O Jardim Botânico do Rio de Janeiro nasceu em 1808 com o nome de Jardim de Aclimatação a partir de um decreto de D. João VI. Foi rebatizado algumas vezes, sendo a última, em 1996 com o nome de Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro.
Sua designação original era ser um espaço de acolhimento e reprodução para as espécies botânicas trazidas das Índias Orientais – jaqueira, fruta pão, pimenta do reino, cravo e outras espécies exóticas, como as palmeiras imperiais, que se transformaram no ícone que representa a instituição.
Plantas indígenas foram mais tarde introduzidas e iniciativas de cultivar o chá e também a bombonaça para confecção de chapéus de palha foram tentadas. Sua rica trajetória nestes duzentos anos de existência está ligada a atividades de pesquisas agrícolas e botânicas. No entanto, desde 1840 o Botânico já era um significativo equipamento de lazer, muito visitado em fins de semana pela população.
Hoje esta faceta do Jardim Botânico se reafirma enfaticamente como destinação turística imperdível para os forasteiros e um roteiro incorporado à rotina dos cariocas do entorno para as caminhadas pela sombra.
Essa área, ainda que não destinada ao lazer em sua origem, foi sendo apropriada por usuários os mais diversos. Vê-se que o rol de itens de lazer repetidamente inseridos nos parques e tidos como essenciais, são plenamente dispensáveis quando há um ambiente acolhedor, com qualidades estéticas e de temática consistente, de tal maneira que a possibilidade de recreação se dá pela singularidade do seu repertório.
Um breve passeio pelo Jardim vai revelando uma variedade de elementos que despertam interesse e contam um pouco da história do Brasil e da evolução urbana da cidade, apresentam fenômenos físicos nas maneiras de conduzir as águas, mostram peculiaridades da estrutura vegetal das árvores e arbustos, falam das trocas inter culturas, e acolhem o visitante à sombra das árvores nas aléias e sob as pérgulas com trepadeiras.
A Casa dos Pilões que integrava a Fábrica de Pólvora, local de compactação do salitre, enxofre e carvão, funcionou até 1830 e foi restaurada entre 1984 e 1994. Aí estão presentes a engenhosidade das engrenagens de madeira e o seu processo de funcionamento, reproduzidos em maquete animada. Para lembrar o primeiro centenário da chegada de D. João VI e sua iniciativa de criação do Jardim Botânico, seu busto foi esculpido por Rodolfo Bernardelli, reconhecido escultor da virada do século XIX para o XX, e lá está assentado sobre um pedestal ajudando o visitante a se situar na história. A água que vem das nascentes da Floresta da Tijuca e dos córregos que deságuam na lagoa, propiciaram a criação de vários elementos como a Grande Cascata e os canais que cortam o espaço. O Aqueduto da Levada, de 1853, que trazia a água dos grotões para irrigar os jardins, foi recuperado debaixo de quadras de esportes construídas por um grêmio esportivo, e restaurado por volta de 1980. A água verte também do chafariz do Anjo com Delfim, fundidos em ferro e bronze, sobre um tanque de ninféias, réplica de um original do século XV e, dos lábios de Tétis, a deusa das águas, na Fonte Wallace, peça escultórica de ferro fundido, de 1878. Terá sido um bebedouro?
A estrutura e as características específicas da vegetação arbórea ou arbustiva chamam a atenção. A fixação de certos troncos por meio de raízes tabulares é tão chamativa, que remete à física e às estruturas de sustentação das edificações.
Os aspectos dos troncos das árvores como o pau mulato adquirem uma textura, cor e brilho irresistíveis. Impossível passar na frente de um exemplar dessa espécie sem tocar e sentir sua “pele”.
Os pergolados ecléticos de ferro fundido, com trepadeiras pouco conhecidas são convidativos para fugir do calor e entrar num ambiente mais intimista.
Os ornamentos de madeira e gesso das cercas do orquidário, escritos na antiga ortografia, atraem para dentro da edificação que promete uma coleção significativa, mas que, no entanto, decepciona, há alguns poucos exemplares de orquídeas e várias outras espécies herbáceas que parecem um tanto intrusas neste recinto.
De repente adentra-se num ambiente oriental com pontezinha japonesa e flores de lótus em todas as etapas – do botão à flor e sua folhagem flutuante no espaço.
A riqueza deste “parque” no miolo de um dos populosos bairros do Rio de Janeiro sugere uma reflexão acerca da importância de se pensar a cidade a longo prazo. Uma obra deste porte só pode ser secular. Não cabe dentro de um mandato de 4 anos de um administrador.
Faz lembrar a situação do Central Park, em Nova York, que quando concebido por Frederick Law Olmsted no final da década de 1850 tinha como cenário a expansão da cidade ao redor do parque.
Vivenciar um espaço da qualidade do Jardim Botânico reforça a importância de se investir em espaços públicos abertos similares.
sobre o autor
Maria Cecilia Barbieri Gorski é arquiteta e mestra pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, sócia diretora da Barbieri & Gorski Arquitetos Associados especializada em projetos de lazer e arquitetura paisagística