A liberação da comida de rua pelo prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, é daquelas iniciativas que deve ser saudada para muito além de sua utilidade, ao oferecer opções práticas (e também econômicas) de refeição e de lanche e normatizar a atividade no espaço urbano, com a formalização dos direitos dos que trabalham e o controle da higiene dos produtos.
Comer na rua valoriza o espaço público e o torna mais habitável e amigável, com a possibilidade de compartilhamento das refeições e dos lanches entre pessoas desconhecidas, lembrando como é interessante e potente a imaginação das produções, dos encontros e das descobertas que se dão ao acaso no espaço publico. A rua e a calçada, espaços de passagem, de fluxo apressado de pedestres, ganham outra dimensão e o espaço público se valoriza.
Em São Paulo, além das feiras tradicionais, com pastel e caldo de cana, existem lugares, como a Praça Kantuta aos domingos, que já são pontos consagrados para se comer na rua. E o comer na rua gera um movimento público que alegra a cidade, como se observa no bairro da Liberdade aos domingos (comer, encontrar os amigos, passear, comprar em lojas de rua).
A alegria de comer na rua pode ser reforçada pela variedade da oferta de comida e pela engenhosidade e decoração dos carrinhos. Vale para os prometidos trucks chiques de chefs famosos, mas principalmente para os incontáveis vendedores autônomos que vão surgir vendendo produtos caseiros e não industrializados e cuja criatividade será fundamental para atrair os fregueses.
A existência de carrinhos de mão e comida de rua é certamente um indicador importante da qualidade da vida nas grandes cidades, presença visível em grandes capitais como Nova York e Berlim, incluindo as pequenas feiras “orgânicas” que rodam a cidade.
Segue um pequeno álbum de recordações de uma viagem a Istambul em janeiro de 2014, mostrando exemplos de seus carrinhos de mão e comidas de rua: simit, milho, castanha, sahleb, um doce colorido de sabor de fruta super açucarado e com consistência de chiclete e até mariscos (embora este não parecesse exatamente regulamentado). Os carrinhos são decorados e atraentes. As cores do doce de chiclete fazem crianças (e adultos) o visualizarem de longe e é uma festa para os pequenos. O sahlep, espécie de mingau líquido, esquenta as noites frias a partir da decoração meio otomana do seu carrinho. A presença destes carrinhos diz muito sobre a qualidade do espaço urbano em uma cidade fervilhante como Istambul, sem nenhuma idealização ingênua sobre seus problemas, desigualdades e falta de transporte público da periferia.
Este lado festivo das comidas de rua, em geral baratas e acessíveis, é um imenso ganho para uma cidade como São Paulo. E, claro, lembremos o algodão doce, a pipoca, o cachorro quente, o churrasquinho, o amendoim doce, a fatia de melancia ou abacaxi, o pastel de feira, o caldo de cana, o milho, a pamonha, as empanadas bolivianas, o acarajé, o yakissoba e assim por diante. São as comidas e seus vendedores-personagens. Que venham também os canoles recheados!
sobre o autor
Roney Cytrynowicz é historiador da Narrativa Um – Projetos e Pesquisas de História e autor, entre outros de Memória da barbárie. A história do genocídio dos judeus na Segunda Guerra Mundial (Edusp), Guerra sem guerra. A mobilização e o cotidiano em São Paulo durante a Segunda Guerra Mundial(Edusp/Geração), e organizador de Dez roteiros históricos a pé em São Paulo (Narrativa Um).