No fim da Idade Média a catedral gótica era o grande livro da humanidade, o lugar onde o povo iletrado aprendia o que era permitido pela nobreza e pela Igreja. Os raros manuscritos estavam restritos aos religiosos e aos governantes. As artes (pintura, escultura, vitral, música), a história, a ciência, os evangelhos se abrigavam na arquitetura das catedrais. Os relógios astronômicos e os vitrais dos reis fundadores do Sacro Império Romano (depois, Germânico) conviviam com as representações da religião. Na parte externa, os demônios representados por quimeras e gárgulas aterrorizavam o mundo exterior cheio de tentações.
O escritor Victor Hugo, na sua obra que se passa no início do século 16, O corcunda de Notre-Dame”, atribui o fim destas catedrais ao surgimento da prensa inventada por Gutenberg em Strassbourg. Com um livro na mão, o vigário geral de Notre-Dame de Paris olha para a sua catedral e exclama: “Ceci tuera cela. Le livre tuera l’édifice” (Isto matará aquilo. O livro matará o edifício). A prensa fez muito mais, abriu as portas para o Renascimento, propagou como vento os protestos de Lutero e dividiu o cristianismo com a Reforma. Até mesmo a Catedral de Strassbourg chegou a abrigar o culto protestante até Luiz XIV incorporar a cidade à França.
A Catedral de Notre-Dame de Strassbourg está comemorando a festa do milênio (1015-2015). Com 142 metros de altura foi a mais alta catedral gótica até as ampliações neogóticas do século 19 em igrejas similares. A vista integral da fachada só é possível com o artifício da computação gráfica.
sobre o autor
Victor Hugo Mori, arquiteto (Mackenzie, 1974) é funcionário do quadro funcional da 9ª SR/IPHAN de São Paulo.