Há poucos anos atrás, era raro encontrar alguém que tivesse escutado falar a respeito da cidade de Dubai. Distante culturalmente e fisicamente de nós sul-americanos, ao longo da última década ela veio desenvolvendo uma imagem relacionada à modernidade, ao absurdo e ao exagero: Hotéis luxuosos, ilhas artificiais, shoppings gigantescos e edificações de grande porte. A cidade que constrói o impossível realiza o inimaginável, e que gradativamente se transforma em potencial pólo turístico, chamando a atenção do mundo, e atraindo turistas dos cinco continentes.
Particularmente acredito que o caso de Dubai interessa a arquitetos e urbanistas. Não como exemplo a ser seguido ou inspirado, mas sim como objeto de análise e reflexão da maneira que construímos e pensamos a cidade. Trata-se de um caso completamente singular, uma cidade que vem sendo erguida com generosos recursos, oriundos basicamente de um único meio e edificada ao sabor das vontades de uma única família, gerando resultados físicos interessantes para debates acadêmicos.
Um relato urbano-arquitetônico
A Dubai turística foi feita para ser vista, e isso está claro em todos os setores que compõe a cidade. Talvez a única exceção seja a região nas proximidades do Dubai Creek, o centro da área urbanizada, que abriga (além da área portuária), ruelas estreitas e pequenas edificações, com lojas no térreo e apartamentos modestos nos andares superiores. Apesar de ter recebido nos últimos anos intervenções oriundas do governo, que padronizou o calçamento e influenciou a construção de torres nas margens do Creek, pode-se observar a precariedade das construções e da malha urbana em geral. Uma amostra, (maquiada, diga-se de passagem) do que foi uma cidadezinha desconhecida e pobre do Oriente Médio.
Afastando-se do Creek, surge a Dubai dos guias turísticos, com construções espelhadas (caso de edifícios comerciais) ou vilas residenciais, implantadas isoladas no terreno. Os edifícios são recentes, tendo todos menos de dez anos, sendo uma expressiva quantidade concluída há menos de dois. É nítido que se investiu pesado na área, fazendo todo tipo de infraestrutura urbana necessária, instalando canteiros centrais, pontos de ônibus e passeios. Nessa área concentra-se grande parte dos edifícios internacionalmente conhecidos da cidade, como o Burj Al Arab (hotel seis estrelas), Burj Khalifa (edifício mais alto do mundo) e as Ilhas Palm. Empreendimentos luxuosos, construídos com materiais nobres e com direito a todo tipo de exagero construtivo.
Desejando preencher a malha urbana com mais construções impactantes, o governo contratou arquitetos mundialmente famosos como Rem Koolhaas e Zaha Hadid para realizaram estudos para a cidade, que ainda não foram finalizados ou esperam o início das obras. Enquanto isso, o Skyline de Dubai é dominado por edificações de grande porte (certamente inspirados na má arquitetura norte americana) e pequenas construções, cópias perversas da arquitetura local. Contrariando o que muitos pensam, a cidade possui poucos edifícios arquitetonicamente interessantes, onde o edifício busca estar de acordo com as necessidades climáticas e sociais da região. Os bons exemplos são raros, sempre em escala reduzida, tendo sido construídos por pequenos escritórios de jovens profissionais da área.
Nas novas áreas urbanas são freqüentes os edifícios desocupados. Estes foram finalizados, porém aguardam locatários, indicando que, apesar do governo local ter convencido diversas empresas multinacionais a se instalar na cidade, o volume da procura é menor que o da demanda. Curiosamente, apesar da baixa necessidade de novas construções, a cidade não para de produzir novas torres, que fazem da cidade um gigantesco canteiro de obras. Assim como um complexo de parque temático, grande parte do que é edificado na cidade aparenta ser feito principalmente para ser apreciado por visitantes, esquecendo-se muitas vezes da função que o objeto edificado deveria cumprir. A região da marina, com bulevares elegantes e restaurantes finos está sempre praticamente vazia. Os prédios residenciais ao redor foram vendidos a investidores e turistas europeus, permanecendo desocupados na maioria do ano.
São imponentes, altos e revestidos com materiais de alto impacto visual, porém parece que faltaram estudos aprofundados a respeito do uso futuro do local.
