationale Leon Battista Alberti (SILBA, Paris), Association Internationale “Artes Renascentes”, Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS, Paris), Centro Português de História Global (CHAM, Lisboa), Universitè de la Sorbonne – Paris IV, Accademia delle Belle Arti di Venezia, Università degli Studî di Salerno, Universidade de Coimbra, Conicet – Universidad de Buenos Aires, Universidade de São Paulo – USP, Universidade Estadual de Campinas – Unicamp, Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, Pontifícia Universidade Católica de Campinas – P UC-Campinas, dentre outras.
Dedicado à vida e obra de Alberti, a seus desafios epistemológicos, formulações doutrinais e contributos, às difusões, assimilações e «hibridações» de ideias nos diversos campos da arte, da arquitetura e da cultura, o evento igualmente abraçou, e não poderia ser diferente, as tradições multifacetadas das Humanitates, mediante estudo da história, da literatura, do pensamento, da ciência e das artes, em suma, do(s) Humanismo(s) e Renascimento(s) em sentido amplo. Como compendiam os organizadores do primeiro colóquio, não há nada ou quase nada – literatura, artes, ciências, economia, moral e política – que Alberti não tenha investigado e que não tenha sido profundamente modificado pela reflexão, sempre singular, que empreendeu. E de tal modo que, não apenas a cultura, mas também as diversas formas de racionalidade ganharam aspectos tão inéditos que mesmo o termo «humanismo» é incapaz de as circunscrever completamente (Na gênese das racionalidades modernas. Em torno de Leon Battista Alberti, Editora UFMG, 2013 [4ª capa]). Considerado homem de conhecimento universal, promotor de novas formas de racionalidade, seja pelos textos que redigiu seja pelas obras que deixou, seja ainda pela vida ativa e interveniente no quadro do primeiro Renascimento italiano, que o elevou ao ápice da cultura europeia, Alberti forjou problemáticas em um contexto de mutações intelectuais e particularmente sensíveis a toda questão relacionada – em incursões tão díspares como as da dialética, da gramática, da topografia, da matemática e da criptografia, muitas das quais redescobertas pela crítica hodierna, de tal modo a favorecer sua presença e atualidade nos debates contemporâneos. Atualidade motivada pelos alares de seu protagonismo histórico e, à longa vista, pelos sentidos com que sua obra pode ou não nos ajudar a pensar o mundo atual, dos dois lados do Atlântico, sem sucumbir, contudo, ao aplanamento sedutor e homogeneizante da imagem prosaica de uma «civilização global».
Próprio da natureza humana é a diversidade dos homens, dizia Alberti ...naturam ipsam contemplatus, quibus alteros ab alteris, in qua potissimum re alter ad altero differat, ex ea sibi re notas captandas esse, quibus alteros ab alteris sacernat? (“tendo ao olhar sua natureza mesma, não resultará oportuno tomar nota das coisas com que ‘os homens’ se diferem um do outro, para formular, com base nelas, como se dividem uns dos outros?”; De re æd. IV, 1, ed. de G. Orlandi, Il Polifilo, p. 269). Ao homo sacer os consensos da razão, ancoradouro príncipe da vida em comum, vislumbrava o humanista, e nisso fazia profissão de fé.
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O livro está organizado em três partes. Na primeira, intitulada “Doctus artifex. O arquiteto humanista”, reúnem-se trabalhos que discutem questões ligadas à vida e obra de Leon Battista Alberti, lançando luz sobre o mundo no qual o humanista se inseria e deslindando as reflexões que dele se extraem sobre a possibilidade de encontrar um quidnam dignum a partir do qual exercitar o próprio engenho. Ponto fulcral do pensamento albertiano, e que firma, justamente pelos êxitos dele derivados, a pedra angular da sua modernidade: a busca, seja no campo teórico seja na práxis, dos limites e das possibilidades do artista moderno no confronto com os antigos.
