Quando falamos em arte no Brasil logo imaginamos eventos direcionados a um público restrito, normalmente proveniente dos setores da população com maior poder aquisitivo e elevado nível educacional.
Então como é possível explicar a continuidade do êxito das megaexposições em 2015? Por que elas atraem tanta gente? O público é realmente significativo ou é só uma impressão equivocada? Qual a origem social dos visitantes? Quais são as instituições museológicas envolvidas? Quem são os seus financiadores? Qual o objetivo de se patrocinar eventos deste porte?
Para responder a todas estas questões, primeiro é preciso diferenciar uma exposição convencional de uma megaexposição. Na grande maioria das vezes, a megaexposição cumpre uma itinerância por diferentes cidades e até mesmo países. Com curadores internacionais especialistas no tema da mostra, valem-se dos acervos de museus estrangeiros e quando chegam ao Brasil são apresentadas em aparelhos culturais como institutos ou centros culturais. As instituições anfitriãs brasileiras têm espaços expositivos grandes e bem sinalizados, que permitem a circulação de muita gente. Poucas têm sido realizadas em museus, possivelmente por que não se encaixam aos objetivos. Ficam em cartaz por aproximadamente três meses em cada uma das localidades que percorrem, geralmente São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e algumas poucas em Belo Horizonte. A passagem por mais de uma grande metrópole funciona como estratégia para que o custo do seguro e empréstimo das obras seja diluído entre os locais. Contam com divulgação maciça pela televisão e mídias impressas, além das redes sociais. Conseguem apoios e parcerias entre empresas nacionais e instituições museológicas do exterior. Embora o custo de produção seja alto, a entrada é franca na maioria dos casos.
Por tudo isso atraem muita gente e a velha organização em fila, para adentrar o espaço tornou-se uma tortura, precisando ser rapidamente substituída pelo agendamento online. No ano de 2015, o público compareceu a mostras individuais de artistas consagrados como os surrealistas espanhóis Salvador Dali e Joan Miró ou exposições coletivas que resgataram os trabalhos de artistas plásticos que fizeram parte dos mais diversos movimentos, como impressionismo, modernismo, dentre outros.
As mostras são sempre muito bem cuidadas, apresentando pesquisa que relaciona a obra dos principais artistas e suas influências, com outros nomes menos conhecidos, porém tudo bem contextualizado e, portanto, conseguem aprofundar a análise e a informação disponível. Ademais têm caráter didático e abordagens contemporâneas. Assim, a produção representa uma mudança em relação à produção das exposições convencionais.
Nota-se ainda a incidência de exposições de obras de artistas estrangeiros contemporâneos como Patrícia Piccinini e Marina Abramovic, até então pouco conhecidos por aqui, mas que agradaram devido ao (hiper)realismo ou pela interatividade com um público de várias faixas etárias, inclusive crianças.
A megaexposição da artista australiana Patrícia Piccinini apresentada na unidade do CCBB da capital paulista, por exemplo, era formada por esculturas (sur)realistas de seres totalmente desconhecidos, porém afetuosos e que guardavam fortes semelhanças com as obras do também australiano Ron Mueck, que havia passado pelo Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro e pela Pinacoteca do Estado de São Paulo, em 2014. Já a artista sérvia Marina Abramovic trouxe no início de 2015 suas performances e instalações para o Sesc Fábrica Pompeia, da capital paulista.
Mostras de artistas latino-americanos não tiveram o mesmo poder de sedução, a única exceção foi a exposição das obras da pintora mexicana Frida Kahlo, no Instituto Tomie Ohtake. E dentre as grandes mostras de artistas ou de temática nacional está o Castelo Rá-Tim-Bum, que reproduziu os cenários e personagens do programa infantil.
O Centro Cultural Banco do Brasil com suas várias unidades espalhadas pelo país foi a instituição campeã em receber megaexposições, em 2015. A mostra Picasso e a Modernidade Espanhola, que já havia passado pela Fondazione Palazzo Strozzi, em Florença, na Itália foi apresentada primeiro em São Paulo, seguindo logo depois para o CCBB do Rio de Janeiro com cerca de 90 obras pertencentes à coleção do Museu Nacional de Arte Rainha Sofia, da Espanha, a qual fez referência ao percurso do pintor espanhol até chegar à realização da obra Guernica, além de sua relação com mestres da arte moderna como Juan Gris, Joan Miró, Salvador Dalí, Dominguez Tápies, dentre outros. A curadoria é assinada por Eugenio Carmona, professor de História da Arte da Universidade de Málaga e patrono do Museu Nacional de Arte Rainha Sofia.
Já Kandinsky: Tudo Começa num Ponto passou pelo CCBB de Brasília, Belo Horizonte, Rio de Janeiro e São Paulo. Com mais de 150 obras e principais influências, em sua maioria trabalhos pertencentes à coleção do Museu Estatal Russo de São Petersburgo. Havia ainda exemplares de outras sete instituições russas, além de coleções pertencentes à Alemanha, Áustria, Inglaterra e França. A curadoria ficou sob a responsabilidade dos russos Evgenia Petrova e Joseph Kiblitsky. Ambos contaram com o apoio do Banco Votorantim e a mostra recebeu mais de 1 milhão de visitantes.
Se o CCBB foi o campeão das megaexposições, o Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo pode ser considerado o vice-campeão. Passaram pela instituição as mostras de Salvador Dali, Joan Miró e Frida Khalo.
Em fins de 2014 e início de 2015, as obras do pintor surrealista catalão Salvador Dali (1904-1989) atraíram 538.000 expectadores. Na sequência vieram as exposições de outro pintor surrealista catalão, Joan Miró, que contou com um público de 398.000 visitantes e a da pintora mexicana Frida Kahlo e demais mulheres artistas surrealistas do México, que permaneceu até janeiro de 2016, seguindo para a Caixa Cultural do Rio de Janeiro e depois Brasília. Tudo indica que ela irá trilhar o mesmo caminho das mostras anteriores: com repercussão na mídia e nas redes sociais, contará com um grande público.
Basta percorrer uma destas mostras para perceber que as classes menos favorecidas ainda não fazem parte. O público em sua grande maioria é formado por estudantes, professores, artistas, profissionais liberais e demais pessoas ligadas às áreas de comunicação, arte e cultura. Sendo assim, a banalização da arte ocorre apenas para algumas esferas da sociedade que demonstram interesse por tais eventos. E não há dúvidas de que o número de visitantes é muito expressivo. De acordo com o relatório anual publicado pelo The Art Newspaper, de Londres, das 20 exposições mais visitadas em todo o mundo, no ano de 2014, o Brasil ocupou sete posições. No grupo das 10 maiores mostras contemporâneas, seis delas aconteceram em nosso país. A mais visitada foi a de Milton Machado no CCBB do Rio de Janeiro (9.470 visitantes por dia ou 447.799 no total); em segundo lugar Yayoi Kusama no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo (8.936 visitantes por dia ou 522.136 no total); seguida pela de Yayoi Kusama no CCBB, no Rio de Janeiro (8.702 visitantes por dia ou 754.565 no total); no quarto lugar Yayoi Kusama no CCBB de Brasília (7.957 visitantes por dia ou 471.730 no total); em quinto lugar Tino Sehgal, no CCBB do Rio de Janeiro (7.239 visitantes por dia ou 255.427 no total); e em décimo lugar Ron Mueck no MAM do Rio de Janeiro (4.865 visitantes por dia ou 298.848 no total).
Por fim, a exposição de fotografias mais visitada no mundo, em 2014 foi Gênesis de Sebastião Salgado. A mostra deu-se no CCBB de Brasília, entre agosto e setembro, contando com 5.306 visitantes-dia, o que totaliza 223.618 expectadores.
A resposta deste grande público não está associada a um único fator, mas justamente a uma combinação. Quando um indivíduo comparece a uma megaexposição, acaba voltando em outras. E é neste público numeroso que os patrocinadores e apoiadores estão interessados. Formado por empresas nacionais privadas ou entidades governamentais, os nossos “novos mecenas” utilizam-se das leis de incentivos fiscais para captar recursos voltados à produção das megaexposições. