Nas listagens de projetos reconhecidos como sendo de Oscar Niemeyer, existe um que nunca é mencionado: um restaurante, ou boate, que se chamou Bon Voyage e está em pé até hoje em São Paulo, embora com outro uso.
O prédio fica no quilômetro 13 da rodovia Raposo Tavares, no bairro do Rolinópolis, um loteamento aberto na década de 1950 no distrito do Butantã. São pouquíssimas as referências conhecidas ao projeto como sendo de Niemeyer. Uma delas aparece em um trecho do livro São Paulo: 450 bairros, 450 anos, do jornalista Levino Ponciano:
”O dr. Sérgio Horta Rolim (...) tinha nas margens da rodovia Raposo Tavares uma gleba que resolveu lotear e ali instalar um conjunto residencial. Rolim precisava de um atrativo para o seu residencial. Pediu ao amigo arquiteto Oscar Niemeyer que elaborasse um projeto de uma boate e um drive-in. O projeto saiu das pranchetas do nosso mestre da arquitetura” (1).
Outra referência é bastante curiosa: um LP de Aloysio e seus Teclados, editado pela gravadora Copacabana em 1960. A capa do disco estampa uma foto do restaurante. A contracapa descreve o local, atribuindo a autoria do prédio a Niemeyer e a de seus jardins ao arquiteto, paisagista e designer José Zanine Caldas:
“Rodeado de magníficos jardins tropicais de autoria de Zanine, é o ‘Bon Voyage’ uma das pequenas jóias da arquitetura moderna brasileira. Constitui, sem dúvida, um dos mais aprazíveis e procurados passeios da grande São Paulo. Situado nos altos do bairro do Butantan, a 800 metros de altitude e a 3 Kms do Jockey Club, é o “Bon Voyage” o restaurante-monumento da capital paulista, projetado pelo famoso arquiteto de renome internacional, Oscar Niemeyer”.
Curiosos com a história, resolvemos pesquisar nos acervos dos jornais O Estado de S.Paulo e da Folha de S.Paulo, à procura de mais alguma referência. Encontramos três. A primeira foi um pequeno anúncio, publicado no Estado de S.Paulo de 19 de abril de 1956:
“BON VOYAGE – Via Bandeirantes, km.12 (S.Paulo-Paraná) – Tel. 809325 – DRIVE-IN BAR E RESTAURANTE – Concepção arquitetônica de Oscar Niemeyer”
A segunda referência, também no Estadão, é um texto publicado em uma coluna social em 7 de setembro de 1960. Nele, além da menção a Niemeyer, aparece também a data exata em que o restaurante foi inaugurado:
“Happy Anniversary ao Bon Voyage e o seu proprietário, Sergio Rolim. Justamente no dia 7 de setembro de 1954, depois de meses de planejamento pelo famoso Oscar Niemeyer até o último detalhe do projeto para o perfeito serviço num tipo de restaurante ainda inédito, o Sergio viu seu idealizado ‘drive in’ (o primeiro de todo o Brasil) em grande movimento pela primeira vez quando ofereceu o cocktail de inauguração”.
Finalmente, na Folha de S.Paulo de 5 de agosto de 1961, encontramos a terceira referência, com direito até mesmo a uma foto, infelizmente pouco nítida:
“Apresentamos hoje aos nossos leitores o casal ROLIM, ‘os pioneiros do Drive-in na América Latina’ com o seu BON VOYAGE (foto). Em construção arrojada e moderníssima, no km 12 da estrada de Cotia, o BON VOYAGE, projetado por Oscar Niemeyer, oferece o que ha de melhor para o seu conforto e bem-estar, ou seja ar-condicionado, magnifico jardim tropical, ‘play-ground’ com piscina, iluminação multicolorida, ‘boxes’ para carros em transito e amplo estacionamento além de uma cozinha de primeira classe com serviço externo e interno, a cargo de gentis senhoritas. A passeio, em viagem ou à saída do Joquei Clube, vale a pena chegar até o BON VIOYAGE que apresenta em seus jantares a boa musica de ROBLEDO e de TORALES com seus conjuntos”.
O prédio existe até hoje, mas está bastante modificado e cercado de muros altos que quase impedem sua visualização. Pelas imagens disponíveis no Google Stret View, percebe-se que hoje ali funciona uma escola. Mas sua aparência original ainda pode ser vista numa cena do filme Moral em Concordata, de 1959, com Maria Della Costa, Jardel Filho e Odete Lara.
“Moral em Concordata”, 1959 (1h20min). Direção Fernando de Barros. Com Odete Lara, Jardel Filho e Maria Della Costa
notas
1
PONCIANO, Levino. São Paulo: 450 bairros, 450 anos. São Paulo, Senac, p. 240.
sobre os autores
Martin Jayo é professor da EACH-USP e editor do blog “Quando a Cidade era Mais Gentil”.
Edson Luiz Mendes viveu muitos anos na vizinhança e conhece o prédio de perto.