A capital dos Emirados Árabes Unidos entrou na minha lista de cidades visitadas mais por ocasião do que por intenção. Depois de pouco mais de um ano morando na Austrália graças a um intercâmbio na University of New South Wales, chegou a hora de retornar ao Brasil. Como não existe vôo direto para esse trajeto, eu já vinha planejando fazer uma parada na cidade de conexão entre os dois segmentos, independente do lugar. As opções mais populares são Chile, África do Sul e Emirados Árabes Unidos. O valor da passagem e o conforto da companhia aérea foram os motivos decisivos para a escolha. A intenção se manifestou pelos pagamentos do visto de trânsito e da taxa extra para ter direito ao stopover.
Como sou um grande fã da arquitetura e culinária árabe, essa foi uma boa oportunidade para conhecer uma cidade que não constava na minha lista de lugares a serem visitados. Meu avião pousou em Abu Dhabi por volta da meia-noite do dia 16 de fevereiro de 2014, depois de um vôo tranqüilo, mas com quase 14 horas de duração. Como me hospedei ao lado do aeroporto, não vi nada da cidade até a manhã seguinte.
O hotel oferecia transporte para três pontos turísticos da cidade: a Grande Mesquita Sheikh Zayed, o centro de compras Marina Mall e o parque temático da Ferrari. Optei pela mesquita por gostar de arquitetura religiosa e pela grandiosidade do projeto (o maior do país e entre os maiores do mundo). A imponência e detalhamento dos acabamentos é algo impressionante. O primeiro destaque vai para o piso do grande pátio interno, com aproximadamente 120 metros de largura por 100 metros de profundidade, com tema floral incrustado em uma larga faixa perimetral. O salão principal possui uma infinidade de detalhes em todas as superfícies e objetos, desde a tapeçaria do piso aos detalhes das paredes como os gigantescos lustres e forros ornamentados. Depois de pouco mais de uma hora conhecendo o templo, tomei um táxi com destino ao centro da cidade.
No trajeto entre a mesquita e o centro foi possível observar como Abu Dhabi é dependente do uso do automóvel. Grandes vias expressas e a pequena presença de opções de transporte coletivo são destaque na cidade e talvez um reflexo direto da abundância do petróleo na economia nacional.
Chegando na praia de Corniche desci e continuei o trajeto a pé. Na avenida da praia se concentram os arranha-céus ultramodernos e uma bela mas subutilizada orla. Foi durante essa caminhada que comecei a notar a ausência de pedestres nas ruas. Até então, como estava transitando por áreas mais afastadas, não havia reparado ou considerado tal cenário. Contudo, em uma das áreas supostamente mais propícias ao lazer da cidade, a baixa presença de moradores ou mesmo turistas começava a ficar assustadora. Como era inverno, as temperaturas não serviam como justificativa.
Entrei em um dos poucos ônibus que vi depois de alguns quilômetros e me dirigi até o Marina Mall para almoçar. Após o almoço, fui até o Heritage Village, um centro que busca mostrar aos visitantes as tradições culturais do povo dos Emirados. Moradias, oficinas e ofícios foram recriados para propagar ao menos a história da cultura da população antiga.
Ao final da tarde, como estava próximo, decidi ir até a famosa Masdar City. Para quem nunca ouviu falar dela, é uma cidade sustentável planejada nos subúrbios de Abu Dhabi com a grife Foster + Partners. A cidade ainda está em sua fase inicial e conta com alguns poucos edifícios concluídos. O Instituto de Ciência e Tecnologia de Masdar é um dos principais locatários do projeto. O que mais aguçou minha curiosidade sobre a cidade e me motivou ir até lá foi a possibilidade de experimentar o sistema de transporte autônomo PRT (sigla em inglês para algo que poderia ser traduzido como: locomoção rápida pessoal). Infelizmente, o projeto morreu em sua fase piloto devido aos altos custos para a ampliação da rede.
Uma grande chaminé implantada no interior de uma das praças com a função de canalizar brisa para o pátio e assim produzir um microclima diferenciado também é um destaque do projeto. A estrutura toda automatizada abre e fecha aletas para otimizar a captação do vento externo conforme sua direção. Como estava próximo do meu hotel, coisa de dois ou três quilômetros, decidi voltar andando. Foi nesse trajeto que percebi ainda mais como a cidade não foi pensada para o pedestre. Apesar das vias largas e com recuos laterais e centrais generosos, belos jardins e fontes ornamentais, inexiste uma oferta adequada de passeios ao longo das ruas e avenidas.
No segundo dia decidi ir até o parque temático da Ferrari. Chegando lá, como a principal atração estava em manutenção decidi voltar para o meu hotel novamente andando. Dessa vez eu estava a uns dez quilômetros de distância e sabia mais ou menos o tipo de paisagem que encontraria ao longo da caminhada. É impressionante como não se vê muitas pessoas nas ruas a não ser os trabalhadores de obras. Parece exagero, mas ao longo deste trajeto não encontrei nem quinze pessoas. Abu Dhabi se mostrou inóspita para pedestres mesmo em suas áreas mais turísticas, uma triste constatação para uma cidade que procura se destacar na comunidade global e ser sinônimo de contemporaneidade.
sobre o autor
Gustavo Pierozzi Takatori é estudante de Arquitetura e Urbanismo na Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP e fotógrafo profissional especializado em arquitetura e interiores desde 2007. Estudou na Universidade Técnica de Lisboa em 2012 e na University of New South Wales em 2013. Atualmente desenvolve o trabalho final de graduação com o projeto de adaptação da ocupação Prestes Maia em HIS.