O workshop Walking Mattatoio realizou-se na Faculdade de Arquitetura de Universidade degli studi Roma 3, entre 17 e 20 de setembro de 2013, como atividade de extensão do Laboratório Arti Civici – LAC, junto com o professor Francesco Careri, diretor do laboratório. O LAC é um laboratório de extensão e pós-graduação filiado à Faculdade de Arquitetura de Roma 3 que tem como objetivo estudar, em conjunto com grupos sociais e comunidades locais, uma visão coletiva e compartilhada do espaço urbano – este é o significado de “Arte Civica”. A atividade do workshop faz parte da minha pesquisa de doutorado – Contramapas de inclusão social, hospitalidade e acolhimento – que desenvolvo no Propar UFRGS junto com o meu orientador, professor Fernando Fuão (1).
Além de sua sede no bairro de Monti, a Faculdade de Arquitetura ocupa com seus ateliês alguns dos prédios do antigo Mattatoio de Testaccio, no bairro Pirâmide, em Roma.
O objetivo deste workshop no Mattatoio foi apropriação espacial dos locais abandonados e sem uso oficial do complexo através da deriva, método utilizado em meu workshop e pelo LAC, para o mapeamento dos níveis e formas de acolhimento do local através de cartografias influenciais que formarão os Contramapas de hospitalidade e acolhimento do Mattatoio.
Os Contramapas se propõem a rever as fronteiras entre a utopia e a mudança. Estudo que envolve uma tradução do concreto ao abstrato e novamente ao concreto, ao buscar pontos de encontro ou terrenos comuns entre diferentes linguagens e realidades espaciais e culturais e sociais. Os Contramapas nos colocam diante de questões como pensar o direito universal à expansão do sujeito, à expansão da vida em comunidade, à expansão da esperança.
Contramapas criados no workshop já estão sendo utilizados neste momento no exercício de projeto proposto aos alunos do LAC: adequação, revitalização e restauração dos espaços e arquiteturas não oficialmente ocupados ou abandonados na área do Mattatoio.
A primeira atividade foi a minha reinterpretação da atividade Caminhando de Ligia Clark com a finalidade de inserir os participantes no processo criativo das próximas etapas. Esta atividade foca na descoberta e preservação da identidade pessoal e autoestima através do resgate de experiências da vida, onde os participantes revivem as suas experiências de forma alegre e projetam o futuro de suas vidas.
A segunda parte da oficina chama-se Contramapas de Caminhando. Contraponto da cartografia interior da primeira parte as cartografias influenciais do Mattatoio partem do princípio que para cada olhar existe um espaço a ser descoberto, como na experiência proposta pela frase de Marx: “Os homens não veem nada em torno de si que não seja o próprio rosto, tudo lhes fala dele mesmo. Até a paisagem é algo vivo” (2)
Tendo como base a cartografia “oficial” do espaço de deriva, os participantes podem se utilizar das mais diversas técnicas de registro – como filmagem, fotografia, desenho e pintura para criar sua cartografia.
Como já foi dito, as cartografias influenciais da deriva compõem o Contramapa do participante que é apresentado ao grupo. No caso do Mattatoio criamos um mapa coletivo, que se chama Mappatoio, onde todos interferiram de alguma maneira. A exposição dos trabalhos foi montada pelos alunos e corpo docente finalizou o workshop.
A apresentação da exposição para a comunidade foi marcada para as 12 horas. Estiveram presentes membros do corpo docente, pesquisadores do LAC, alunos e colegas do professor Careri no coletivo de arte chamado Stalker.
A primeira atividade – Caminhando de Lygia Clark – foi disposta na exposição em caixas individuais e iniciou a sequencia da exposição, junto com a primeira versão do Mappatoio. O Mappatoio será modificado pelos alunos conforme o desenvolvimento do trabalho de projeto no LAC.
Apresentações dos contramapas dos alunos pelos alunos
Luca Petroni – Ferronia
Quando acordei era a aurora. Não sabia onde me encontrava talvez uma universidade ou um museu, mas era um matadouro, agora desativado: restava a memória de uma tecnologia que não servia mais. O traço de uma revolução eminente nos edifícios destruídos. O mundo era finalmente aberto a uma perene mutação. A natureza havia mudado, restavam ramos de tubos que acolhiam folhas, flores, ervas e frutas de cores nunca vistas. Nos humanos recolhíamos as frutas desta natureza metálica: nossa única ocupação era a brincadeira da contemplação.
