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drops ISSN 2175-6716

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Luiz Augusto Contier alerta que já existem no Brasil seis cursos de arquitetura autorizados pelo MEC a funcionar na modalidade à distância, colocando em risco a boa formação do profissional e passando por cima de recomendações de instituições da área.

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CONTIER, Luiz Augusto. Ameaça à educação dos arquitetos. A proliferação do ensino à distância na área de arquitetura e urbanismo. Drops, São Paulo, ano 17, n. 113.06, Vitruvius, fev. 2017 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/17.113/6415>.


Ensino à distância e o desafio das cadeiras vazias nas escolas de arquitetura
Foto Abilio Guerra


Como conselheiro do CAU, tomei conhecimento recentemente da solicitação de autorização de cursos de Arquitetura à distância. Ao pesquisar o assunto, fui tomado de assalto com a informação de que já existem no Brasil seis cursos de arquitetura autorizados pelo MEC a funcionar na modalidade à distância.

A Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura – ABEA, em carta de janeiro de 2017, já manifestou sua “discordância com a criação de Cursos de Graduação de Arquitetura e Urbanismo na modalidade EaD” (1). Na condição de conselheiro, repliquei imediatamente essa carta. No entanto, diante dos novos fatos, senti-me na obrigação de retomar e aprofundar o assunto.

Em setembro de 1994, há mais de 22 anos, foi convocado o “Seminário Nacional de Avaliação do Ensino de Arquitetura e Urbanismo”, sediado na Universidade de Brasília. Havia no Brasil naquela época 73 cursos em funcionamento. No seminário, diretores coordenadores e professores de 47 universidades analisaram e debateram o status do ensino e o currículo mínimo de 1969. Ao fim do seminário, tínhamos uma proposta de novo currículo. Na plenária foi aprovada não como currículo mínimo, mas como Diretrizes Curriculares para ficar em acordo com a recém-aprovada (1993) Leis de Diretrizes e Bases da Educação – LDB, a Lei Darcy Ribeiro.

Tive o privilégio de ser um dos professores signatários daquela proposta que, em dezembro, foi publicada pelo Ministro da Educação (portaria 1.770) e é base das Diretrizes Curriculares vigentes.

Quando, nos debates na UNB, se discutia o texto, com ampla participação de gestores, professores, e acadêmicos, todos tínhamos algumas referências norteadoras, como os diagnósticos de 1993 da Ceau (2), e estávamos alinhados aos colegas da UIA / Unesco, que aprovaram em 1996 o Charter for Architectural Education (3), cuja revisão tive a oportunidade de traduzir e está disponível no site da Abea (4). Desse modo, as Diretrizes Curriculares foram desenvolvidas tendo por base a aquisição de conhecimentos, desenvolvimento de habilidades e de competências, como propunha a UIA.

Naquela época, a existência de 74 cursos, parecia espantosa ante os 28 cursos de vinte anos antes. No entanto, mais 20 anos e temos 466 cursos! (5)

Ainda que as realidades sejam muito diferentes, uma rápida comparação não deixa de ser intrigante: em 2006, os Estados Unidos tinham 134 cursos de graduação em arquitetura (6). Temos quatro vezes mais cursos para um pouco mais da metade da população.

Em 1994, na avaliação da Ceau, existia uma clara preocupação com os fenômenos de sucateamento e barateamento dos cursos, evidenciados pela carência de espaços adequados, falta de laboratórios, bibliotecas pobres, e baixíssimo investimento nos docentes, entre outras mazelas detectadas.

A Carta para Educação dos Arquitetos da UIA/Unesco aponta, entre outras condições e requisitos:

“As escolas de arquitetura devem ser equipadas adequadamente com estúdios, laboratórios, instalações para pesquisa, estudos avançados, bibliotecas e instalações para intercâmbio de informação sobre novas tecnologias”.

Como resposta ao quadro encontrado, são esses pontos que o documento da Ceau/Sesu “Perfis da área & padrões de qualidade – expansão, reconhecimento e verificação periódica dos cursos de arquitetura e urbanismo” (7) propõe.

Em 1994 os 73 cursos eram mantidos por 28 instituições públicas e 45 instituições privadas, estas geralmente pequenas ou médias empresas familiares. Era raro que uma instituição oferecesse para ingresso em seus cursos de arquitetura mais de 150vagas anuais. O número médio de alunos matriculados de 1º a 5º anos era de 400 alunos por curso.

