Como um historiador voltou-se para guias turísticos?
Eu sempre gostei muito de passear e andar pela cidade, especialmente pelo centro, mas também por bairros mais antigos, imaginando localizar as referências dos 450 anos de história de São Paulo – vestígios da topografia, como no Pátio do Colégio, alguns traçados urbanos coloniais ou nomes e apelidos antigos e novos dos lugares. Caminhar pela arqueologia dos pequenos vestígios desta história constitui um prazer de exploração sem limites. Acho, por exemplo, que o percurso entre o Largo do Arouche até a Praça da Sé é um dos passeios e programas mais interessantes e emocionantes que se pode fazer. A diversidade humana e urbana que se encontra no caminho, a dinâmica da cidade, os usos do espaço público, a justaposição de diferentes períodos históricos, as paisagens de cima do Viaduto do Chá, a beleza e também a feiúra dos prédios, enfim... A cidade é um território infinito de invenções humanas, as piores e as melhores, por isso estamos sempre diante de impasses dramáticos. Mas nada disso se dá de cara ao visitante, daí a decepção na maioria dos casos e a comparação sempre desvantajosa com outros centros históricos bem conservados no mundo.
Como surgiu a idéia do guias turísticos a pé?
O turismo está associado em geral – e basta abrir os suplementos e revistas de turismo – a viajar para lugares exóticos e distantes ou viver aventuras distantes. E apesar do intenso fluxo de turismo em São Paulo, nossa cidade não é vista como um lugar para passear, para além das atrações de gastronomia, compras, shows, etc. Os próprios paulistanos passeiam pouco pela cidade. Assim, a coleção surgiu da idéia de pesquisar e editar um guia que apresentasse uma face menos visitada da cidade aos seus próprios moradores e turistas: a cidade cotidiana, suas camadas de história e principalmente uma metrópole para passear pelos espaços públicos, recuperando o prazer de andar, observar as paisagens e os detalhes, olhando de outra forma mesmo os lugares mais conhecidos do dia a dia. São Paulo tem excelentes guias de hotéis e de gastronomia, oferece ótimos roteiros de teatro, shows, compras, shopping-centers e assim por diante. Nós (com a Mônica Musatti Cytrynowicz, co-editora) quisemos editar guias para andar a pé, um outro compromisso de tempo e espaço e outra forma de estar na cidade.
Como foram escolhidos os autores dos roteiros?
Procuramos pessoas com quem compartilhávamos estas idéias e/ou que tivessem o conhecimento de uma região ou bairro específico da cidade e embarcassem nesta idéia de viajar pelo próprio quarteirão. Os passeios partem de uma base de pesquisa sólida. É preciso conhecer o território para propor esta forma de passear. A edição do guia respeitou sempre as diferentes modalidades de informação e diversidades de olhar de cada autor, desde um mais focado na arquitetura até outro mais ligado a um olhar literário, mas todos funcionando efetivamente como roteiros. Não foi simples compor o grupo de autores, muitos pesquisadores conhecem profundamente aspectos da cidade, mas não embarcaram na proposta do passeio.
Demora muito para fazer guias?
O prazo de um ano é razoável, entre a proposta e a edição final. Os cinco guias que editamos tiveram a parceria do PAC da Secretaria de Estado da Cultura.
Na verdade foi um prêmio concedido a dez projetos editoriais sobre a cultura da cidade, e que viabilizou economicamente o projeto, já que ele envolveu a pesquisa, redação, edição, impressão, fotografias, mapas e ilustrações de 50 roteiros. Além do guia de São Paulo, fizemos guias de Itu e região e de Santos e litoral, e dois guias para crianças.
Como foi a divulgação e a repercussão na imprensa?
A recepção dos guias foi a melhor possível, na imprensa e também dos leitores e livrarias. Até o Ignácio de Loyola Brandão fez uma crônica para o Estadão, republicada no Vitruvius! Superou qualquer expectativa que tínhamos. Existe uma razoável parcela de pessoas que acredita que reconquistar o espaço público é condição básica para uma cidade melhor e é claro que a ação do Estado é decisiva. Sou favorável a aumentar o número de parques e praças, fechar o máximo de avenidas e ruas ao trânsito de automóveis nos fins de semana, construir ciclovias, investir em calçadas e assim por diante. Aliás, por que a cidade não tem um plano de calçadas maiores e melhores?
Como nasceram os guias para crianças?
Os guias para crianças, dez passeios em São Paulo e dez passeios no interior e litoral, são pensados para adultos realizarem junto com as crianças. A idéia é a mesma, propondo às crianças um olhar lúdico sobre questões da história e da cidade, pensando que história, cidadania e passear pela cidade podem caminhar juntos. Os dois guias de crianças foram realizados por uma pequena equipe, na qual o trabalho da socióloga Iara Rolnik foi bem importante.
Como você organiza suas viagens, usando guias?
Costumo ler vários guias, incluindo os mais convencionais. Gosto de ter muita informação e opções pré-definidas, mas aprecio deixar amplo espaço para passear sem rumo e me perder. Temos uma inexplicável falta de guias no país, incluindo lugares tão aparentemente óbvios como Rio de Janeiro, Brasília e Ouro Preto. Em Ouro Preto, uso o guia do poeta Manuel Bandeira, editado nos anos 40 e com propostas de passeios a pé.
Quais os próximos guias?
Antes de tudo, os projetos de guias nascem do prazer de passear e pensar em novos temas. Eu gostaria de fazer cada vez mais guias sobre São Paulo, retornar aos mesmos lugares e propor novos recortes e conhecer outros bairros. Concretamente, estamos preparando um guia de passeios históricos a pé em São Paulo em inglês, para turistas estrangeiros, e uma guia de cemitérios e lugares da morte na cidade, este com a Editora Carbono 14 e co-editado pela historiadora Paula Janovitch. É impressionante como se pode conhecer a história de São Paulo, em todos os sentidos, a partir da visita aos cemitérios e lugares de morte na cidade.
Há outros planos correlatos?
Sim. Em parceria com o Arqbacana, do arquiteto Marcio Mazza, que já realiza diversos passeios em São Paulo, estamos começando a oferecer passeios guiados pela cidade, a começar pelos roteiros de Dez roteiros históricos a pé em São Paulo.
Quais foram suas viagens mais inusitadas?
Para citar uma, escolho Montevidéu. Foi uma viagem interessantíssima, uma volta aos anos 1950, preservados em todos os seus códigos e imagens e uma capital para andar a pé para todos os cantos. Vou citar também, no espírito dos guias, três lugares próximos a São Paulo. Primeiro, Paranapiacaba e Fazenda Ipanema (em Iperó, próximo a Sorocaba) são fascinantes e imperdíveis. Ainda me lembro da sensação de espanto ao visitá-las pela primeira vez e também da sensação de “descoberta”. Outra cidade à qual é sempre bom voltar é Santos. Já em São Paulo, a última “viagem” interessante, num domingo de manhã, foi à Penha, parece uma pequena cidade do interior, de passado colonial, com uma urbanização anterior à metrópole, ruas pouco alinhadas, barrancos em desnível e assim por diante, incluindo a visita a duas belas igrejas. São Paulo é cheia destas possibilidades, é só aventurar-se por ela.
sobre o entrevistado
Roney Cytrynowicz é historiador e diretor da Narrativa Um – Projetos e Pesquisas de História. Entre seus livros publicados estão "Guerra sem guerra. A mobilização e o cotidiano em São Paulo durante a Segunda Guerra Mundial" (Edusp) e o infanto-juvenil "Quando vovó perdeu a memória" (Edições SM)