Dividido em seis capítulos, o livro apresenta uma narrativa simples de vários estudos e também histórias reais que exemplificam o ponto principal defendido pelo autor: Infraestrutura Social é vital para criar comunidades resilientes e podem ser, também, a grande transformação no bem-estar da nossa sociedade. O livro discute a sociedade estadunidense e mostra iniciativas que têm obtido sucesso na criação de laços entre comunidades que contribuem para grandes mudanças nas cidades americanas.
Na intenção de analisar e mostrar formas de como nós podemos contribuir na construção da vida cívica, o livro começa com um estudo de caso sobre a onda de calor que atingiu a cidade de Chicago entre doze e vinte de julho de 1995. Neste período “739 pessoas além da média normal morreram em Chicago” em decorrência de doenças desencadeadas pelo calor. A análise do autor expõe as diferenças desses números entre os bairros pobres e ricos: por conta da falta de acesso a sistemas de arrefecimento do ar, principalmente ar-condicionado, os bairros mais pobres foram os que mais sofreram. Entre os mais pobres, os bairros de afrodescendentes foram os mais afetados. Apesar disso um padrão interessante chamou a atenção do autor: algumas das comunidades afrodescendentes mais pobres com a mesma densidade habitacional das outras, mostraram mais resiliência durante esse período. Olhando os dados e fazendo comparações, Klinenberg não pôde encontrar qual fator contribuiu para esse desfecho, mas quando ele se propôs a conhecer as condições físicas desses bairros, ele teve uma visão clara da disparidade. As comunidades mais afetadas foram as com espaços públicos ruins, com calçadas quebradas, poucos pontos comerciais e pouco engajamento em associações de bairro. Enquanto que os bairros que mostraram resiliência naquela situação tinham os aspectos opostos. O principal fator da existência da resiliência era o fato de que o ambiente público era a chave para criar interação entre residentes e fortalecer a vigilância da comunidade sobre os mais vulneráveis.
Esses espaços públicos, chamados pelo autor de Infraestrutura Social, são, em sua opinião, o fator decisivo que contribui para a criação de uma sociedade resiliente e tolerante. Em tempos de polarização como foi visto durante as eleições americanas de 2016 e em todo o mundo, criar laços entre diferentes classes é uma meta importante para criar uma sociedade resistente.
O autor continua com a narrativa sobre a sua experiência em um clube de boliche virtual em Nova York, que acontece no porão de uma biblioteca pública. Essa atividade tem um papel vital na vida dos idosos do bairro. O autor explica o quanto as bibliotecas têm um papel importante na vida pública nos Estados Unidos, e também aponta o fato de que, apesar disso, as bibliotecas têm recebido cada vez menos fundos para sua manutenção nos últimos anos, porquê a administração pública vê esses equipamentos públicos como desnecessários, já que o seu propósito principal, que é a oferta de livros, pode ser facilmente substituído por plataformas online.
Bibliotecas podem oferecer várias atividades para um grupo grande e heterogêneo de pessoas como crianças, adolescentes, estudantes universitários, mas também mães e idosos, além de pessoas de classes sociais diferentes. O papel dessa instituição vai muito além de ofertar livros: ela pode ser um espaço silencioso e seguro para se encontrar, estudar, ler e socializar. Muitos grupos sociais veem esses espaços como um local para se encontrar e se entreter.
Apesar disso, os laços sociais que uma biblioteca pública pode construir não é suficiente para tornar um ambiente seguro ou prevenir o crime. Outras teorias têm sido usadas para entender padrões que levam a ocorrência de crimes. Algumas são centradas no espaço/lugar e outras nas pessoas, como é mais comum. Na teoria das “janelas quebradas” – uma das primeiras a ser publicada – os pesquisadores alegam que a manutenção do espaço público ou a falta dela é a chave para determinar se uma área vai ou não ter incidência de crimes. Apesar de ser bem aceita pelo grande público, o autor questiona a forma como essa teoria tem sido interpretada pelos responsáveis por políticas públicas e também estudantes e membros da academia. Na percepção do autor, a aparência superficial do bairro, o fato de ter ou não grafite ou janelas quebradas (de onde vem o nome da teoria), tem pouca influência na incidência de crimes. O motivo por trás disso é porque esses ambientes com pouca ou nenhuma manutenção funcionam como pontos de venda de drogas ou esconderijos para criminosos. Um experimento foi feito em diferentes bairros pobres e em diferentes cidades: a tarefa principal era fazer manutenção em lotes e casas vazias, na intenção de monitorar o impacto desta ação. Após as intervenções, os índices de crime próximos as áreas de intervenção caíram de forma drástica. Apesar de não ser apenas a aparência, o estudo mostra que o ambiente tem um grande papel no quão seguro um lugar é.