Agora, no espaço de tempo decorrido desde o Relatório da CEAU, muita coisa mudou. Vieram os programas de financiamento estudantil (Fies, Prouni e sucedâneos privados), que, ao mesmo tempo em que deram acesso à universidade para as classes menos favorecidas, praticamente extinguiram a inadimplência. Pequenas empresas educacionais foram compradas por universidades maiores e estas por empresas maiores ainda. O negócio familiar virou big business para fundos de investimento. Com ações negociadas na bolsa, acionistas reivindicando lucratividade, essas mega-instituições não raro convocam mais de 1.000, 1.500 ingressantes em seus processos seletivos.

Para além de universalizar o ingresso, os programas de crédito educativo poderiam ser um importante instrumento numa política de estado, para valorização do ensino, pois poderiam beneficiar apenas aquelas instituições que aderissem a um rígido padrão de qualidade. Não foi o que aconteceu. Criou-se a benesse e nada se exigiu de contrapartida.

Em arquitetura, notadamente nas escolas privadas, a carga horária mínima de 3.600 horas, passou a ser uma regra do negócio, sendo raríssimas as escolas, que hoje oferecem mais que o mínimo. Várias contabilizam as horas de estágio, língua portuguesa, Empreendedorismo, preciosidades como “Educação étnico-racial e de gênero”, além de outros penduricalhos dentro das 3.600, reduzindo ainda mais a carga horária que deveria ser dedicada exclusivamente ao cumprimento dos conteúdos das diretrizes.

Piorando esse panorama, desde que o MEC autorizou que 20% do conteúdo fosse ministrado em EaD, a maioria das escolas vem buscando modos de adotar essa modalidade, frequentemente substituindo disciplinas teóricas e de formação crítica sem sequer exigir o acompanhamento à distância de um professor. Comumente, o modelo de EaD praticado no país se baseia em vídeo aulas e exercícios online, ao contrário de centros de excelência estrangeiros, que mantém verdadeiras salas de aula virtuais, com professores e alunos ativos.

Por mais que o EaD seja uma realidade que vem se difundindo rápida e desastradamente no Brasil, os responsáveis pelo ensino vinham preservando o desenvolvimento de habilidades e competências, como é o caso do ato de projetar

Parece óbvio que assim seja. No entanto, há agora cursos de arquitetura autorizados pelo MEC oferecendo a graduação à distância (8), sendo que, em seus sites, alguns informam ser 100% à distância.

Um dos seis cursos à distância autorizados pelo MEC (6) apregoa:

“Ganhe flexibilidade na hora de estudar. Optando pelo curso Semipresencial, você estuda a teoria online e cumpre a parte prática no laboratório de arquitetura, comparecendo ao polo até 2 vezes por semana”.

Outra, esclarece:

“Na EaD+ você só precisa comparecer presencialmente na instituição uma vez por bimestre para realizar uma Atividade Prática, quando houver, e uma Verificação de Aprendizagem. Essas atividades acontecem sempre aos finais de semana e são informadas com antecedência para você se programar. Estão previstos quatro encontros ao longo do semestre, sendo que dois deles podem ser acumulados em um só! Desta forma, você vem apenas uma vez por bimestre na instituição”.

Essa universidade divide o curso em 5 ciclos e nos 4 primeiros ciclos não oferece nenhuma disciplina de projeto, concentrando-as no 5º período: 12 disciplinas de 40 horas de Projeto de Arquitetura e Urbanismo.

No total já estão autorizadas nesses seis cursos 23.198 vagas à distância. Dois deles estão autorizados a ofertar 9.999 vagas cada.

A Carta para Educação dos Arquitetos da UIA/Unesco destaca a respeito:

“cada instituição de ensino deve ajustar o número de alunos de acordo com a sua capacidade de ensinar e a seleção dos candidatos deve estar em conformidade com as competências necessárias para uma formação bem-sucedida em arquitetura, e isso será obtido através de processo de seleção adequado implementado na entrada de cada programa acadêmico”.

No exterior, todos os cursos lutam por figurar em algum ranking. O que conta é ser um dos “top ten” disputadíssimos. Entre nós, para a conquista de clientes, à falta de indicadores objetivos de qualidade, os cursos se valem do marketing, da fama e prestígio, ou dos preços módicos. Não é opção oferecer professores visitantes do exterior, ambientes adequados e equipados ou maiores cargas horárias.

