Piacenza está situada às margens do rio Po, com o que guarda sabiamente uma prudente distância; próxima de Milão, fazendo parte de um colar cujas contas são as preciosas cidades que atravessam a região de Emilia Romana. De Piacenza, porta da região, a Rímini, nos encontramos, entre outras cidades, com Parma, Módena e Bolonha, que ressoam com voz própria. Entre patinho feio e bela adormecida, parece que agora chegou o momento de Piacenza. Trata-se de uma cidade que teve um crescimento não muito expansivo, com uma relação de equilíbrio com o precioso campo que a envolve e que chega até todos os seus limites. As cidades européias, especialmente as médias, têm a oportunidade de pensar em sua compactação, e até num certo decrescimento, para fazer parte de uma constelação territorial. Estão mais preparadas para ser parte de um território do século XXI em rede que as grandes megalópoles.
A cidade histórica tem um potencial tipológico muito valioso, de palácios e de habitações coletivas dos séculos XVIII e XIX, com preciosos saguões e espaçosos pátios, que reabilitados poderiam enriquecer muito a escala do cotidiano e dos espaços intermediários na cidade.
Piacenza é uma cidade que foi sempre margem, limite. Portanto, uma cidade sentinela no cruzamento de caminhos que pode agora, graças à mudança das necessidades logísticas do exército italiano que tinha construído numerosos quartéis e bases, reencontrar espaços apagados da memória e do imaginário de seus habitantes.
Esta situação de cidade militar permitiu que não tenha sido especialmente transformada nem globalizada, ainda que esteja excessivamente ocupada pelo tráfico de veículos.
Nos próximos anos serão liberados os territórios de uso militar, que constituem as grandes parcelas situadas em espaços de articulação imprescindíveis à reestruturação urbana. A incorporação destas áreas de sombra no imaginário cotidiano dos habitantes permitirá enriquecer, articular e caracterizar a cidade frente ao futuro.
A cidade possui uma grande tradição, mediterrânea e latina, de utilização das praças com atos públicos: festas, concertos, comércio, feiras. Apesar da pouca atuação no tecido público e da preeminência do carro, os piacentinos se apropriam de sua cidade, caminhando-a e utilizando, especialmente, a bicicleta como forma de deslocamento cotidiano.
A cidade tem áreas potenciais de encontro, intercâmbio e conhecimento: as margens do rio Pó, distantes do dia a dia, tão distante e tão próximo; espaços religiosos sem uso; grandes palácios com seus pátios e jardins como coração verde da cidade; e, evidentemente, o tecido formado pelos edifícios das áreas militares. Alguns deles já fazem parte da cidade cívica, como o Palácio Sforzesco, que aporta um museu à cidade, com salas de exposições temporárias, e salas para atividades de oficinas relativas às mostras.
A forma desordenada que cresceu a cidade, com planos que não se relacionam entre si, permite, no entanto, resgatar dois potenciais anéis verdes.
Um deles, muito consolidado, segue o traçado e os restos da muralha. Este parque anelar, ainda entrecortado, apresenta um dos espaços públicos mais utilizados pelos habitantes: o passeio público – uma intervenção ilustrada do século XIX que se manteve –, um passeio escoltado por plátanos centenários, permite o passeio e a atividade lúdica de forma relaxada, para o qual se voltam numerosos edifícios de habitação com espaçosas e expressivas varandas.
A segunda oportunidade consiste em entrelaçar espaços verdes de diferentes qualidades que salpicam a periferia da cidade. Entre estes espaços se encontra o parque da Galeana, criado recentemente, que conecta a cidade com o bairro de Besurica. De grandes dimensões, o parque da Galeana é como um fragmento de campo entre duas zonas de cidade, no qual destaca-se um circuito de atividades físicas para pessoas que se deslocam em cadeira de rodas. Este pequeno projeto há de nos fazer refletir sobre a construção da cidade e seus espaços públicos, em como torná-los mais acessíveis e mais atentos às necessidades reais e diversas da população.
Interpretar as preexistências
Como indício do que a cidade é capaz de fazer e propor a partir da reutilização de seus espaços, recuperando as diferentes memórias, existe já um magnífico precedente: a reconversão das 15 naves e pavilhões do antigo matadouro de Piacenza, fechado em 1985, que entre 1999 e 2008 se reabilitou para convertê-lo na nova sede do Politécnico de Milão, adotando o nome de Urban Center para manifestar a ambição cultural e social do complexo. Desta forma, as salas e escritórios dos novos estúdios de Arquitetura Ambiental se situam nas preciosas naves do antigo matadouro, feitas de construção de tijolo com pilastras, telhados inclinados em duas águas e grandes janelas termais.
Para a reabilitação, dirigida pelo Serviço de Projetos da Prefeitura e inaugurada em 23 de fevereiro de 2008, se conservaram todas as partes e elementos construtivos e estruturais e parte das máquinas e utensílios, se refizeram totalmente os telhados e se instalaram novas esquadrias e marquises.
As naves centrais de galeria maior contêm os usos que aglutinam maior número de pessoas, como a sala de exposições, onde estão os fornos restaurados, e a sala de atos. As naves laterais hospedam a docência e a administração, e nelas se encontram salas menores, laboratórios e sedes de distintos departamentos, com os escritórios dos professores. Estas naves laterais estão integradas por um espaço central único.
O espaço das diversas naves, as maiores de tipologia basilical, está tratado com muita sobriedade, guardando elementos museográficos, como a esteira transportadora de reses com seus ganchos, as manivelas das roldanas ou as gruas, testemunho das atividades do antigo matadouro.
O espaço livre entre naves e pavilhões, tão importante como o espaço construído, foi redesenhado e urbanizado. No conjunto estão instaladas outras instituições, como o Museu de História Natural, o Infoambiente e a sede da Ordem dos Arquitetos (misto de IAB e Crea).
O futuro projeto urbano e territorial de Piacenza deveria basear-se em saber interpretar suas preexistências como um sistema complexo, reforçando suas relações, ganhando espaço público do automóvel, recuperando para a cidade os antigos terrenos militares para diversos usos – jardins, parques de esculturas, equipamentos, centros de ócio, centros artísticos, bairros piloto de habitações ecológicas – aproximando-se ao ambiente do Pó, atando os corredores verdes e inspirando-se na memória da estrutura agrária tão próxima e tão presente.
Há muitos projetos que podem servir de referência, como o Sesc Pompéia em São Paulo, de Lina Bo Bardi, o parque Dursburg Nord na Alemanha, de Peter Latz, a transformação da fábrica de submarinos no porto de Saint-Nazaire, de Manuel de Solà Morales, ou o próprio exemplo do antigo matadouro de Piacenza. Todos eles demonstram as grandes possibilidades de revitalização que têm as velhas arquiteturas industriais e militares, e a potente capacidade de regeneração que aporta a própria natureza para brotar e estender-se pela terra.
sobre os autores
Josep Maria Montaner e Zaida Muxí, arquitetos