A Austrália moderna durante muito tempo contou apenas com dois arquitetos célebres: Harry Seidler, vienense que emigrou para Sydney no final da segunda guerra mundial, fortemente influenciado por Marcel Breuer (com quem, aliás se associou em 1974 para a Embaixada da Austrália em Paris) e de quem aplicou os princípios durante quarenta anos de uma carreira fecunda; John Andrews, australiano de longa data, autor de mega-estruturas brutalistas no Canadá e nos Estados Unidos, e mais tarde, da torre da American Express de Sydney, entre outras.
Glenn Murcutt (2), cuja fama em pouco tempo ultrapassará a desses dois grandes dinossauros, é uma figura de exceção no panorama ainda restrito da arquitetura australiana contemporânea. Ainda que dê aulas com frequência no exterior, ele só construiu no seu país. Descrito como o herói apaixonado e solitário de uma espécie de funcionalismo ecológico, ele, que em breve terá sessenta anos, realizou em mais de um quarto de século de uma prática fora das normas, uma obra quase que exclusivamente doméstica e de uma admirável coerência. As imagens de seus pavilhões em metal ou madeira pousados em paisagens virgens são atualmente bem conhecidas. Entretanto, ele também renovou centenas de casas do parque imobiliário inesgotável dos subúrbios de Sydney. Seu reconhecimento internacional crescente – ele recebeu em 1992 a medalha Alvar Aalto, após Jorn Utzon, Tadao Ando e Alvaro Siza, entre outros (3) – coroa uma arquitetura frugal e elegante e recompensa a integridade de um modo de proceder singular.
Uma sociedade inquieta pela sua identidade cultural
A Austrália é uma ilha-continente muito isolada. Exclusivamente povoada pelos aborígenes até a sua tomada de posse pelos europeus no final do século XVIII, hoje é uma sociedade pós-colonial tranquila do ponto de vista econômico, convertida ao modo de vida norte-americano. Geograficamente mais próxima dos países do sudeste da Asia em pleno processo de desenvolvimento do que de seus modelos de origem, ela se caracteriza por uma interrogação difusa em torno de sua identidade cultural.
Em meados dos anos setenta, as tentativas de definição da identidade colocaram a arquitetura em primeira linha das pulsões autárquicas: assim, quais seriam as formas, as referências tipicamente australianas sobre as quais se basear na afirmação de um estilo local que se distinguisse, enfim, dos estilos de importação? Este questionamento inquieto e polêmico animou a cena arquitetural australiana até a recessão econômica dos últimos anos. Ele desandou em nacionalismo cultural, vetor de todos os tipos de fantasmas historicistas que foram favorecidos pelos regulamentos municipais aprovados para os edifícios novos. Tornou-se também um argumento de venda: as grandes empresas que monopolizam a encomenda colam o discurso e seus signos sobre a arquitetura comercial, em geral mais do que medíocre. Assim, proliferam as chapas de alumínio onduladas, promovidas a material nacional, o “brise-soleil”, emblema infalível de uma atenção da fachada ao clima, sob aparências vagamente “high tech”.
Paralelamente, este contexto regionalista forjou certas posições dos mais interessantes arquitetos australianos contemporâneos – infelizmente com frequência condenados pelos caminhos da encomenda à exercícios de “alta-costura”, trabalhando em programas modestos e em escritórios de pequeno porte. Em Sydney, o desejo de uma arquitetura em relação com o sítio, a paisagem e o clima existia desde os anos cinquenta, suscitado pela descoberta de Wright e dos seus colegas californianos. As casa de Glenn Murcutt e Richard Leplastrier herdam daquelas deixadas por essa época: leves, permeáveis aos elementos naturais. Em Brisbane, Gabriel Poole passou de uma modernismo temperado ao uso de estruturas que fazem referência à tenda enquanto que Lindsay Clare reinterpreta a memória dos abrigos tradicionais da região. Em Melbourne, Peter Corrigan e seus discípulos, seguindo os passos de Robert Venturi, fizeram dos subúrbios australianos sua fonte de inspiração, em oposição virulenta com o mito nostálgico da “mata”. Resulta desse movimento uma série de edifícios deliberadamente kitch, com geometrias desordenadas, colagens teatrais de motivos populares convertidos em elementos decorativos.
