Em outubro de 1996 estive em Berlim a trabalho para a revista AU (publicado na edição 65). A cidade era então o maior canteiro de obras do mundo (Dubai nem existia) e merecia um registro pela participação de tantos expoentes da arquitetura – Renzo Piano, Norman Foster, Arata Isozaki, Richard Rogers, Hans Kolhoff, Rafael Moneo, Helmutt Jahn, Jean Nouvel entre outros – com seus desenhos peculiares no mesmo contexto urbano.
Através das maquetes expostas no Info-Box da Sony, um paralepípedo suspenso no ar, situado onde antes existia a praça Potsdam, podia-se ter uma idéia da extensão da reurbanização da antiga e futura capital da Alemanha (Bonn era então a sede do governo federal enquanto se reconstruía Berlim).
Estavam bem visíveis as diferenças culturais, arquitetônicas, econômicas na Berlim dividida e o contraste entre esses dois mundos. O muro havia caído havia pouco tempo mas seus fragmentos permaneciam para lembrar o drama de uma população separada dentro de seu próprio território. Como Gaza agora.
A surpresa diante da nova realidade foi muito além do esperado. A Berlim que reencontrei é uma cidade luminosa, clara, com os belos parques mais tratados e, portanto, mais visíveis.
Nas margens do rio Spree e seus extensos canais cortando avenidas, novos edifícios transparentes, tudo em contraste com a Berlim sombria de 1996, sufocada por construções pesadas da arquitetura prussiana, sobreviventes da devastação de duas guerras, especialmente da Segunda que pulverizou a região de Unter den Linden e a Potsdamer Platz, onde se encontravam obras neoclássicas projetadas por Friedrich Schinkel no século XIX. E pelos inúmeros edifícios de Albert Speer, o arquiteto de Hitler.
Depois da II Guerra, a parte oriental, marcada por edificações em série, construídas pelos soviéticos com peças industrializadas, contrapunha-se ao lado ocidental e seus inúmeros exemplares da arquitetura moderna, alguns projetos produzidos nos EUA, como os blocos de apartamentos de Walter Gropius.
Entre outras obras do pós-guerra, o edifício Springer, junto ao muro e os de apartamentos na Leiziger Strabe. Por outro lado, o Chekpoint (local em que a polícia da Alemanha Oriental fazia as triagens dos que transitavam entre os dois lados) que limitava-se a paredes grafitadas, atualmente está todo ordenado com várias lojas de souvenirs, simplificando seu caráter, no meu entender.
Já em 1996, o capital alemão mais os investimentos internacionais (A&T, Sony, ABB) destinados a reconstrução e modernização de Berlim, estavam se exaurindo; a Daimler-Benz, maior empreendedora, assim como outros investidores, foram enxugando seus milionários projetos, embora mais de trezentos estivessem em andamento. Privilegiaram três grandes eixos: Potsdamer Platz, Friederichstrasse e Alexander Platz, esta última situada na parte oriental da cidade, para se buscar a recuperação do tecido urbano ao estabelecer uma relação estreita entre áreas de trabalho, habitação e lazer.
Embora tenha sofrido muitas críticas por seu espírito conservador, esse planejamento (que recebeu pejorativamente a qualificação de “reconstrução crítica”) selecionou arquitetos por meio de concursos públicos, e estes, com raras exceções como Hans Kolhoff, que manteve o mesmo caráter discreto de seus trabalhos, abusaram do aço e vidro, mas imprimiram leveza e transparência aos espaços a eles destinados. O resultado revela a qualidade dos projetos e apuro nas construções.
A intervenção nada ostensiva no Reichstag por Norman Foster, sem dúvida, a mais impactante, tanto pela cúpula de vidro, como pelos brises que a ladeiam, equacionados para garantir a aeração do espaço, proporcionando visão total da área central da cidade. Do antigo parlamento (1884/89) seriamente danificado durante a II Guerra, foram mantidas as fachadas originais.
Os ministérios e outros departamentos do estado (Bundestag), com projeto de Stephan Braunfels, situam-se ao lado do Reichstag; nessa área encontra-se também a Chacelaria Federal, projetada por Axel Schultes e Charlotte Frank.
Luzes e brilhos marcam o Sony Center, na nova Potsdamer. Projetado por Helmutt Jahn, a impressionante cobertura de cristal, como um toldo, abriga cinemas, restaurantes, bares, sorveterias e, entre as atrações, circundam a praça, novos e transparentes edifícios de escritórios.
Nesse trajeto a pé a partir da Alexander Platz, a Porta de Brandenburg, que recebeu iluminação por ocasião da passagem do milênio e delimitava as duas Berlim, encontra-se o Memorial Judaico, idealizado por Peter Eisenman e inaugurado em 2005.
Como uma praça, mais de 2.700 blocos de concreto que lembram lápides, em tamanhos e ângulos diferentes, faz uma homenagem silenciosa, discreta, e. portanto, comovente às vitimas do nazismo. Construído sobre o bunker subterrâneo de Hitler, fica defronte ao edifício, hoje pintado de amarelo, do arquiteto Speers.
A nova Berlim merece uma visita mais demorada (foram somente cinco dias). Para se apreciar com vagar a Ilha dos Museus, também restaurada, onde se encontram os magníficos Museu Pergamon, e o Neues Museum, cuja maior atração é a estátua original de Nefertiti.
E para passear tranquilamente nos bosques do Tiergaten, pelos canteiros de papoulas ou nos barcos que navegam tranquilamente pelos canais do rio Spree. E ainda, subir na Torre de Televisão, situada no coração da AlexanderPlatz, ponto mais alto de Berlin; tomar um café no histórico Hotel Adlon, na também renovada Parise Platz ou experimentar alguma especialidade alemã no andar de degustação da famosa galeria KuDeWe
E não se assustem, Berlim não é mais cara que São Paulo!
sobre o autor
Haifa Yazigi Sabbag é jornalista formada pela ECA/USP, ex-editora da revista AU - Arquitetura e Urbanismo e da seção AC – Arquitetura e Crítica, do Portal Vitruvius. Autora de “JKMF - Julio Kassoy e Mario Franco”, e “Rocco Associados - Residências Unifamiliares”, ambas da editora C4