A cidade à cerca de 200 km norte de Delhi, capital da Índia, é um destino pouco ou nada visitado pelos milhares de turistas que vêm ao país.
Nos guias, há pouco mais de uma página destinada à cidade, sempre com o alerta de que não há muito para se ver por lá e que os edifícios – supostamente a principal atração – estão em mau estado de conservação.
E quem vem à Índia, o lugar das tradições, das cores, multidões e da religiosidade, para visitar uma cidade modernista, com linhas retas, inteiramente planejada por um arquiteto europeu?
Há críticas das mais diversas a Chandigarh, a capital dos estados do Punjab e Haryana, construída após a divisão do primeiro para dar lugar ao que hoje é o Paquistão.
A antiga capital punjabi, Lahore, ficou do outro lado da fronteira indiana e por isso J. Nehru, o primeiro ministro da Índia recém-independente, decidiu construir uma cidade do "zero", um lugar que, segundo ele, deveria ser uma referência somente ao futuro do novo país, o lugar da Índia moderna.
Em primeiro lugar, formou-se uma equipe de arquitetos e engenheiros norte-americanos para a criar o plano-diretor, mas no início dos anos 1950, o grande arquiteto franco-suíço Le Corbusier foi chamado por Nehru para estruturar a nova capital.
Julia Bussius e Nelson Barbieri estiveram em Chandigarh em momentos distintos, mas muito próximo no tempo, cerca de um mês de diferença. Os dois têm ligações profundas com a arquitetura – Julia, filha de arquiteta, e Nelson, construtor e filho, irmão e cunhado de arquitetos – e tiveram duas experiências diferentes e similares na passagem pela capital regional. Eles contam um pouco sobre o que viveram a seguir.
Nelson
Nelson partiu de trem para Chandigarh e a expectativa era grande, apesar do pouco conhecimento anterior sobre esta cidade e o trabalho de Le Corbusier. Sabia apenas do culto e da importância deste trabalho para a história da arquitetura e da humanidade, mas desconhecia se o trabalho se destacava mais no campo da arquitetura dos edifícios ou do urbanismo.
A viagem de trem é um espaço amplificador das emoções, pois durante os 226 km percorridos em três horas e meia tem-se contato visual íntimo com o interior da nação. Bons trens, com preços acessíveis às diversas camadas da população devido às várias classes e preços variáveis. Na chegada, uma imponente estação, limpa e moderna; e logo o assédio forte dos taxistas e dos riquixás. Nelson preferiu seguir a pé para usufruir da liberdade de não depender para ser levado.
No trajeto uma das emoções mais fortes foi descobrir uma favela muito populosa em que se sensibilizou com a aparente dignidade da miséria indiana.
Mais tarde recebeu uma explicação de uma professora de yoga brasileira, Andrea, sobre a beleza da expressão e do olhar do povo indiano.
Quanto ao trabalho de Le Corbusier, destaca-se o traçado urbano, amplo e com artérias bem definidas, montando super-quadras, com destaque para a 17 como centro comercial e as 01, 03 e 10 como as institucionais.
Este traçado é análogo ao de New Delhi, com super quadras retangulares de aproximadamente 800 x 300 metros.
Grande importância têm as áreas verdes, sobretudo o Rose Garden, por ser central (setor 16) e com enormes canteiros de roseiras em diversas cores e todas em flor nessa época do ano.
É uma sensação interessante a de estar em uma cidade planejada e com alguma similaridade de sentimentos ao percorrer as superquadras de Brasília, num momento em que nossos países parecem irmãos.
Julia
A primeira vez que li sobre Chandigarh, foi ao traduzir uma resenha para este Vitruvius, em 2006, da crítica norte-americana Sabine V. Fischer a respeito do livro do arquiteto indiano Vikramaditya Prakash, que discutia a questão da identidade numa capital regional indiana construída por um europeu modernista. Na época, me surpreendi em saber que tal cidade existia. Confesso jamais ter ouvido falar nela antes de ler a resenha. A Índia era, então, um destino improvável – hoje moro aqui, por coincidência e ironia do destino, no estado de Haryana.
Contrariando as expectativas, um dos primeiros lugares que visitamos na Índia foi Chandigarh. Havia uma arquiteta no grupo, Denise Teixeira, e seu interesse pela cidade vinha da época da faculdade. Fizemos a viagem de Delhi até lá de carro, acompanhados por um rapaz punjabi, da religião sique, cuja família vive há muitos anos na cidade.
Em Nova Delhi, muitas histórias têm a triste marca da separação do país (chamada de partition), pois a maioria da população hindu e sique que vivia no território que passou a ser paquistanês migrou para a capital indiana, deixando tudo o que tinha na sua terra de origem – assim como os muçulmanos de Delhi e outras regiões tiveram que partir com a roupa do corpo para o novo país muçulmano. Língua, costumes e tradições sofreram grandes perdas nesse processo, aprendo toda vez que leio ou escuto algo sobre essa mudança.
O caminho até a cidade é tumultuado, com vilarejos de maior ou menor porte por toda a extensão. Uma paisagem que nunca é vazia, nunca é apenas paisagem. Os carros dividem a pista com riquixás, bicicletas, motonetas, carros puxados por búfalos e rebanhos de animais de menor ou maior porte. Plantações de canola, trigo e milho colorem a estrada. O Punjab é também a terra das laranjas e à medida em que nos aproximamos da capital, mais vendinhas com pilhas dessas frutas vão surgindo. Paramos para provar algumas – e são muito doces, lembram mexericas.
As "bordas" de Chandigarh têm jeito de Índia: ruas confusas, lotadas, barracos, vendas amontoadas. Mas quando entramos no plano piloto a coisa começa a se organizar. Avenidas largas ladeadas por árvores e rotatórias (hoje adaptadas com faróis). O trânsito caótico indiano é incomparavelmente mais tranquilo aqui. Os carros tendem a manter-se nas faixas, as manobras não parecem tão desvairadas. Riquixás azuis também estão por todo lado. Passamos pela rodoviária e o sentimento é familiar: nos lembra algumas cidades do interior de São Paulo. Arcos altos, concreto aparente.
Começamos a perceber a estrutura das quadras, e Brasília vem à mente, mas vemos que muito do desenho original dos prédios se perdeu. Os blocos de comércio têm as fachadas tomadas por grandes e desiguais placas das lojas. O concreto de fato está mal-tratado pelo tempo, imprimindo um ar muito decadente às construções e escondendo o que deveria haver de "modernista" na cidade. Fomos até a quadra principal, o centro do governo local, onde estão o complexo do capitólio e a suprema corte, porém seguranças armados com metralhadoras não nos deixaram entrar no primeiro – exigiam uma autorização, algo improvável para nós que passaríamos apenas uma noite por lá.
Pudemos ver o edifício da corte do lado de fora e nos surpreendemos com a graça dos desenhos das grades inventadas por Le Corbusier.
Circulamos mais pela cidade e nos surpreendíamos de vez em quando com um ou outro belo edifício, mas a impressão geral não era de beleza, e sim de algo diverso, algo suspenso no meio desse turbilhão indiano. Os moradores de lá sentem orgulho da cidade, por ser muito mais limpa e organizada do que no restante do país. A universidade do Panjab é muito conceituada e tem um campus fascinante – o que mais encantou nossa arquiteta Denise e do qual reproduzimos algumas fotos aqui. Estivemos na cidade universitária num domingo e ela estava tão viva quanto um dia qualquer de semana: a população que vive nela de fato forma uma "cidade". Muitas moradias de professores, alunos e funcionários, pequenos parques, berçários, escolas e, claro, salas-de-aula. Era como um bairro, mas um bairro mais harmônico com as construções modernas e um dos lugares mais acolhedores de Chandigarh.
sobre o autor
Julia Bussius é historiadora e jornalista
Nelson Barbieri é engenheiro civil