A busca de uma arquitetura apropriada ao lugar
O fenômeno Murcutt se inscreve numa lógica interna à Austrália mas condensa também interrogações mais largas que emergem hoje em diversos pontos do mundo ocidental: como conciliar o dever de modernidade e as aspirações regionalistas, a universalidade e a diversidade, a ecologia e a tecnologia, o respeito à paisagem e a necessidade de construir? Embora alimentado com o título de “pioneiro da forma arquitetural australiana” em meados dos anos oitenta, Murcutt não reivindica essa etiqueta. Prefere falar de arquitetura racional, responsável e, sobretudo, apropriada ao lugar.
Para ele a Austrália contemporânea é o fruto do encontro entre uma sociedade desenvolvida e uma paisagem muita antiga. Quiz-se reter de suas realizações apenas a beleza lírica das suas chapas de metal livremente dispostas. Entretanto, isto é negligenciar o procedimento profundamente racionalista que as engendrou. Ainda que as casa de Murcutt afirmem com soberba sua fatura humana, num contraste evidente com o seu meio, a veneração do arquiteto pelo mundo natural – medida e referência de todas as coisas – é uma das chaves de sua obra. Seu trabalho se alimenta dos paralelos entre os princípios que regem a natureza e aqueles que devem reger o construído: continuidade e lógicas das estruturas; importância das articulações e limites – no ponto onde dois sistemas se encontram – ; busca do máximo de eficácia com um procedimento mínimo; pragmatismo da adaptação ao terreno e ao clima.
Na cidade ou na mata, cada casa é concebida para se tornar o intermediário entre seu habitante e o rito dos ciclos naturais: sol, chuva, ventos, estações. A análise de cada sítio é assim um instrumento fundamental do projeto. Suas características fazem parte integrante do programa. Murcutt tenta assim oferecer uma espécie de interpretação construída do sítio para revelá-lo enquanto paisagem. A geologia do terreno, a taxa pluvionométrica e os ventos dominantes determinam a implantação da casa, a necessidade de pilotis, a forma e a inclinação dos tetos, o lugar da varanda, a porosidade das paredes externas... O ângulo do sol de acordo com as estações leva à decisão quanto à orientação das fachadas e à dimensão de suas proteções. Os sistemas de controle climático simples, ajustáveis a toda hora, permitem “colocar em acordo” a casa, segundo todas as combinações prováveis às condições exteriores mutáveis, luminosidade, temperatura, aeração, ruídos.
Uma prática marginal
A atitude de Murcutt em relação ao ofício de arquiteto e a maneira como ele o pratica merecem ser mencionados. Desde o início de sua atividade, em 1970, ele trabalha solitário em Sydney, sem uma verdadeira estrutura de escritório. Ele deseja conceber, desenhar, supervisionar tudo para controlar a totalidade do processo do projeto e dominar cada decisão. Eis aqui uma escolha ética fundamental, derivada de uma inclinação precoce pela filosofia do escritor americano Henry-David Thoreau. Ele prova também de sua fé individualista e encontra assim uma ideologia pioneira vivaz na Austrália.
Esta escolha fundamental tem um impacto considerável em seu trabalho: implica uma relação linear com a sucessão de tarefas, similar a de um artesão; determina ainda o volume e a natureza da encomenda. À exceção de raros projetos de equipamentos públicos, Murcutt desenha objetos únicos para clientes únicos: residências – objeto fetiche dos arquitetos do país do sonho da propriedade individual. Murcutt quer trabalhar com clientes que identifica e não com “consumidores anônimos de arquitetura”, escolhendo seus clientes dentre os numerosos proponentes em função do seu interesse pelo sítio e pelo programa.
Influências cruzadas
Atribuí-se a Alison Smithson o dito certamente redutor mas que causa impressão, segundo o qual Murcutt seria “um miesiano da madeira e das chapas de alumínio”. O comprido pavilhão transparente isolado na paisagem, que se tornou emblemático da obra de Murcutt, conjuga duas das referências do arquiteto: a casa Farnsworth de Mies van der Rohe e o woolshed australiano. Murcutt adere sem reservas aos princípios minimalistas de Mies e uma forte componente miesiana é evidente em certas formas e detalhes. Ele se inspira igualmente das construções da infra-estrutura agrícola australiana – os hangares de lã (os woolsheds) cujas formas compridas e baixas são como ecos das vastas extensões das propriedades em que se inserem. Esses edifícios utilitários, funcionais, que utilizam materiais disponíveis de maneira racional e pragmática; os processos de ventilação passiva e de proteção solar, com os quais são equipados, são simples, adaptados ao clima segundo às regiões, enquanto a arquitetura doméstica australiana guarda a rigidez dos seus modelos importados da Inglaterra no século XIX.