Adriano Mosielo – A terra sob nossos pés e seu entorno
Obscuro a vista / Tudo é um vazio / Resta o reflexo do mundo entorno.
Angelo Del Grosso – No entry
Fechamento é o sentimento mais forte que eu tinha andando pelo Mattatoio...
Fechamento e impermeabilidade para o mundo exterior, mas também entre os vários mundos, eu vivo o Mattatoio.
Daniele Gosti – Retículas ridículas
Uma gaiola onde uma parte da malha acolhe a quem chega e a entende, outras se abre só para poucos e ainda partes que são impenetráveis: conjunto de singularidades incapazes de se comunicarem e por isso caem no ridículo.
Elisabeta Rampazzo – Deriva cega
Privei-me de um sentido... E os outros quatro me mostraram o Mattatoio de uma maneira que eu jamais havia “visto”. Vozes, odores, sabores e formas que sugerem o passado e o presente de um lugar que se narra por si: basta escutar e se deixar embalar pela imaginação.
Enrico Perini – Desenha-me o Mattatoio
Eu tentei explicar-me o espaço do mattatoio. Cada lugar tem uma função precisa durante a sua história. Anotando ideias e emoções eu completo os mapas e registro o momento neste tempo.
Francesca Luciane – Lógica
O mapa mostra em volume os espaços viáveis e utilizáveis pela comunidade em oposição aos representados em planos, “lacunas” das numerosas barreiras que delimitam o uso e expressão. Registra o sentimento claustrofóbico causado pela minoria de espaços livres em relação aos fechados por apropriações. As proporções não refletem as dimensões reais, mas registram os sentimentos do usuário. Os espaços utilizáveis estão em evidência, pela espessura diferente que lembra o idioma braile e as linhas registram o inatingível.
Giulia Bassi – Distância/proximidade
A distância física é apenas uma característica de um lugar.
Proximidade é o que não se caracteriza pela distância física, mas pela nossa capacidade de encurtar distâncias.
Sentimentos, impressões, julgamentos e seus respectivos sons e lugares são traduzidos aqui em uma experiência táctil.
Gabriele Ajó – Map book
Grades metálicas, telas, cerâmicas e outros materiais formam este mapa-livro do Matattoio.
Sente-se e divirta-se levantando e abaixando as barreiras. Se desejar escreva alguma reflexão.
Em cima ou embaixo?
Finalização do workshop
Durante a exposição houve uma conversa de finalização do workshop com a equipe do LAC, docentes da FAU Roma 3, Grupo Stalker e alunos.
notas
1
Agradeço ao Francesco Careri, Maria Rocco, Emanuela di Felice e toda a equipe de docentes, pesquisadores e alunos do LAC pela acolhida em Roma; ao meu orientador do Propar UFRGS, Prof. Fernando Fuão e à Prof. Elisabetta Romano da FAU UFP pela indicação do meu trabalho ao LAC. O workshop é fruto da pesquisa de mestrado da autora, Caminhando – o caminhar e a cidade, que é a base do seu doutorado em curso. Mais informações sobre o workshop: https://www.facebook.com/caminhandonacidade.
2
JAPPE, Anselm. Guy Debord. Petrópolis, Vozes, 1999, p. 88. Sobre os temas abordados neste artigo, consultar seguinte bibliografia: CARERI, Francesco. Walkscapes: walking as an aesthetic practice. Barcelona, Gustavo Gili, 2002; DEBORD, Guy-Ernest. Teoria da deriva. In: JACQUES, Paola Berenstein. Apologia da deriva: escritos situacionistas sobre a cidade. Rio de Janeiro, Casa da Palavra, 2003; DUFOMANTELLE, Anne. Anne Duformantelle convida Jacques Derrida a falar da hospitalidade. São Paulo, Escuta, 2003; ECARTE. Munster. Arts Therapy: recognized discipline or soul-grafitti? – Approaches, Applications, Evaluations. Abstract Book of the 7th bi-annual European Arts Therapies Conference. Madrid, Lit Verlang, 2003; FABBRINI, Ricardo Nascimento. O espaço de Lygia Clark. São Paulo, Atlas, 1994; PAESE, Celma. Caminhando: o caminhar e a cidade. Dissertação de mestrado. Porto Alegre, Propar UFRGS, 2006.
sobre a autora
Celma Paese é arquiteta (UniRitter, 1985), mestre (2006) e doutoranda do Propar-UFRGS com a pesquisa Contramapas de inclusão social, hospitalidade e acolhimento. É professora colaboradora da Faculdade de Arquitetura da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões.