Não é preciso muito para se fazer uma sala de cinema: um projetor e um pano branco. Pode ser um pouco estranho pensar em algo diferente das grandes salas em estilo italiano que vemos nos shoppings centers, onde duas centenas de pessoas se juntam para assistir às grandes estrelas, mas o cinema não se resume a isso; o ambiente em que o espectador se vê inserido tem muito a acrescentar à experiência cinematográfica. Uma gigantesca sala em IMAX pode ser muito boa quando se assiste a um “Avatar”, mas não seria minha primeira escolha para projetar um documentário sobre Christian de Portzamparc. Provavelmente nem mesmo a segunda ou a quinta.
A poucas horas de São Paulo, no dia 15 de novembro de 2012 teve lugar a abertura do Move Cine Arte, o Festival Internacional de Monte Verde (1). A proposta do festival, que mobiliza a pequena cidade mineira, é a mostra de filmes que tematizam as outras artes que não o cinema. Seja teatro, arquitetura, música ou as artes plásticas, ao se transferir uma linguagem estética para a outra – no caso o cinema – é inevitável que se reflita sobre a essência de ambas. Há uma troca de técnicas e formas de expressão. Essa reflexão, sob a curadoria de André Costa, é realizada de forma muito interessante.
Alguns sofás grandes e confortáveis, mesas de madeira e um projetor de alta qualidade compõem cada uma das salas de cinema do festival; um ambiente aconchegante predomina nas sessões e entre elas, as luzes amareladas quase nos fazendo acreditar que estamos em nossa própria sala de estar – ou no que seria a sala de estar dos nossos sonhos, com uma tela de cinema, uma lareira e, não menos importante, um barzinho e boa companhia. Os horários das seções são singelamente descritos como “à tardinha” e “de noitão”, com filmes apresentados de hora em hora, divididos entre três salas principais de apresentação. Após a sessão, um bate papo com o diretor do filme, lubrificado com uma taça de vinho. O filme da tarde, “Testemunha 4”, é um recorte inteligente de uma peça de teatro que mostra depoimentos sobre o holocausto.
Teaser de My Playground, de Kaspar Astrup Schröder. Dinamarca, documentário, 2010, 50'
O mais interessante, no entanto – até mais do que a taça de vinho – é a forma como a somatória da proposta curatorial, de estudo estético, com o ambiente aconchegante nos permite assistir aos filmes de forma íntima, palpável; vemos à nossa frente não apenas uma obra cinematográfica, mas um estudo estético inserido em sua mise en scene comunal, que encoraja a troca de impressões.
À noite, no evento de abertura oficial, uma surpresa agradável: mais de uma centena de pessoas extras, ou seja, que não apareceram nos eventos da tarde, encheram a grande sala preparada para a ocasião, incluindo um animado público local. Para fazer as honras em uma cidade pequena demais para ter sua própria sala fixa de cinema, foram expostos dois excelentes filmes urbanos; um curta-metragem de animação em que se utiliza a técnica de light painting para narrar a jornada de um pichador pela noite de São Paulo e um média metragem documental sobre parkour, um esporte urbano moderno, que trás uma inovadora visão quanto ao modo de se conceber as relações de utilidade e locomoção na grande cidade.
Uma “busca vida” – pinga com mel – e um chope são suficientes para, depois de um longo dia, se deitar na cama ansiando pelo próximo. Olha, para um festival de primeira viagem, está surpreendente...
notas
NE
Caio Guerra e Helena Guerra estiveram em Monte Verde como convidados do Move Cine Arte e ficaram hospedados no Green Village Hotel.
1
Move Cine Arte – Festival Internacional de Monte Verde. Curadoria de Andre Fratti Costa. Direção de Tassia Quirino. Monte Verde, 15 a 18 de novembro de 2012 <www.facebook.com/MoveCineArte>.
sobre os autores
Caio Guerra, autor do texto, é estudante de cinema na FAAP e roteirista (com Helena Guerra) do filme Amor de Thanatos (2011, menção honrosa no Festival de Buenos Aires).
Helena Guerra, autora das fotos, é cineasta e diretora dos curtametragens Minduim (2010, prêmio de melhor ficção do Festival de Curtas da PUC-Rio) e Amor de Thanatos (2011, menção honrosa no Festival de Buenos Aires).