Com sua residência de Kempsey, inaugurada em 1975, depois com a de Jamberoo, Murcutt realizou a síntese entre o ícone miesiano e a tradição vernacular regional. Os pilotis e a varanda de Kempsey são devedoras tanto da residência Farnsworth quanto das construções dos fazendeiros australianos – granjas elevadas contra as inundações, abrigadas por para-ventos no prolongamento do teto. Foi nesse projeto que Murcutt experimentou pela primeira vez sua fachada modular integralmente composta por painéis em série (Naco) como janelas pivotantes – cheios ou envidraçados de acordo com a orientação – e persianas. Ele presta homenagem aos materiais australianos tradicionais: a madeira para a estrutura e vedações interiores (existem numerosos tipos de uma grande qualidade e muito utilizados); a chapa ondulada e galvanizada para os telhados, econômica, leve, adaptável, símbolo de uma civilização de pioneiros que graças a ela conquistaram os territórios mais longínquos do continente.
Uma tipologia recorrente
Uma série de temas recorrentes emergem do conjunto dos projetos de Murcutt. Seus edifícios têm sempre uma planta comprida e estreita; as peças se encadeiam de uma extremidade à outra do mais aberto ao mais privado, dentro de um envelope linear comum obtido pela “saída” de um corte transversal tipo. A divisão em espaço servidor e espaço servido ordena a planta livre tornando-a clara. As fachadas opostas são tratadas de acordo com a orientação: fechadas e opacas ao sul, elas são envidraçadas, porosas, ajustáveis ao norte. Uma varanda ou um pátio-átrio, conectado ao estar entre o interior e o exterior, é inserida no percurso e funciona como uma peça exterior que faz a transição entre a intimidade e a paisagem. As casas de Glenorie e de Bingi Point são dois casos desta escola tipológica.
O racional e o poético
Murcutt considera que é sempre bela uma solução justa e prática dada à necessidades corretamente colocadas – o que demonstra analizando seja a forma de uma samambaia ou de uma manilha. É com este espírito – próximo de Chareau, cuja Maison de Verre em Paris muito o marcou – que projeta e desenha seus detalhes, magnificando funções ordinárias em objetos poéticos. Combinando uma braçadeira e um fuste metálico para esgotar as águas pluviais, por exemplo, ele obtêm por um processo simples um triplo resultado: resolve de forma eficiente a evacuação d’agua na forma de um funil, exprime o movimento turbilhante da água e sua queda vertical e produz um elemento arquitetônico que ele pode organizar na fachada do seu prédio como se fosse uma coluna.
As preocupações ecológicas crescentes de Murcutt têm consequências cada vez mais aparentes ao longo de seus projetos: construir alterando o menos possível a integridade do sítio, utilizar o quanto menos de matéria possível, sobretudo em se tratando de recursos não renováveis (como os materiais fabricados à partir de minerais, por oposição aos derivados da madeira ou... do trabalho humano); conceber edifícios suscetíveis de serem modificados, aumentados e até mesmo “suprimidos” sem deixar marcas irremediáveis. Nos últimos dez anos, Murcutt segue de perto a cultura tradicional aborígene. Ele interpreta sua própria descoberta – tanto da relação a um só tempo pragmática e sagrada que ela mantém com o território, quanto dos seus abrigos leves e provisórios em cascas de arvóres – como uma confirmação que seus princípios são de fato apropriados ao lugar onde são construídos. Assim, conclui que ele apenas reinventou aquilo que os ocupantes de origem praticaram no continente australiano durante mais de 40.000 anos.
Duas casas recentes
As duas mais recentes realizações de Murcutt são, à primeira vista, muito diferentes. A primeira é inteiramente recorberta de metal, situada nas Blue Mountains que limitam Sydney em direção nordeste. A segunda é uma grande galpão pré-fabricado em madeira, um protótipo econômico concebido para o clima tropical do norte da Austrália. Ambas testemunham facetas de uma trajetória chegada à maturidade.
