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architectourism ISSN 1982-9930

Igreja Jesuítica do Embu. Foto Victor Hugo Mori

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No turismo massificado dos dias de hoje, os turistas só verão os prédios e monumentos famosos quando retornarem as suas casas. O prazer sublime frente à paisagem desconhecida, cerne original do turismo, agora é apenas atendido de forma residual


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GUERRA, Abilio; GUERRA, Helena. London Eye. Arquiteturismo, São Paulo, ano 05, n. 055.01, Vitruvius, set. 2011 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquiteturismo/05.055/4046>.


“Quando nos perdemos na contemplação da grandeza infinita do mundo no espaço e no tempo, refletindo sobre os milênios passados e futuros – ou também quando à noite o céu traz realmente a nossos olhos mundos sem número, agindo assim sobre a consciência a incomensurabilidade do mundo –, nos sentimos reduzidos à insignificância, sentimo-nos como indivíduo, como corpo animado, como fenômeno transitório da vontade, como gota no oceano, sumindo e se perdendo no nada”
O mundo como vontade e representação, Arthur Schopenhauer

Em 1336, o poeta Francesco Petrarca escalou o Monte Ventoux, na Provence francesa. Junto com seu irmão mais novo, ele enfrentou uma escalada de quase 2.000 metros de altitude e ventos gelados de até 300 km². Quando estavam subindo, um pastor tentou dissuadi-los, pois enfrentariam em vão “pedras e espinhos”, não alcançando nada que os compensasse. O que seus olhos descortinaram lá do topo se tornou maravilhoso graças a sua percepção de poeta. Estava assim instaurada na cultura ocidental a contemplação da paisagem em benefício do espírito (1).

Em 1819, Arthur Schopenhauer publicou suas reflexões sobre a arte, definindo o sublime como o sentimento de beleza maior, a experiência estética mais radical. Ele a compara à experiência do indivíduo diante da imensidão da natureza, em especial quando está diante de forças cósmicas incontroláveis. Segundo o filósofo alemão, o indivíduo pressente que é “passível de destruição pelo mais débil daqueles golpes, impotente frente à poderosa natureza, dependente, abandonado ao acaso, um nada incomensuravelmente pequeno, frente a poderes colossais” (2). Mas também, ele é capaz de conjurar estas forças superiores através de uma sensação de pertencimento ao todo, de sensação de imanência, onde o medo de aniquilamento se esvai. Nesta contradição de sentimentos é que reside o sublime!

Durante os séculos que separam Petrarca e Schopenhauer se constituiu a mentalidade moderna, que ao mesmo tempo em que hegemonicamente trata o mundo como o prosaico depósito de materiais e energia para o consumo civilizacional, considera este mesmo mundo, contraditória e subsidiariamente, com espanto e surpresa. O olhar, janela da alma, é o sentido humano que permite esta sensação extremamente prazerosa diante de forças superiores. Sublimada em arte, esta mesma experiência é democraticamente dividida entre os homens, a cada por de sol, a cada tempestade. Conhecer paisagens desconhecidas e exóticas é a origem do turismo moderno, filho bastardo do colonialismo.

As últimas décadas vivenciaram uma grande transformação deste fenômeno, que vai da consolidação do turismo como setor econômico poderoso do terciário à exploração cada vez maior dos prazeres intelectual e sensual graças à presença hegemônica da cultura – museus, centros culturais, bibliotecas, galerias, monumentos urbanos etc. – e do lazer – cassinos, shoppings centers, centros comerciais, resorts com campos de golfe... O anterior cerne do turismo – o prazer sublime frente à paisagem desconhecida – agora é residualmente atendido na forma do turismo de natureza (3), mas quase sempre conspurcado pelo frisson de esportes radicais.

Assim, o binômio “olhar a natureza” e “sentimento de sublime” vem se deteriorado de forma galopante no mundo contemporâneo. O mais recente episódio desta história do empobrecimento do olhar é a popularização da tecnologia digital, que tem transformado a experiência turística de conhecer o desconhecido no ato redutor de registrar em fotos e vídeos as paisagens urbana e natural. Cada vez mais o registro digital é a maior fonte de prazer (4), com os turistas revivendo posteriormente os bons momentos da viagem sentados nos sofás das salas de suas residências, abastecidos com potes de pipoca e latas de cerveja – vinho e queijo para os lares mais sofisticados –, sem os desgastes da viagem verdadeira, esquecidos dos atrasos de aviões e trens, livres dos sobressaltos diante de riscos reais ou imaginários, protegidos dos medos dos assaltos, assimiladas as raivas sentidas pelas malas extraviadas...

E podemos imaginar uma evolução natural como capítulo final deste breve texto. Em futuro próximo será possível contratar em agências de turismo pacotes mais sofisticados, com viagens maravilhosas feitas por outras pessoas, que farão exatamente os percursos e visitas que gostaríamos de fazer, e nos trarão fotos e vídeos magníficos, muito melhores do que estamos instrumentados a realizar. Um turismo sem viagem, de experiências do olhar mediado pela tecnologia (5).

notas

1
Ver BARTALINI , Vladimir. Petrarca é o culpado. Arquiteturismo, São Paulo, n. 01.010, Vitruvius, dez. 2007 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquiteturismo/01.010/1386>.

2
SCHOPENHAUER, Arthur (1819). O mundo como vontade e representação. Coleção Os pensadores. São Paulo, Abril Cultural, 1974, p. 39.

3
O paisagista José Tabacow é um exemplo da sobrevivência do turista interessado nas paisagens sublimes. Ver GUERRA, Abilio. José Tabacow. Entrevista, São Paulo, n. 07.028, Vitruvius, out. 2006 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/entrevista/07.028/3299>.

4
O filme London Eye, de Helena Guerra, que apresenta cenas de turistas fotografando a cidade de Londres, está participando do Festival do Minuto e está disponível no link www.minutefestival.com//faap/index.php?page=videos&section=view&vid_id=24544

5
Este futuro prosaico que imaginei é uma versão empobrecida da história presente no filme O Vingador do Futuro (“Total Recall”, 1990), onde o personagem Douglas Quaid (Arnold Schwarzenegger) compra um pacote de férias para Marte que se resume a um implante de memória. É como se faz turismo neste filme muito interessante dirigido por Paul Verhoeven.

sobre os autores

Helena Guerra é estudante de cinema na FAAP.

Abilio Guerra é arquiteto, professor da FAU Mackenzie e editor do portal Vitruvius e da Romano Guerra Editora.

Fotograma do vídeo "London Eye", direção de Helena Guerra


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