Naoshima é uma ilha localizada no distrito de Kagawa em frente a cidade continental de Okayama a três horas de Tóquio. Ela emerge do mar interior do Japão como a materialização de um sonho: uma ilha onde arte, arquitetura e natureza confluem em um espaço único de contemplação.
Tadao Ando iniciou este projeto em 1992 contratado por Soichiro Fukutake, grande colecionador de arte japonês que desejava expor publicamente sua coleção. Queria criar um lugar especial, onde o embate entre arte e espectador fosse reinventado e o processo artístico pudesse ser compreendido de uma nova maneira.
Chega-se à ilha por um deck sobre o mar. Ao longe entre rochedos e vegetação elevam-se muros e grandes formas geométricas, como ruínas da arquitetura mediterrânea antiga. Estas formas primordiais expressam a clareza do pensamento do arquiteto: a estrutura despida, o espírito do objeto.
Tadao Ando se apresenta de imediato, mostra a força do seu traço, do partido, o seu diálogo com natureza. O primeiro e incisivo risco do lápis na terra.
"Quero moldar o espaço com espírito delicado e artesanal. Porém estou disposto a penetrar neste espaço utilizando violência".
O arquiteto fala através das ruínas sobre as formas da história antiga que compõem seu imaginário. O novo paradigma criado por Tadao Ando transita entre a matriz japonesa horizontal, irregular, flutuante e integrada à natureza e a greco-romana, imponente, precisa e dominante na paisagem. O arquiteto projeta a atmosfera do teatro de Epidaurus no sinuoso litoral japonês. Por uma escadaria nos recebe e faz olhar ao topo do monte. À meia altura um muro de concreto abre uma “caverna” que abriga Seen / Unseen Know / Unknown de Walter de Maria: são “olhos” de granito que vêem e refletem a paisagem.
Benesse house
A escadaria chega ao topo do monte e em seguida uma rampa leva à entrada da Benesse House: museu e hotel. O museu com obras de Alberto Giacometti, Jasper Jones, Jackson Pollock, Richard Long, David Hockney, Yves Klein, fica aberto a noite inteira. Neste hotel insônia não é problema. Obras selecionadas de artistas como Joseph Albers, Sol LeWitt e Christo compõem os interiores dos quartos, abertos para grandes terraços, com vista para as ilhas. O museu se organiza entorno de um espaço cilíndrico com uma rampa circular que articula os quatro andares, levando ao nível mais baixo, onde fica a escultura de Bruce Nauman Live and Die, um néon com palavras que evocam vida e morte. No teto, um óculo ilumina este espaço como no Pantheon de Roma. Adiante fica a galeria principal aberta para um pátio com a escultura do japonês Kan Yasuda, The Secret of the Sky, são duas pedras de mármore como grandes pufes que convidam a deitar e ver o céu. Na outra direção mais um pátio descoberto que diferente do anterior não é encerrado entre paredes, seus muros envoltórios não se tocam e abrem a vista para a paisagem.
O anexo
Do nível intermediário do museu, um teleférico sobe para o anexo e no silêncio da mata deixa contemplara natureza. No ponto mais alto da montanha, no platô do anexo, nasce a escada d’água, vista de dentro de um o espaço envidraçado. Dentro do anexo um outro espelho d’água reflete o vazio oval da cobertura: céu, água e paredes misturam-se em tons de azul. No percurso, como em cenas de uma peça de teatro, que se encadeiam contando uma história, Tadao Ando retoma a sucessão e o tempo presentes na Vila Imperial Katsura, em Kyoto. Sem um espaço central, os episódios apresentam-se gradativamente no tempo, sublinhando o essencial: o movimento no espaço, o percurso do olhar.
Chichu Art Museum
Em 2004 foi inaugurado o principal edifício da ilha: o Chichu Art Museum. Chichu em japonês quer dizer dentro da terra. O museu, enterrado, é formado por três galerias dedicadas a: Claude Monet, James Turrelle Walter de Maria.
Um muro abre a montanha, e deixa passar. Um corredor escuro leva ao primeiro pátio a céu aberto, comum jardim de bambus.Uma rampa percorre sua periferia e conduz a um novo espaço escuro de onde parte um corredor iluminado. Adiante, vêm um pátio triangular com chão de pedras brancas, um jardim árido contornado por paredes de concreto rasgadas por fendas que indicam as rampas para o andar superior. É um percurso ritmado numa seqüência de espaços claros e escuros, abertos e fechados.
Dentro da sala de Monet, já sem sapatos, sente-se a textura do piso em mosaico de mármore italiano. A luz indireta sobre as paredes cria um ambiente granulado. As três telas com vistas do jardim de Giverny, são como janelas abertas para a natureza japonesa, envolta pela bruma, impressionista.
Do lado fica a sala de Walter de Maria com a obra Time, Timeless, No Time, uma escadaria leva a grande esfera de granito central um espaço grandioso que lembra uma igreja. Na lateral elementos de madeira pregados nas paredes parecem santos em volta de um altar. O artista cria um espaço focado na luz, pedra e madeira, como um culto a matéria. A última sala do museu abriga a obra Open Sky de James Turell. É uma sala rodeada por bancos de pedra comum buraco quadrado aberto no teto, um quadro em constante mutação. Os raios de sol entram por essa abertura e projetam diferentes cores no espaço branco:azul, rosa e amarelo. O tema é a luz no espaço e o movimento da natureza refletido na arquitetura.
Por um corredor chega-se a uma janela aberta para a paisagem, de onde se avista o mar, amplo e sereno. No percurso entre montanha, céu e mar misturam-se vistas amplas e momentos internos de contemplação. A alternância fechado/aberto, grande/pequeno, escuro/claro faz sentir o espaço de outra maneira. O museu é um percurso que corta a montanha, passeando entre o céu, a paisagem e a arte:um movimento contínuo do corpo dentro da terra.
MInamidera
Pela cidade de Naoshima algumas casas de antigos moradores abrigam também partes do projeto. Minamidera, o cubo negro de madeira de Tadao Ando, contém a instalação de luz The other Side of the Moon, de James Turrell. O retângulo todo fechado esconde o que tem dentro. Na imensa escuridão sente-se os veios da madeira, a textura do chão, o cheiro e o silêncio. A sensação do corpo no espaço é pelo pé e pela mão, um novo modo de ver. Após sete minutos de escuridão, o olhos vêem um grande retângulo azul, a lua.
Naoshima fica na lembrança, as imagens desta ilha mostram como Tadao Ando faz uma arquitetura da experiência, que não é estática e posiciona o espaço dentro da dimensão do tempo, imprimindo movimento à matéria.
sobre o autor
Marina Acayaba é arquiteta formada pela FAU USP. Em 2006 morou em Lisboa, trabalhando no escritório de Manuel Aires Mateus. No último ano colaborou com o escritório SANAA em Tóquio