Do conjunto de escritos emergem, com maior clareza, temas basilares ao estudo e compreensão do conjunto de obras albertianas e que permitem indagar alguns dos exempla, motivos e ocasiões que despertaram em Alberti o interesse pelas Artes, tal como a proeminência da electio – de escolhas, por certo não restritas aos “Antigos” – para a compreensão da figura do doctus artifex, guiado por uersatile ingenium, talento cultivado e versátil, a cobrar autoridade pela coesa tessitura dos textos e concinidade do edificável, cujo papel fundador no que se refere às racionalidades artísticas, técnicas e operativas promove uma redefinição integral dos liames entre teoria e prática e lhes dá novas configurações. O escrutínio das fontes e métodos que nortearam a elaboração de sua tratativa perfilam, por outra parte, contornos menos afeitos àqueles delineados por um «intelectualismo humanista» estereotipado e posto em suspeição pelo hodierno labor exegético. Também as preceptivas sobrelevadas em sua doutrina e sua compreensão decisiva, no contexto de sua época, da relação ética – ornamento e decoro –, a qual desempenhará um papel fundamental na constituição da racionalidade moderna, reclamam visadas mais amplas, a contrastar com o pessimismo do humanista com o jogo de máscaras predominante no convívio social e, em suma, a facies tenebrosa dos homens. Para abreviar os exemplos, a perquirição das várias disposições sobre a ars ædificatoria instituídas por Alberti não pode todavia excluir o olhar estrangeiro, a difusão de sua obra e os modos de transmissão e recepção para além da península itálica.
A segunda parte do livro, “O occhio alato e outras visagens”, volta-se para temas que, desde o nascedouro, têm propiciado solo fértil à cultura, alentando lavras de paráfrases, digressões, adendos, escólios, interpolações, aos quais se agregam, em contracorrente, querelas, diatribes, vitupérios, manifestos, em um sem fim de gêneros literários que se nutrem e, por igual, revigoram obras ou ideias albertianas nucleares a constelações multiformes de visagens, na complexa trama dos urdimentos da modernidade.
Trata-se, como sugere o título da sessão, de reverberações do pensamento de Alberti, colhidas em largo amplexo, quer por arrefecerem posicionamentos controversos no campo da política, direito, economia, teologia (a exemplo dos valores prístinos da ratio e da uirtus no bom governo da cidade ou da «religião cívica», professados pelo humanista), quer por consolidarem vertentes artísticas longevas (a exemplo das que, não obstante suas nuanças, têm no desenho e nos princípios geométrico-matemáticos o ponto central), quer ainda pelas querelas a fomentar polarizações doutrinárias novas e insuetas (a exemplo da partilha dos fundamentos da beleza em positif e arbitraire), pelas infindas interpretações do “Paragone”, em êmulo do dictum Horatii “ut pictura poesis”, redivivo pelo humanista na correlata dignificação da inventio e do ingenium próprios ao perfeito artífice ciceroniano (cosoantes ao De pictura, De re ædificatoria e De statua), requalificação do «campo disciplinar das artes» cujas repercussões alcançam a rebelião romântica e alhures, e que não nos impedem, ainda hoje, de falarmos em remakes pós-modernos, como o “diálogo entre as artes” reproposto por tendências e correntes estéticas da contemporaneidade... Enfim, uma listagem interminável, de tirar o fôlego, seja pelo que nela não se computa, seja pelo que ela sugere em acréscimo.
Com papel coadjuvante, Alberti também possui lugar reservado na plêiade dos autores referenciais para um conjunto abrangente de escritos recentes, cada vez mais em expansão, voltados aos impasses e desafios da arte na atualidade, os quais põem em revista temas como a analogia entre a arquitetura e o corpo, os regimes simbólicos e os códigos lingüísticos, as fórmulas artísticas e a potência mnemônica das imagens, os liames entre vie des formes e vie des idées, entre memória e lugar, elenco variegado e transdisciplinar, a integrar uma «agenda» nem sempre formalizada em programas claros, mas que engrossa um caudal de ideias e ações igualmente relevantes para a compreensão da fortuna de nosso autor.
A parte final, que traz como provocação o título “O De re ædificatoria, seus êmulos e ‘hibridações’ culturais”, contempla tratativas, preceptivas e programas arquitetônicos e artísticos complexos, muita vez ambivalentes, aquiescidos por arquitetos, comitentes, homens das letras, auctoritates de distintas procedências e trajetórias de vida – italianos, portugueses, espanhóis, ibero-americanos etc. –, os quais, embora há tempos ganhem atenção dos historiadores, têm recobrado nas últimas décadas singular interesse pelos insólitos consórcios com o pensamento de Leon Battista Alberti. Aqui, pois, estão reunidos textos que deslindam meios de difusão do ingenium do humanista no “Longo Renascimento”, cujo êmulo em muito extrapola o círculo pátrio.
