Mas depois ele voltou para o seu trabalho como se nada tivesse acontecido. Esta é uma observação que nos é familiar de uma vasta quantidade de velhas histórias apesar de talvez não ocorrer em nenhuma.
Kafka Franz (1)
1. Eleger os cadernos e os instrumentos de desenho com o acerto do operário que escolhe as suas ferramentas.
2. Desenhar sempre por necessidade, vício ou prazer, nunca por obrigação. A obrigação pode cegar.
3. As viagens podem ser planificadas, os desenhos de viagem não. Desenhar transforma as viagens em deambulações.
4. Escolher cada ponto de vista como uma sentinela escolhe o seu posto, para que os desenhos transformem aquilo que nos atrai naquilo que devemos ver.
5. Desenhar as coisas como se de as salvar se tratasse.
6. Observar como quem recorda e representar como quem inventa, para que o desenho consagre o estranho como reconhecível e nos devolva o familiar como surpresa.
7. Reagir às coisas desenhando, para nos construirmos.
8. Observar pacientemente para que o que registramos possa surgir mais tarde sob formas imponderáveis. Os cadernos de viagem são a bagagem que arrumamos hoje para vir desarrumar o futuro.
9. Os desenhos de viagem são os bilhetes-postais da nossa atenção. O que trazemos de cada viagem são menos os desenhos que fomos fazendo e mais aquilo que em nós ficou gravado por tê-los desenhado.
10. Desenhar de memória para que o fascínio se desdobre em crítica e o sobressalto em apropriação.
11. “Estar só para na sua obra estar todo, mais junto e pronto, e não ter o pensamento derramado nos olhos dos muitos que o estão olhando e para estar consigo mais recolhido e solitário” (2).
12. “Não tentar cumprir todos estes princípios, por recear não cumprir nenhum” (3).
notas
1
FRANZ, Kafka. Considerações sobre o pecado, o sofrimento, a esperança e o verdadeiro caminho, Lisboa, Hiena Editora, 1992.
2
HOLANDA, Francisco de, Do tirar polo natural. Lisboa, Livros Horizonte, 1984 [3 de Janeiro de 1549].
3
SWIFT, Jonathan. When I come to be old in The Prose Works of Jonathan Swift, D.D. . London : George Bell and Sons, 1897 (1699), vol. I, xcii (traduzido do original).
sobre o autor
José Neves é arquiteto.