Fórmula com defeito
No ano de 2015, a fórmula para se visitar a produção de Marcel Breuer em New York (New York + Marcel Breuer = Whitney Museum) não funcionou. Projetado pelo arquiteto húngaro e construído em 1966 como a terceira sede da coleção de obras de artistas americanos iniciada por Gertrude Vanderbilt Whitney, o edifício do Whitney Museum não estava aberto à visitação. O motivo foi a transferência de seu acervo para a nova sede projetada por Renzo Piano, no lado oeste da cidade, em um terreno diretamente relacionado com o também atrativo High Line Park. Assim, uma importante peça do conjunto arquitetônico moderno da cidade estava riscada da agenda de viagem de tantos arquitetos como eu.
No entanto, o que poderia ser uma falta de sorte tornou-se, para mim, uma boa oportunidade. Após ouvir comentários de colegas na cidade, localizei, nos antigos volumes da revista Architectural Record da Avery Library, Columbia University, algumas matérias a respeito de um conjunto expressivo de obras de Breuer em um campus universitário ao norte da cidade, o Bronx Community College.
New York University no Bronx
O Bronx Community College é o nome atual do campus University Heights criado pela New York University – NYU na virada do século 19 para o século 20. A NYU foi fundada em 1831, tendo sua estrutura inicial localizada no entorno da Washington Square. Na virada do século planejou-se o deslocamento de parte de sua estrutura para um campus a ser projetado no Bronx, área menos urbanizada, com possibilidade de expansão e, principalmente, com mais potencial paisagístico. O ideal de um campus afastado da cidade, vigente na virada do século, fez com que outras universidades em New York fizessem o mesmo movimento. Assim, a Columbia University deslocou-se para o Morningside Heights em 1897, e o City College, para o West Harlem em 1907.
O campus da NYU foi projetado pelo conceituado escritório McKim, Mead & White, com princípios Beaux Arts. A biblioteca – Gould Memorial Library – destaca-se na composição central do eixo principal do conjunto, nos valores que Thomas Jefferson imprimiu na paradigmática Universidade de Virgínia.
Marcel Breuer na NYU
Nos anos 1960 houve um significativo aumento da demanda pelo ensino superior, fato que impulsionou a construção e/ou ampliação dos campi universitários. Nesse período, nos Estados Unidos, a arquitetura moderna já estava consolidada. Agora, a épica batalha entre modernos e historicistas nos terrenos universitários americanos (que teve Walter Gropius como um dos principais artilheiros) estava favorável aos arquitetos modernos que, desde os anos 1950, começaram a receber importantes convites para projetar esses espaços.
Marcel Breuer iniciou seus trabalhos para a NYU nesse contexto, com o desenvolvimento de um amplo master plan para o campus University Heights. A partir desse plano, o arquiteto projetou cinco edifícios que conformaram a principal expansão da universidade nesse período. O plano de Marcel Breuer foi abandonado no início da década de 1970 quando o campus foi adquirido pela City University of New York – CUNY e passou a ser chamado Bronx Community College.
A visita
Fiz minha visita ao campus do Bronx em uma edição do Open House que é um evento de arquitetura e design anual, realizado por uma organização educacional sem fins lucrativos desde o ano de 2003 na cidade. O objetivo desse evento é promover acesso, durante todo um final de semana, a diversos edifícios e espaços espalhados pelos cinco distritos de Nova Iorque, normalmente fechados à visitação. É um evento robusto, com aproximadamente 45 mil visitantes, ávidos para explorar e experimentar os espaços construídos na cidade. Na edição de 2015 do Open House, foi feita uma parceria com o Docomomo New York/Tri-State (seção local do Docomomo-US), que ofereceu uma nova visada para as obras de Marcel Breuer no Bronx Community College.
Os cinco Breuers
A produção de Marcel Breuer tinha, até os anos 1940, caráter mais residencial com edifícios marcados pela arquitetura bauhausiana de vidro. A partir de seu projeto para a sede da Unesco em Paris, o arquiteto iniciou uma nova etapa profissional na qual os edifícios assumiram um caráter escultórico e monumental, principalmente por meio do uso do concreto.
Os cinco edifícios de Breuer no University Heights enquadram-se nessa segunda fase do arquiteto e destacam-se pelas diferenças em suas expressões plásticas e pela harmonia de seu conjunto. O arquiteto projetou inicialmente quatro edifícios em pares em 1965 e, em 1969, concluiu sua última obra no campus.
A primeira dupla de edifícios é composta pelo Laboratory Wing e pelo Lecture Hall Wing. Na entrada do Laboratory Hall destaca-se o pórtico escultural projetado a partir de uma forma paraboloide hiperbólica.
A paleta de materiais utilizada por Marcel Breuer foi um importante recurso para garantir a harmonia do conjunto. Breuer utilizou-se basicamente do concreto aparente, pedra cinza e os tijolos amarelos que dialogam com as edificações existentes no local.
Esse edifício conecta-se, por meio de uma ponte aérea, ao Lecture Hall (conhecido como Begrish Hall). Sua inusitada forma escultural é o resultado de uma relação programática com a estrutura funcional do edifício. Esse é um dos edifícios mais conhecidos do arquiteto no campus e foi denominado como um dos marcos patrimoniais de New York em 2002.
A segunda dupla de edifícios é composta pelo Community Hall e pelo Residence Hall. O primeiro é uma estrutura regular, composta por planos de vidro e tijolos amarelos, com base em pedra, resultado de uma exploração racional de um programa destinado à integração e serviços para os estudantes. Esse edifício também foi configurado como barreira de acesso ao Residence Hall. Ambos estão conectados por duas pontes esculturais em concreto armado que representam a divisão do edifício por sexo.
O último edifício projetado por Breuer com Hamilton Smith, o Meister Hall, é composto por três elementos principais: uma torre de oito pavimentos para laboratórios e escritórios, um edifício de três pavimentos para salas de aula e um terraço (sobre a biblioteca). Um dos principais destaques do edifício é a utilização do concreto pré-fabricado na fachada que, além do impacto estético, é parte estrutural do edifício, eliminando pilares em seu interior e resolvendo a distribuição dos sistemas técnicos.
Outro destaque dessa edificação é a utilização de grandes planos de tijolos amarelados fortalecendo com o revestimento predominante na arquitetura tradicional do campus.
O vazio do terraço sobre a biblioteca aumenta o efeito da fachada de concreto e do detalhamento elaborado pelos arquitetos para as estruturas de concreto.
sobre o autor
Klaus Chaves Alberto é arquiteto e urbanista pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Mestre e Doutor em Urbanismo pela Programa de Pós-Graduação em Urbanismo (PROURB-UFRJ). Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e do Programa de Pós-Graduação em Ambiente Construído da UFJF e Visiting Scholar na Graduate School of Architecture, Planning and Preservation da Columbia University no ano de 2015.