Ao longo do tempo, mapas, plantas urbanas e cartogramas registram a toponímia em diferentes escalas, conforme o interesse de seus elaboradores e/ou dos usuários desses documentos factuais. Os países desenvolvidos estimulam a produção cartográfica e, nos tempos atuais, acumulam enormes acervos de fotografias aéreas e de satélite, pois assumem importância estratégica – de defesa e ataque, sobretudo em tempos de conflitos.
Nesse sentido, mapas servem antes de tudo para fazer a guerra. Mas, em tempos de paz, a cartografia e as descrições geográficas servem primordialmente para o desenvolvimento de certas atividades como a turística ou a implantação industrial, de grandes lojas, etc. Nessas atividades, os cartogramas são utilizados para a localização de pontos para a visitação ou acesso a matérias primas e a compradores. Esses pontos, no caso do turismo, são destacados e se divulgam em todo o mundo como sendo atrativos por suas belezas naturais ou construídas pelo homem. Para a implantação industrial e comercial, as plantas de localização servirão para os investidores tomarem decisão para as obras físicas necessárias aos empreendimentos. Em resumo: os topônimos são quase-endereços e os mapas os consagram.
No DF, alguns topônimos foram introduzidos pelos construtores, outros já eram utilizados pelos indígenas, antes mesmo da Missão Cruls ou ao tempo da homenagem aos 100 anos do marco da Independência – colocado num dos morros de Planaltina, em 1922. Após a inauguração da capital, o centro da cidade consagrou-se como Plano Piloto de Brasília, a partir do plano do urbanista Lúcio Costa. O topônimo Plano Piloto caiu no gosto popular e passou a ser a denominação do centro da Capital. Todavia, há quem confunda o Plano Piloto com Brasília propriamente dita. Ocorre que Brasília é a denominação da cidade inteira, isto é, o Plano Piloto somado às antigas cidades-satélites, sedes das 29 Regiões Administrativas, formando o município de Brasília. Se denominássemos o centro Brasília, qual seria o status legal das demais cidades? Essas não são sedes municipais, mas componentes de um todo urbano, bairros ou subúrbios, como acontece em outras capitais brasileiras. Outra questão peculiar é a de que o DF é uma das unidades da federação, que abriga um único município (Brasília), que como toda a unidade municipal possui áreas rurais e urbanas, quanto à forma e estrutura, mas espalhados no território municipal, uma verdadeira cidade polinucleada.
Historicamente, os topônimos do DF, receberam denominações de pessoas, de antigas fazendas ou de animais. Com nome de pessoas, o Gama (antigo pároco de Luziânia e fazenda do mesmo nome); o córrego Vicente Pires (com nascentes próximas a Taguatinga e desemboca no Riacho Fundo, tributário do lago Paranoá), a ex-vila de Brazlândia (a terra dos Braz, fazendeiros de Minas Gerais, que deram nome à vila do mesmo nome e que pertencia ao município de Luziânia). Antigas fazendas deram denominação a Sobradinho, Gama e Taguatinga, exemplificando.
Com nomes de animais, listam-se topônimos como Guará, local onde existiam “lobos brasileiros”, animais em vias de extinção. Criado para abrigar trabalhadores do Setor de Indústria e Abastecimento (SIA), rapidamente expandiu-se, originando o Guará I e II, valorizados pela especulação imobiliária em razão da proximidade do Plano Piloto. Temos também o Recanto das Emas, cuja denominação se deve às grandes aves, assemelhadas ao avestruz e que abrigou população pobre de Ceilândia e de algumas favelas “erradicadas” de diversos pontos do DF.
No âmbito das antigas cidades-satélites, o inusitado surge com o topônimo de Ceilândia, surgido após a transferência de 82.000 habitantes das favelas existentes nas proximidades do Núcleo Bandeirante. A denominação, gerada da junção de “lândia” – terra - à sigla da Campanha de Erradicação de Invasões (CEI). Embora consagrado, esse topônimo carrega dois termos pejorativos: erradicação, significando que os moradores das antigas favelas do IAPI, Vila Tenório, Vila Sara, Vila Esperança, Morro Urubu, Morro do Querosene, e outras, foram transferidos do Núcleo Bandeirante como se erradicam ervas daninhas. Uma contradição, pois, ao serem transferidos para as proximidades de Taguatinga, a meta era melhorar as condições de vida dos ex-favelados. Aliás, esses moradores pobres, não eram propriamente “invasores” e sim ocupantes de um pedaço de terra que não era seu. Mas, ao serem retirados, o foram de forma organizada. Na atualidade, os “invasores” (não todos) passam pelo crivo da lei e as ocupações irregulares e ilegais (nem todas) são reprimidas, por vezes, com uso da força.
De fato, passados trinta e seis anos de sua implantação e em consideração à derrubada de estereótipos, é insustentável manter uma denominação preconceituosa para o mais populoso núcleo urbano da Capital. Há quem pense em alterar essa denominação da maior localidade urbana do DF. Nesse sentido, a terra urbana serve para a exclusão sócioespacial, uma contradição em termos da democracia que deveria vigorar por ser apanágio da Capital federal.
Devem-se particularizar algumas denominações próprias ao Plano Piloto, pois para o urbanista Lúcio Costa seria importante seu projeto inovador não ter vias públicas com nomes de pessoas. Com isso temos o Eixo Monumental, que liga a Praça dos Três Poderes à estação rodo-ferroviária com alguns quilômetros de extensão. O Eixo Monumental divide o corpo do Plano Piloto, no sentido norte-sul e é a grande referência viária do centro. Outra referência é o Eixo Rodoviário (o “eixão”), que separa as Asas Sul e Norte em setor leste e oeste. Com isso, surgem avenidas paralelas ao Eixo Rodoviário os “eixinhos” e outras mais afastadas como as Avenidas W-3 Sul e Norte.
Essas avenidas desempenham um importante papel para o comércio e serviços essenciais para a cidade desde seus primórdios. Paralelamente às W-3, seguem-se as W-4 e W-5. Com a divisão leste-oeste outras vias permitem um fluxo melhor de veículos pelos “eixinhos” leste e oeste, tanto na Asa Sul, quanto na Asa Norte. Outras vias importantes são as L-2 norte e sul, com as respectivas L-3 e L-4 que permitem trânsito mais externo às duas Asas e significam avenidas leste. Essas vias todas podem confundir visitantes, mas, uma vez familiarizados, podem localizar prontamente qualquer ponto do centro da Capital devido à simetria dos setores em que a cidade foi pensada pelo urbanista Lúcio Costa.
No DF, evitou-se o exagero ocorrido em outras capitais de homenagear políticos ou figuras em evidência com denominações de vias públicas, bairros etc. Aqui, vias são W-3, N-1, Setor SW, Eixo Monumental, eixinho, ponte das Garças etc. Felizmente, a cidade ficou livre de denominações de pessoas e o culto a personalidade vai aparecer pontualmente como no viaduto Airton Senna, ponte JK, ponte Costa e Silva, Aeroporto Internacional Juscelino Kubitschek e outros.
Em outros pontos do DF, há topônimos com denominações várias, como a via Estrutural, que liga o Plano Piloto a Taguatinga e Ceilândia. Essas duas localidades ainda possuem vias importantes como a EPTG (Estrada Parque Taguatinga), EPNB (Estrada Parque Núcleo Bandeirante) e EPIA (Estrada Parque Indústria e Abastecimento), todas com a mesma função da Estrutural, ligar os assentamentos ao centro e vice-versa. A EPTG e EPNB têm como função a distribuição do tráfego para as demais cidades-satélites situadas a oeste e sudoeste. Ambas também fazem ligações com os demais estados, Goiás, Tocantins, Mato Grosso, Minas Gerais e, logicamente, São Paulo e Rio de Janeiro.
Destaque-se, portanto, que ao lado do projeto urbanístico inovador, o DF tem igualmente denominações pouco usuais. O que pode ser característico da Capital se traduz em algo que a diferencia das demais capitais estaduais onde predominam denominações patrióticas ou em homenagem a vultos e políticos de destaques como ex-presidentes da República, com maior evidência para Getúlio Vargas homenageado em muitas cidades brasileiras ou marechal Cândido Rondon, desbravador dos sertões do Centro-Oeste.
Ligada a Brasília há outra denominação inusitada – “Entorno” – dada ao território limítrofe do DF. Entorno passou a ocupar as manchetes da mídia e as preocupações de governantes e está na ordem do dia, sobretudo pela criminalidade e tráfico de drogas. A toponímia que se cunhou abrange um largo território externo ao DF, com cerca de nove municípios contíguos. O IBGE consagrou o termo aglomerado urbano de Brasília. Denominamos esse mesmo território área metropolitana para evitar o preconceito contido no termo “entorno”. Os dicionários tratam entorno como “derramado” ou “espalhado”, “vertido”. O termo aparece como verbete originário do verbo “entornar” – esparramar, verter, derramar. Concorda-se que esses municípios foram surgindo e inchando com as levas de excluídos da capital federal e por correntes migratórias que, inicialmente, se estabeleciam próximas à capital para, posteriormente, mudar-se para o DF. Talvez mais da metade dos habitantes dessa área tenha passado por cidades-satélites do DF ou favelas e ocupações irregulares. Considere-se que populações não se “entornam”, mas ocupam espaços em razão de suas possibilidades econômicas ou premência de ter um chão – dentro da estratégia arraigada da “casa própria”.
Então, quem passou pelo DF e migrou para suas bordas externas não se considera “espalhado” e sim excluído ou como alguém que não teve renda suficiente para arcar com os elevados aluguéis de Brasília e/ou com o alto custo da terra urbana da capital. Como toda área metropolitana, esse território passa a ter problemas de várias ordens – educação, saúde pública, transportes, habitação etc., e, por conseqüência, será importante dar abrigo às demandas da população, incrementando soluções com os esforços das três esferas da administração – federal, estadual e municipal. Há urgência na elaboração e execução de políticas públicas para a solução demandas, sobretudo educação, combate ao desemprego com possibilidades de trabalho e, logicamente, segurança pública com redução da violência, que toma cada vez maior vulto.
Vê-se, portanto, que há algo mais, além da questão geográfica do topônimo que, por falta de espaço, ficará para outro momento.
sobre o autor
Aldo Paviani é geógrafo e pesquisador associado da Universidade de Brasília – UnB.