Uma vendedora em escala 1: 1 fica ao lado do portão de entrada para convidar os passantes. Quando se entra no jardim, aparece, na frente, em plena altura, na lateral de um pavilhão oblongo aberto, o autorretrato do fotógrafo.
Lá dentro, cinco fotos esclarecem imediatamente quanto o fotografo Vincenzo Pastore, na virada entre os séculos 19 e 20, esteve à frente de seu tempo; tempos em que a fotografia era principalmente um ritual de estúdio, e quase ninguém tirava fotos na rua. Ele foi um streetphotographer.
Daí talvez o olhar escorregue para as fotos do mercado expostas no interior da boite do outro lado, que em seu exterior exibe duas fotos significativas da cidade em transformação (demolição, na verdade).
Deste ponto o olhar pode perceber – penduradas no interior de outra cerca de bambu, esta em formato de espiral, a uma altura máxima incomum de 160cm, que permite a fruição da exposição também para as crianças – os retratos, ou seja a produção mais tradicional de Pastore, feita em estúdio e com poses, para aqueles que tinham dinheiro para pagar o fotógrafo.
Os retratos aqui estão misturados com outros retratos, aqueles que o fotógrafo tirou, às suas custas, na rua onde, como um bom migrante, fotografou também afrodescendentes e indígenas, porque sabia que a cidade é rica por seus próprios habitantes, todos e sem discriminações.
No lado externo da espiral, há onze fotos que falam de natureza e de cidade, ou melhor, da destruição da natureza pela cidade, que é então descrita em quatro panorâmicas penduradas do lado de fora da boite adjacente.
A abordagem às fotografas é totalmente filológica na reprodução das proporções originais escolhidas por Pastore, entretanto as quarenta imagens (escolhidas entre as 137 do acervo) foram devidamente tratadas para poder ampliá-las até o lado máximo de 100cm cada. Essa operação de close-up as torna fora de escala, permitindo um jogo com o efeito de estranhamento que os visitantes – adultos ou crianças – poderão usufruir.
Esta expografia segue o primeiro projeto, baseado no display vivente de “GreenUP-Vertical Edible Green” (Verde Vertical Alimentar) inspirado no jardim do antigo palacete Oscar Rodrigues Alves, atual sede do Instituto Italiano de Cultura na Avenida Higienópolis em São Paulo, assim como foi criado na época pelos jardineiros da Dierberger & Companhia. O mesmo projeto, reconceitualizado através de dialogo com Samuel Titan no IMS, foi então desenvolvido até assumir o formato atual, explicitamente enunciado por meio destas cinco questões:
1. Será́ que o material escolhido para a montagem, o barato e muito sustentável bambu, foi instalado em forma de cerca para evocar os limites precários daquela São Paulo em transformação? Nesse sentido, poderia ser entendido como uma referência àquela São Paulo urbana, que em poucos anos invadiu as zonas rurais e aterrou os córregos, cuja vida e existência foram tão bem documentados aqui pelo fotógrafo Vincenzo Pastore?
2. Esta proposta expositiva tem algo a ver com as boites à miracles (ou, com especial infidelidade, o teatro segundo Le Corbusier) mantidas sempre abertas e desarticuladas em relação a qualquer alusão à eurocêntrica geometria dos sólidos de Platão? Ou, ao contrário, é uma homenagem misteriosa ao modo (temporário) de ocupação dos lugares pelos povos indígenas antes que os modelos urbanos (permanentes) fossem importados da Europa com ferocidade colonizadora?
3. Pode parecer que as três boites, cada uma das quais com um interior e um exterior, por extroversão e introversão, são de fato mantidas juntas em tensão recíproca pelos olhares como pelos corpos de quem as visita – quase afetuosa, mas pouco filológica homenagem à montagem pioneira do Masp de Lina Bo Bardi. Então o visitante se mistura com as obras, mas aqui sem a transparência e a elegância sofisticada dos cavaletes de vidro do Masp?
4. Será que uma montagem tão pouco custosa, tão “pobre”, mas, ao mesmo tempo tão pretensiosa pode ajudar as extraordinárias e ultra centenárias fotografias de Vincenzo Pastore a continuar a instigar questionamentos?
5. A presença, no centro ideal da exposição, de uma planta barba-de-velho (Tillandsia Usneoides, notoriamente usada para medir a qualidade do ar), talvez seja uma reivindicação do conflito entre a paisagem humana e a paisagem urbana? (1)
Projeto expositivo e expográfico
notas
NE – Texto curatorial e expográfico da exposição “Vincenzo Pastore: paisagem urbana, paisagem humana / Vincenzo Pastore: paesaggi urbani, paesaggi umani”, curadoria de Giacomo Pirazzoli e Samuel Titan Junior, projeto expográfico de Giacomo Pirazzoli, Jardim do Istituto italiano di Cultura de São Paulo, de 13 de dezembro de 2021 a 18 de fevereiro de 2022.
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Mais informações sobre a exposição, realizada a partir de imagens do acervo do Instituto Moreira Salles: promoção do Istituto Italiano di Cultura – IIC, San Paolo com a colaboração do Instituto Moreira Salles – IMS; organização do Istituto Italiano di Cultura, San Paolo (diretor Michele Gialdroni); tratamento e diagramação de imagens de Joanna Americano Castilho e Acássia Correia; produção, execução e montagem da exposição da Oficina São João; impressão fotos e textos da exposição da Camera Press; projeto e produção do folder da Oficina São João; impressão de folder da R2 gráfica.
sobre o autor
Giacomo Pirazzoli é professor e pesquisador do Departamento de Arquitetura – DiDA, Universidade de Florença, Itália.