No âmbito da arquitetura e da urbanística, o exame das preceptivas albertianas de symmetria e decorum, operantes nos tratados de Filarete, Francesco di Giorgio, Cesare Cesariano e tantos mais, dissipa velhas idealizações da cidade renascentista, a encetar, como dito, revistas da “arte da ruação” portuguesa e dos modelos hispânicos de cidades novas. Sob a égide da retórica, a sentença ciuitas maxima quædam est domus et contra domus ipsa minima quædam est ciuitas (“a cidade é uma casa grande e a casa é uma cidade pequena”; De re æd., I, 9) não tarda em se disseminar, sob vários matizes, por letras lusitanas. Com patronato régio de D. João III, Francisco de Holanda, assistido por Raffaello Sanzio, Michelangelo e Sebastiano Serlio, dentre outros, por igual abebera-se das fontes antigas e da magnificente instauratio Romæ prospectada no orbe vaticano, sob o cetro de Leão X. Conjugando-se à scænographia vitruviana e a aperta finestra do De pictura (I, 19), tal imagem de cidade será motivo de experimentações perspécticas e cenográficas empreendidas por Serlio, cujos Libri dell’architettura cedo transitam pelas cortes espanhola e portuguesa – dele, em pessoa, recebe Holanda o Le antiquità di Roma para ser entregue ao rei de Portugal. Em mais audacioso escrutínio, o próprio “estilo chão”, sucedido pelo “desornamentado” de Filipe II, pode (ou melhor, deve!) ser considerado em confronto com a partição da beleza em inerente (pulchritudo) e aderente (ornamentum), asseverada por Alberti em seu tratado da ars ædificatoria – cujas versões para o português e o castelhano, na segunda metade do Quinhentos (o livro de architectura de Leo Baptista... de André de Resende [1551], a omitir os quatro últimos livros, manuscrito hoje perdido; Los diez libros de architectura, por Rodrigo Zamorano e Francisco Lozano, Madri, 1582) ainda incitam novas diligências.
E mais não nos delonguemos em abreviações de percursos cuja força e fascínio residem propriamente em serem percorridos. Boa leitura!
São Paulo & Paris, novembro de 2020
sobre os autores
Mário Henrique Simão D’Agostino é arquiteto (PUC-Campinas), mestre e doutor em História e Fundamentos da Arquitetura e do Urbanismo (FAU USP), livre docente e professor associado da mesma instituição. Membro fundador e integrante do Comitê de Direção da Association Internationale “Artes Renascentes” e Membro do Comitê de Direção e de Leitura da revista Albertiana da Socièté Internationale Leon Battista Alberti.
Francesco Furlan é doutor em Letras pela Università “Ca’ Foscari” di Venezia, doutor em História pela École des Hautes Études en Sciences Sociales – EHESS de Paris, diretor de pesquisa do Centre National de la Recherche Scientifique – CNRS, presidente da Société Internationale Leon Battista Alberti – SILBA, coordenador geral do Comitê de Direção e de Leitura, Comitê de Redação e Coordenação Editorial da revista Albertiana da Socièté Internationale Leon Battista Alberti, presidente do Comitê de Direção da Association Internationale “Artes Renascentes”.
Andrea Buchidid Loewen é arquiteta e urbanista, e mestre em Urbanismo (PUC-Campinas), doutora em História e Fundamentos da Arquitetura e Urbanismo (FAU USP) e professora na mesma instituição. Membro fundador e integrante do Comitê de Direção da Association Internationale “Artes Renascentes” e membro do Comitê de Redação e Coordenação Editorial da revista Albertiana da Socièté Internationale Leon Battista Alberti.
Ana Paula Giardini Pedro é arquiteta e urbanista (PUC-Campinas), mestre e doutora em História da Arquitetura (FAU USP), professora da FAU da PUC-Campinas, pesquisadora do Laboratório de Modelos Tridimensionais (FAU USP, 2005-2011) e membro fundador da Association Internationale “Artes Renascentes”.