A região central, com características da cidade tradicional (edifícios justapostos, sem recuos laterais ou frontais) foi edificada quando Dubai era apenas uma cidade pequena e desimportante. A Dubai rica, da era do petróleo, construiu uma cidade moderna, com amplos lotes e prédios recuados nas quatro faces, que fez com que a cidade se espraiasse excessivamente. Se considerarmos ainda a vontade política de edificar na região um pólo turístico e ainda investidores de diferentes países querendo atuar na cidade, observamos um resultado catastrófico: Uma cidade extensa, com empreendimentos finalizados, vazios e pontuais, cercados por áreas desocupadas.
Aliás, os vazios, sempre presentes na área nova de Dubai, com implantação moderna, são assustadores: A impressão é de uma cidade que jamais pensou em elaborar planos urbanos, que, assim como várias cidades brasileiras, vai expandindo exageradamente a malha urbana, deixando potenciais terrenos em áreas mais urbanizadas desocupados, provavelmente por um grande período de tempo. Intervenções urbanas mal sucedidas também são freqüentes. A construção de uma via elevada muito próxima de edifícios da Sheikh Zayed Road (via expressa que corta a cidade) para a nova linha de metrô aéreo, já apresenta resultados negativos, como a desvalorização dos imóveis e dos terrenos nas proximidades da linha.
Diferentemente da nossa realidade, existe forte preocupação local com a manutenção e a qualidade das áreas de circulação urbanas. Mesmo em locais pouco visitados, ou até mesmo locais sem edificações, existem sempre calçadas padronizadas e limpas, devidamente niveladas e com manutenção adequada. Os canteiros centrais das avenidas permanecem com projeto paisagístico impecavelmente bem cuidados, e as vias urbanas estão sempre iluminadas adequadamente.
Já as áreas mais distantes dos pontos turísticos são, como em qualquer cidade do mundo, desprovidas da infra-estrutura e da organização espacial que compõe o resto da cidade. O bairro de Al Karama, reduto de trabalhadores Indianos e Filipinos não passa de uma aglomeração de conjuntos habitacionais precários, onde as fachadas dos volumes edificados são marcadas por intervenções dos moradores: Antenas de televisão, instalações elétricas, varais e um volume inimaginável de aparelhos de ar condicionado. As ruas, de calçadas estreitas e desconfortáveis estão frequentemente sujas e precariamente mantidas. Os conjuntos, como praticamente toda edificação urbana, pertence ao governo local. Como apenas um volume seleto e diferenciado de árabes consegue visto permanente no país, os imigrantes não árabes, que normalmente imigram temporariamente de sua terra natal para trabalhar na construção civil, são obrigados a alugar esses apartamentos durante sua permanência no país, que normalmente gira em torno de cinco anos.
Edificar, no meio do deserto, a temperaturas exorbitantes, uma cidade, certamente não é tarefa fácil. Mais difícil ainda é fazê-la funcionar adequadamente nessas condições climáticas, no sentido de planejar espaços públicos de convívio coletivo, vias onde exista grande volume de pedestres, criar uma cidade transitável a pé, onde as distâncias possam ser percorridas dispensando o uso do automóvel. A verdade é que esses conceitos são praticamente impensáveis em uma cidade que convive diariamente com temperaturas desconfortáveis ao homem. O espaço aberto, livre, a praça, até existe em determinados locais de Dubai. Mas são espaços mortos, inutilizados pelos moradores, que se aglomeram em grandes áreas climatizadas, como shoppings centers. A implantação moderna parece ter sido aceita como solução, onde os deslocamentos feitos com automóveis substituem o desconforto térmico de uma cidade no meio do deserto.
Trata-se indiscutivelmente de uma cidade recente, que, diferentemente de outras cidades ao redor do globo, possui altos montantes em caixa para investimentos urbanos. Espera-se que Dubai continue seu processo de crescimento e desenvolvimento iniciado nos anos 2000, investindo na construção de novos edifícios, e também em intervenções urbanas, fundamentais para a estabilização e constituição adequada da cidade.
sobre o autorLuiz Gustavo Sobral Fernandes é estudante de Arquitetura e Urbanismo da FAU-Mackenzie e estagiou em Dubai no escritório de Adnan Saffarini.