Casa nas Montanhas Azuis
Os clientes da residência de Mount Wilson (1988-94) escolheram seu arquiteto após longas reflexões e depois o colocaram na defensiva de seus próprios princípios. O programa era espartano (um santuário para um casal de aposentados com tendências intelectuais, retirados do mundo por vontade própria); o sítio era esplêndido: dois lotes isolados à margem da estrada, com uma área total de cerca de três hectares, flora rica e variada formando um belveder que descortina um panorama extraordinário de colinas e florestas.
De costas para os ventos do oeste e do sudoeste, de frente para a vista leste e nordeste, dois pavilhões desiguais compõem, de ambos os lados de um lago, uma sequência linear arqueada seguindo o maciço rochoso que limita sua expansão para trás. Murcutt implantou o conjunto segundo um desenvolvimento horizontal espetacular a partir do caminho de acesso, que apenas passa pelo pavilhão-atelier (o menor) para depois se materializar sob a forma de uma passarela ao longo do plano d’água, atravessar o pavilhão de habitação e enfim, como que fugir pela escadaria do lado leste. A altimetria em relação ao solo natural aumenta à medida que, encosta acima, o percurso se desenvolve e se projeta. Isto não só teatraliza a progressão, como acentua a impressão de descolamento gradual do mundo desejado pelos habitantes e permite a Murcutt terminar seu edifício com uma bela vertical definida por um poste isolado.
A simetria do pavilhão de habitação é sutil. O estar é ladeado pelos dois “filtros” de entrada e dos dois quartos com seus banheiros, de lado e outro da cozinha, esta concebida como um grande móvel. Graças a passagem da circulação ao longo da fachada principal, Murcutt mudou sua distribuição habitual: os quartos, apoiados sob a parte mais baixa do teto possuem uma proporção íntima e uma luz bastante controlada. Como faz frequentemente, realizou um emparedamento de tijolos para o lado exposto às intempéries, que foi completado pela estrutura metálica que sustenta a grande cobertura móvel. A fachada nordeste é relativamente espessa graça ao jogo das suas seis aberturas envidraçadas, de suas telas-mosquiteiros que são de correr e pelos seus guarda-corpos. As persianas com comando elétrico são guiadas por tutores metálicos colocados como apliques, bisotados nas extremidades e tornados mais leves graças a aberturas retangulares. Colocando-se à parte as sólidas travessas de madeiras da escada e da passarela, a casa é integralmente mineral: aço e alumínio de cor prateada para a estrutura, fechamentos e os dois grandes planos inclinados dos tetos; vidro; concreto polido cinza claro para todo o solo, pintura branca uniforme na alvenaria e nos gessos. Na fachada posterior, os panos de vidro inclinados e suas fendas de ventilação lembram a residência de Bingi.
Impulsionado fecundamente pelos seus clientes, Murcutt exacerbou várias tendências de sua arquitetura. O despojamento da planta, simplificada ao extremo, é quase monástico. O percurso longitudinal, bastante afirmado, distribui tanto os acontecimentos da paisagem quanto os espaços da habitação e tornam-se a verdadeira razão de ser do edifício. A visibilidade cristalina das diferentes partes, que poupa apenas as duas celulas-quartos, deixa reinar absoluto o ator principal do projeto: o sítio. Essa casa confirma ainda a evolução de Murcutt para uma espécie de expressionismo abstrato da fachada, tratada como uma tela nervurada e preciosa que responde ao rítmo das grandes árvores filtrando o sol e a vista.
Casa no Território do Norte
A residência de Yrrkala (1992-94) foi concebida para uma artista aborígene e sua família, como uma alternativa aos bangalôs de tijolo com pequenas janelas, inadaptados ao clima, que as autoridades australianas impõem habitualmente aos Aborígenes. Murcutt se viu confrontado à vários problemas novos: se adaptar ao clima tropical do norte da Austrália, submeter seu partido construtivo e seus detalhes às exigiencias da pré-frabricação – o que foi provocado por um pequeno orçamento e a situação do canteiro numa região distante e desprovida de pessoal competente local; experimentar seus próprios princípios espaciais frente ao modo aborígene de habitar que ele considera como uma referência sem contudo jamais ter tido a ocasião de realizar um projeto para a comunidade – enfim, “lançar uma ponte entre culturas”. Ele desenhou uma comprida cobertura-galpão, perfurada, elegante e robusta que se abre, se fecha e respira quase como uma planta.