Outra discussão apresentada pelo autor é a gentrificação causada por novos empreendimentos. Apesar de trazer os “olhos nas ruas” que a autora americana Jane Jacobs defendia como fator importante para a segurança púbica, essa iniciativa vem sobre o preço da expulsão dos residentes locais. Esse fenômeno é ainda pior em bairros de comunidades negras.
O acesso à comida de boa qualidade é outro tópico discutido no livro. É muito mais difícil encontrar produtos frescos em comunidades de baixa renda do que em bairros ricos. A falta de acesso à comida de qualidade acontece por duas razões. A primeira é relacionada a escassez de opções desse tipo de comércio em bairros de baixa renda. A segunda é a inacessibilidade de preços desses produtos, o que dificulta o acesso a eles por famílias de baixa renda. Muitas iniciativas estão trazendo de volta o conceito de fazenda urbana, onde se pode plantar comida em lotes vazios dentro da área urbana. Isso não só representa um primeiro passo para ajudar comunidades a ter acesso a esses produtos, mas também oferece um espaço público de encontro e uma área verde para o bairro.
Os espaços verdes em cidades também são responsáveis pelas diferenças de saúde entre os bairros. Na cidade de Los Angeles, os bairros mais ricos e com melhores espaços públicos para recreação são a principal razão dos seus usuários terem índices de obesidade e ansiedade mais baixos. Isso mostra que esses espaços são muito importantes para manter essas comunidades saudáveis. Apesar disso, nessa mesma cidade, as comunidades mais pobres vivem em condições opostas.
A infraestrutura social é, também, importante quando se fala em situações de risco. Quando furacões atingiram os Estados Unidos no passado, um dos pontos cruciais para que os residentes escapassem de situações de risco de morte foram as pessoas com quem eles mantinham conexões em seus bairros. Isso serviu como um sistema de apoio que tornou possível que famílias encontrassem abrigos quando isso foi necessário. Os investimentos em infraestrutura de mitigação do impacto de catástrofes naturais como furacões ou tempestades são de grande importância, especialmente em áreas costeiras onde o impacto desses eventos pode ser muito pior. Muitas cidades tem escolhido o caminho mais inteligente e alinhado seus projetos para que esses sirvam não apenas como um mecanismo de proteção, mas também como um espaço público de recreação. A cidade de Nova York é que propõe um dos mais ambiciosos. Projetado pelo escritório do renomado arquiteto Bjarke Ingels, o projeto em formato de U forma um cinturão na região mais baixa de Manhattan, integrando o sistema de drenagem da água à um parque público no mesmo espaço.
Como tópico final do livro, o autor aponta outros dois assuntos importantes relacionados as mídias sociais, a nova forma de socialização da nossa sociedade. Ele primeiro aponta uma carta escrita pelo CEO do Facebook, Mark Zuckerberg, sobre o comprometimento da empresa em melhorar os grupos de socialização online de mesmo interesse. A carta também mostra o apoio da instituição em fomentar essas ações e engajar mais pessoas através do Facebook. Enquanto Zuckerberg demonstra suas preocupações sobre o impacto negativo do Facebook em interações face-a-face, empresas como a dele vem sendo importantes pivôs da gentrificação que acontece no Vale do Silício, e isso também afeta os papéis de instituições cívicas e espaços públicos na vida da sociedade americana. A presença dessas instituições não afeta somente trabalhadores ricos elevando os valores de moradias a números altíssimos. Algumas dessas empresas tem até mesmo seu próprio sistema de ônibus para ajudar seus funcionários e se livrarem do tráfego. Isso evidencia a mensagem de que eles estão interessados em resolver seus próprios problemas. Por fim, o Facebook teve um papel importante durante as eleições de 2016 nos Estado Unidos ao receber dinheiro para contribuir com a propaganda política. A instituição permitiu o uso de dados por empresas russas para enfrentar a candidata do Partido Democrata Hillary Clinton, na intenção de beneficiar Donald Trump. Esta é uma evidência clara da importância e do poder que as mídias sociais tem de moldar as decisões e comportamentos das pessoas.
O livro é uma mistura de narrativas reais e informação técnica sobre experiências que moldam espaços públicos e a vida social de uma cidade. O autor usa experimentos reais como exemplos e descreve o impacto que algumas infraestruturas podem ter nos índices de crimes e mortes relacionados ao ambiente. Isso mostra o quanto espaço urbano é determinante para promover a vida social e como ele pode ajudar cidades a entender muitos problemas que atingem seus cidadãos, como segurança pública, saúde, sociabilidade e outros.
sobre a autora
Aline Amorim Bolis é arquiteta pelo Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo, Centro de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Católica Dom Bosco – UCDB, 2018.
Bruno Alves dos Santos é arquiteto pelo Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo, Centro de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Católica Dom Bosco - UCDB, 2020.