No começo de julho aconteceu em Paris o 4th International Congress on Construction History. Durante cinco dias, entre 3 e 7 de julho, cerca de 250 comunicações foram realizadas. Uma diversidade de sotaques inundou as salas das escolas de arquitetura Paris-Malaquais, La Villette e Versailles. Um microcosmo cosmopolita que refletia a própria Paris. Entre as comunicações apresentadas, seis eram do Brasil, espelhando a qualidade de nossas pesquisas. Não posso deixar de citar a presença da querida professora Margareth, integrante da comissão científica, que conciliou seu tempo para também nos prestigiar. Prescindível comentar a importância das reuniões científicas que proporcionam o intercâmbio necessário ao aperfeiçoamento das pesquisas acadêmicas. Impossível relatar, ainda que sinteticamente, o conteúdo dos trabalhos e palestras. Os anais impressos conformando três volumes nos foram entregues já no cadastramento de chegada e são testemunhos da magnitude do evento.
Confesso que por mais que os trabalhos despertem interesse é para mim impossível acompanhar às muitas sessões sem pausas desconectadas dos temas em pauta. Pequenos hiatos são muito bem-vindos. Resolvi intercalar, entre uma sessão e outra, ligeiros passeios pelas redondezas do 6ème Arrondissement, Saint-Germain-de-Prés. Vamos então, aos hiatos.
Qualquer passeio pelas redondezas da escola de Belas Artes é gratificante, segui despreocupadamente pelo Boulevard Saint Germain e descobri uma entrada que conduzia ao pequeno museu, Musée des lettres et manuscrits. A surpresa agradável foi estendida pela visita à exposição gratuita Sur la route de Jack Kerouac: L'épopée, de l'écrit à l'écran. Em uma sala de dimensões reduzidas estava disposto numa vitrine de 9 metros o rolo de papel telex, versão original do mítico romance On the road, escrito em 1951 e publicado em 1957 por Jack Kerouac. A pequena mostra contava com imagens e informações sobre o best-seller inspirador da geração beat e sobre o filme, Na estrada, dirigido por Walter Salles cotejando paisagens, personagens e depoimentos. No piso, uma pintura simulava a sinalização da estrada. – simpática idéia. Apreciei, sobretudo, o reconhecimento de mais um belo trabalho do cineasta brasileiro, cujo filme, ainda não vi. O bom de visitar exposições é que elas nos motivam, despertando o interesse por novos temas. Essa abriu meu apetite para a leitura do clássico, que conta as histórias de viagem de Sal Paradise, um escritor nova-iorquino, que cai na estrada para o reencontro com o mundo.
De volta à rua e ao meu caminho, continuei meu percurso e poucos metros adiante, do outro lado do boulevard, deparei-me com a exposição também gratuita, situada na Maison de l’Amerique Latine, da obra de Maria Bonomi. Trabalho que me impressiona pela fusão de vigor e delicadeza. Fantástico! Nada a acrescer.
No dia seguinte, nova pausa entre as sessões do congresso, aliás, algumas são tediosas, mesmo quando o tema é instigante. Não pretendo discutir a estrutura dos eventos acadêmicos. Durante o horário do almoço fui até o Jardin du Luxembourg. O colorido e o perfume das flores são um verdadeiro refresco pr’alma. Os canteiros são meticulosamente organizados, afinal é um jardim francês. Lembrei-me que no verão do ano anterior, o perfume de petúnias era mais intenso e o colorido dos canteiros mais variado, mesclando tons de azul, amarelo e laranja em combinações que se repetiam seqüencialmente. Imagino que o planejamento dos parques de Paris deva ser diverso a cada ano, uma vez mais perfumado, outra, mais colorido. Uma surpresa por ano.
Comparei, por instantes, com nossas praças e pequenos jardins. Temos uma escola de paisagismo mundialmente reconhecida e que nos orgulha, e cuja base é a obra de Burle Marx. No entanto, muitas das praças de nossas cidades oferecem um paisagismo sofrível que por incapacidade das administrações municipais é patrocinado pelo setor privado, como se a verba pública fosse escassa até para as pequenas questões.
Mas, ainda em Paris, com o colorido das flores em mente, saí do parque. Parada no sinal de pedestres vi defronte um posto policial, em cuja parede podia se ler: proibido colar cartazes, lei de 29 julho de 1881. Civilidade, tão simples. Voltei ao congresso pensando que o artigo que iria apresentar versava curiosamente sobre o primeiro código de construções de Campinas, de 1934. Outros códigos se seguiram, mas até hoje, não conseguimos tornar nossas cidades agradáveis, apesar de boas tentativas implementadas ao longo dos anos.
E pra fechar esse passeio com chave de ouro saboreei um delicioso milfolhas de mil calorias.
Ainda queria comentar que a possibilidade de realizar esses suspiros no mundo exterior, entre mergulhos acadêmicos, é facilitada pela inserção da escola no tecido urbano. A vida real das ruas e praças permeia entre salas de aulas e corredores. Constatação que só aumenta meu pesar pela transferência da faculdade de direito da Puc de Campinas, do casarão do Barão de Itapura, situado no centro da cidade, para o campus. O antigo casarão, lócus da gênese da fundação da instituição, será transformado em museu. Do que?...
A dupla – patrimônio arquitetônico e museu – parece ser, no Brasil, um único e perfeito casamento apropriado à preservação cultural. Falsa idéia. Espero que o prédio da Puc Central, como é conhecido, não se transforme num grande túmulo vazio no coração da cidade.
Enfim, o resumo do congresso: muitas sessões, trabalhos interessantes, novos contatos e, os hiatos - prazerosas pausas em Paris.
PS: A organização do congresso foi irrepreensível, preparou inclusive uma série de passeios temáticos: a visita ao acervo do Musée des Arts et Métiers de Paris, um verdadeiro mergulho nas entranhas de engenhos e máquinas, quase como numa fábula, e ainda uma seleção de catorze opções de visitação. Difícil foi escolher.
Locais: École nationale supérieure d’architecture Paris-Malaquais, La Villette e Versailles, Beaux-arts de Paris, Musée des lettres et manuscrits, Jardin du Luxembourg, Maison de l’Amerique Latine, Musée des Arts et Métiers.
sobre a autora
Silvia Palazzi Zakia é arquiteta pela PUC-Campinas e doutora pela FAU-USP.