Fato é que já não se pode dizer que não existem títulos voltados para a análise conjunta das práticas do turismo e da arquitetura, ao menos em língua estrangeira. Entre as publicações à disposição, em especial as vindas do mercado editorial britânico, norte-americano, espanhol e francês, está o título resenhado, a partir da tradução em espanhol desde o original em inglês.
Logo de cara, como exposto no prólogo de Davydd J. Greenwood, premiado professor de antropologia da Universidade de Cornell, fica claro que o que virá é um apanhado de opiniões de caráter crítico. Uma proposta de análise que na percepção de Greenwood vem até tardiamente, uma vez que o campo de conhecimento do turismo carece há tempos, segundo ele, de maior atenção e empenho no que se refere à produção de estudos científicos com abordagem social e humanística.
Carregando a proposta de examinar a relação entre a prática do turismo e o entorno construído, o livro explora experiências em regiões geográficas tão diversas quanto contrastantes – a saber, Cuba, Gana, Grécia, França, Itália, Líbia, Ilhas Maurício, Espanha e Estados Unidos – e em abordagens temporais que vão desde o Renascimento até os dias atuais. Passa ainda por diversas formas de manifestação artística, desde a fotografia até o cinema, desde o artesanato até o patrimônio edificado, para mostrar que o turismo é um fenômeno histórico, geográfico, econômico e cultural que se estende para muito além das fronteiras dos lugares ou dos limites espaciais ou emocionais impostos pela chamada “indústria do turismo”.
Sob a batuta de Lasansky e McLaren, este volume reúne ensaios de vários autores, a maioria deles ligados à pesquisa e à docência nas áreas de história, arte, cultura e arquitetura. No entremeio, opiniões e relatos de experiências cujo foco busca sempre aliar arquitetura e turismo, distribuídos em cinco módulos, que abordam as questões da percepção do turista (Definición de un modelo u un modo de percepción), da peregrinação (Políticas de peregrinación), do lugar como um produto turístico feito como que para presente (El lugar empaquetado), da representação (Representación) e da imaginação da pós-modernidade (La imaginación posmoderna).
A ótica dos textos, com enfoques bastante diferentes, mostra o quão diversificado pode ser o tema do turismo e conduzem o leitor, nas palavras de Greenwood, à “análise de questões sociais, históricas e artísticas mais amplas” (1), que podem referir-se ao papel do souvenir na percepção do lugar como destino turístico, à fotografia como elemento de promoção das qualidades arquitetônicas (e turísticas) de um lugar, à produção de imagens simuladas que aparecem como atrativo turístico e promovem os lugares ou à questão da construção de cenários imaginários a partir da arquitetura do espetáculo.
Reunidos de forma aparentemente dissociada, estes textos, ao voltar-se para o impacto do turismo no ambiente construído, têm o grande mérito de induzir questionamentos que se complementam, deixando ao leitor a possibilidade de perceber conexões temáticas que, expostas de outra forma, poderiam não ser compreendidas como são pelo caminho sugerido por Lasansky e McLaren.
Este mérito, talvez, deva ser dado exatamente aos editores do volume, ambos professores e pesquisadores da área de arquitetura de renomadas universidades norte-americanas (ela vinculada à área de história da arquitetura e do urbanismo da Universidade de Cornell e ele ao departamento de arquitetura da Universidade de Washington), por sua capacidade de reunir idéias tão variadas de maneira tão competente.
Embora os ensaios possam ser lidos em separado, sua riqueza maior está em proporcionar, juntos, a percepção consciente sobre a multiplicidade do fenômeno turístico a partir do desenho e da prática arquitetônica, que dão forma e significação ao turismo e à imagem dos lugares, construída física e mentalmente, pelo olhar e pela imaginação dos turistas.
Os editores, ao induzir discussões acerca de experiências vivenciadas em espaços tão distantes uns dos outros e em tempos tão diversos, misturando inclusive passado e presente, levam-nos a compreender a reflexividade histórica e cultural do fenômeno turístico, característica tão peculiar das sociedades contemporâneas, já referenciada por Giddens, Beck e Urry (2).
Estas leituras, reunidas em sua diversidade, formam uma imagem para lá de agradável. E mostram como a junção de fragmentos pode constituir, a depender do talento e da capacidade de quem os manipula, um mosaico cujo valor ultrapassa questões puramente estéticas para provocar o intelecto a aventurar-se em questionamentos muito mais profundos. Uma postura corajosa e ousada dos autores, sem dúvida. E, devemos reconhecer, extremamente bem sucedida.
À Gustavo Gili, fica o registro de uma edição impecável, sem erros gráficos, bem cuidada e com um tratamento estético que talvez só não seja perfeito dada a nossa incorrigível mania de esperar encontrar livros ilustrados em cores, esquecendo-nos do que isso pode significar em termos de viabilidade econômica.
notas
1
Em tradução livre a partir do espanhol, à pág. 08.
2
GIDDENS, Anthony; BECK, Ulrich e LASH, Scott. Modernização reflexiva: política, tradição e estética na ordem social moderna. São Paulo: Editora da Unesp, 1997.