Sem a obrigação de qualidade, independente da possibilidade de se garantir a formação de um arquiteto dessa forma, fica a pergunta: por que autorizar um curso de arquitetura totalmente por EaD? Os 83.700 arquitetos detectados pelo CAU mais o contingente massivo anualmente colocado no mercado pelos 466 cursos já instituídos são insuficientes? A presença de cursos de arquitetura em 210 cidades das 27 unidades da federação não é abrangência suficiente?

Se não é pela falta de arquitetos, outra razão seria a oferta de um curso mais “em conta” para o aluno. Sabemos que o principal custo do ensino é a folha de pagamento. Sem esse entrave, podemos dizer que chegamos ao ponto onde as IES estão entregando os diplomas de arquiteto sem intermediários, em módicas prestações?

No Brasil, não há, como em outros países, distinção entre bacharelados sobre arquitetura e bacharelado em arquitetura. Os primeiros são cursos de cultura arquitetônica enquanto os segundos são profissionalizantes, licenciam arquitetos. No Brasil temos unicamente o bacharelado em arquitetura, que é profissionalizante.

Como em outros países, a arquitetura é uma profissão regulamentada. Não é de livre exercício. Ao registrar seu diploma no CAU, o bacharel passa a poder utilizar o título de arquiteto e exercer as prerrogativas de sua profissão.

Em muitos países para obter a licença, o bacharel precisa prestar exames. O licenciamento pelo CAU não supõe a avaliação do candidato, como o caso dos advogados na OAB. Assim é nossa Lei.

Em alguns lugares, licenciamento ainda é um privilégio vitalício. Hoje em dia, mas cada vez mais, se exige renovação da licença e revisão periódica pelos pares. O candidato precisa provar que está atualizado através de exames e, em alguns casos, participado de programas de ensino continuado.

Entre nós, sem exame de ordem, com registro vitalício, o CAU vai dar registro aos egressos desses cursos EaD nessas condições, pareando-os aos egressos de cursos presenciais?

Diante de tais perguntas cabe, no mínimo, um grande debate envolvendo a academia, sociedade, o CAU e o MEC.

nota

NE – publicação original do artigo: CONTIER, Luiz Augusto. Ameaça à educação dos arquitetos. Linkedin, página pessoal, 01 fev. 2017 <https://www.linkedin.com/pulse/amea%C3%A7a-%C3%A0-educa%C3%A7%C3%A3o-dos-arquitetos-luiz-augusto-contier>.

1
ABEA. Carta da Abea contra o ensino a distância para graduação em arquitetura e urbanismo. Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo, 26 jan. 2017 <www.abea.org.br/?p=2052>.

2
CEAU – Comissão de especialistas em Arquitetura e Urbanismo da Secretaria de Ensino Superior – SESU, Ministério da Educação.

3
UIA. Charter Unesco / UIA for Architectural Education. Paris, International Union of Architects, 2011 <www.uia-architectes.org/sites/default/files/charte-en.pdf>.

4
ABEA. Op. cit.

5
E-MEC. Instituições de educação superior e cursos cadastrados. Brasília, Ministério da Educação, 2017 <http://emec.mec.gov.br>.

6
OCKMAN, Joan. Architecture School: Three Centuries of Educating Architects in North America. Washington, DC, MIT Press, 2012.

7
SILVA, Elvan; KALIL, Itamar; MAGALHÃES, Maria Amalia Amarante de Almeida; SILVEIRA, Roberto Py Gomes da; FICHER, Sylvia. Perfis da área & padrões de qualidade – expansão, reconhecimento e verificação periódica dos cursos de arquitetura e urbanismo. Brasília, Ceau/Sesu, 1994 <http://portal.mec.gov.br/sesu/arquivos/pdf/ar_geral.pdf>.

8
Dados sobre cursos de bacharelado em Arquitetura e Urbanismo em atividade na modalidade à distância: e-MEC.

sobre o autor

Luiz Augusto Contier é Arquiteto titular da Contier Arquitetura, conselheiro suplente do CAU-BR. Foi coordenador do curso de arquitetura e urbanismo da USJT por 22 anos e professor por 30 anos de faculdades de arquitetura.

Evolução do número de escolas de arquitetura no Brasil de 1974 a 2016
Gráfico do autor [ABEA]

Quadro comparativo entre população e escolas de arquitetura de Brasil e Estados Unidos
Gráfico do autor [ABEA / OCKMAN, Joan. Op. cit.]

Cursos à distância de Arquitetura e Urbanismo em atividade atualmente no Brasil e vagas autorizadas pelo MEC
Gráfico do autor [e-MEC / Ministério da Educação]

 

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