A estrutura metálica foi calculada para resistir a ventos que podem atingir 63 metros/segundo: a conformidade à regulamentação anti-ciclone explica o diâmetro importante das colunas e as largas travessas aparafusadas nas junções. De acordo com a exposição e a natureza das peças, as fachadas são constituídas por largas janelas em aglomerado ou por persianas em peças de madeira espaçadas 8mm. Os painéis basculantes são alçados durante o dia como paraventos e a casa se torna uma plataforma protegida, parcialmente aberta em todas as suas faces. As paredes são fechadas durante a noite: a ventilação natural cruzada é permanente mas a intimidade do interior da moradia é preservada. O teto tranborda em muito do lado da fachada norte – a fachada de acesso, em diração ao mar – para cobrir uma estreita projeção da plataforma ao longo do estar.
Na cultura aborígene tradicional, o conceito de família ampliada incluí uma rede complexa de parentes suscetíveis de virem a dividir a habitação de um dos seus. A planta reflete as necessidades particulares dessa demanda: um grande espaço comum, um único quarto fechado, uma série de pequenos quartos abertos. Murcutt ampliou seu conceito de “parede servidora”, incluindo nele as alcovas-camas desses pequenos quartos, colocadas a dois metros acima do solo para protegê-las dos olhares exteriores. Estas alcovas são separadas por abas verticais que impedem o sol lateral da manhã e da tarde de atingir a fachada. No interior, as vedações em aglomerado são “cheias” até dois metros e acima disso dotadas de ripas de madeira para favorecer a ventilação; os tubos pivotantes de Venturi que pontuam o teto expulsam o ar quente que sobe para a cobertura.
A casa foi inteiramente pré-fabricada por um grupo de marcineiros de Gosford, perto de Sydney, expedida por caminhão e barco através da Austrália e depois montada no local em algumas semanas por dois homens. A repetição lógica e rigorosa dos detalhes claros ao extremo e a virtuosidade dos construtores, habituados a fabricar veleiros, explica a perfeição do resultado. Os componentes são aparafusados e nenhuma junção é irremediável. Para tornar possível esta realização, considerada a princípio utópica, o fabricante de aço BHP doou as peças metálicas e o arquiteto e o engenheiro de estrutura, James Taylor, seus honorários.
A residência Marouka reata com a simplicidade e o despojamento das primeiras casas rurais de Murcutt. Suprimindo virtualmente a noção tradicional de fachada, ele explora a relação sutil e mutável entre interior e exterior com um novo ânimo e leva à novos limites o conceito de abrigo transformável, em simbiose com a paisagem e os elementos naturais. Esta ambiguidade entre dentro e fora, em grande parte determinada pelos fatores climáticos está na origem do traço mais surpreendente deste projeto: o expressionismo didático da relação entre estrutura, cobertura e parede. Tratada como a relação entre um esqueleto e a pele que o recobre esta é uma maneira diretamente orgânica que rompe com a habitual cobertura fluida e lisa dos seus interiores.
notas
1
Este artigo – originalmente publicado na revista holandesa Archis nº 5/95, p. 38-50, com o título Rationele architectuur in een oud landschap. Het werk van Glenn Murcutt – está sendo reproduzido com a autorização da autora, após ter sido republicado na revista Óculum 7/8, Campinas, jan/dez 1995. Os contatos com a autora foram reestabelecidos pelos arquitetos Paulo Roberto Diziolli e Valentina Moimas. Tradução de Margareth da Silva Pereira.
2
NE – Para saber mais sobre Glenn Murcutt:
Françoise Fromonot Glenn Murcutt, La raison du Paysage L’Architecture d’Aujourd’hui nº 285, fev 1993, p. 70-77.
Manolo di Giorgi Glenn Murcutt, house at Moruya (NSW), Australia Domus nº 691, fev 1988, p. 68-75 + XXI.
Rory Spence At Bingie Point Architectural Review nº 1068, vol CLXXIX, p. 70-75.
Nel bush australiano un padiglione di lamiera Abitare nº 264, mai 1988, p. 190-199.
La casa nella campagna Abitare nº 284, abr 1990, p. 154-163.
3
Glenn Murcutt é o ganhador do The Pritzker Architecture Prize 2002, a principal lautea da área da arquitetura.
sobre o autor
Françoise Fromonot é arquiteta, redatora de L’Architecture d’aujourd’hui, mestre-assistente da Escola de Arquitetura de Lille e autora de uma monografia sobre Glenn Murcutt publicada pela editora Electa em 1995