Não sou do tipo que viaja muito. Pelo menos não no varejo. Nem por isso sou uma turista acidental do tipo que odeia estar em trânsito e, quando fora do habitat, arranja um jeito de ficar sempre no mesmo lugar. Muito pelo contrário.
Nas raras vezes em que viajo, costumo abrir os olhos. Por isso, durante uma estadia em Melbourne, difícil foi não me espantar com uma cidade tão acessível, tão aberta para os cidadãos. Uma cidade inclusiva, franqueada para a primeira, a segunda e a terceira idade. Uma cidade que acolhe portadores de necessidades especiais: cadeirantes e deficientes visuais. A tal ponto que as cadeiras rodantes chegam a atrair a atenção de um transeunte desavisado flanando pelas ruas num dia comum, eu.
A não ser que estatisticamente existam mais deficientes físicos lá do que aqui, não existe outra explicação para transitarem tão expressivamente pelas ruas do que a acessibilidade das vias urbanas. Sem falar nos semáforos adaptados para deficientes visuais. Para sua presença ser detectada, é emitido um som repetitivo característico; e a freqüência se acelera quando abre para os pedestres.
Claro que nada disso seria possível sem calçadas adequadas. Difícil acreditar, mas em algumas áreas do centro, não há diferença de nível entre o leito das ruas e o passeio público. Os pisos formam um todo contínuo e permitem um deslize confortável e sem qualquer transtorno para cadeiras de rodas. E para carrinhos de bebê também, claro. Com direito a uma pausa para o papai dar uma descansada básica, sentar-se e tomar tranquilo seu suquinho.
Dentro desse contexto, não surpreende que o acesso ao transporte público seja fácil e cômodo, sem necessidade de vencer nenhum degrau. Sendo que a cidade é servida por uma malha de trens e bondes. Herança dos ingleses. E por falar em bonde, a altura do seu piso é a mesma da calçada onde se dá o embarque.
Daí que o acesso ao comboio é possível tanto para um usuário de cadeira de rodas como para um carrinho de bebê. E por que não dois? Com folga, bem entendido. E não é dizer que isso aconteça em prejuízo dos espaços para que outros passageiros possam se sentar confortavelmente.
Sem cobradores, por favor. O pressuposto é que o bilhete será devidamente pago e validado no dispositivo específico para tal fim. Desnecessário mencionar que o horário de passagem – rigorosamente obedecido – consta em cartazes colocados no ponto.
Num dia de branco na folhinha, mesmo no centro da cidade, é possível parar num banco e ler um livro. Aliás, livro é objeto muito comum de se encontrar nas mãos das pessoas nos bondes, a caminho do trabalho ou na volta.
Fora o detalhe da possibilidade de fruição dos espaços públicos, que não são poucos. Jardins e parques não faltam. Melbourne se orgulha de ser tão bem provida de áreas verdes – que, enormes, se espalham pela área urbana – graças à visão de seus fundadores. Tanto que ir a um parque é programa comum, faz parte da cultura. Se for para encontrar amigos e fazer um tradicional pic nic, resta escolher um dos muitos. Todos dispões de instalações para churrasco. Basta levar os ingredientes.
Se for para assistir um show, concerto de música, cinema ao ar livre etc., basta acompanhar a programação. Dos eventos que já fazem parte do calendário de Melbourne, o festival de curta metragem é um dos mais tradicionais.
Neste dia, uma empresa aproveitou para fazer sua propaganda institucional. Inteligente é o projeto da cadeira com encosto, feita em papelão ondulado, especial para oferecer conforto a quem senta no chão. No final da apresentação, é só devolver o brinde. Para reciclagem, óbvio. Quem ousaria poluir o próprio local de moradia?
Parece que quando as facilidades públicas oferecidas apresentam qualidade tão elevada, os cidadãos se sentem impelidos a um comportamento igualmente pleno de urbanidade e civilidade.
Seja bem vindo a Melbourne!
sobre o autor
Sonia Manski é arquiteta formada pela FAU USP e trabalha no Condephaat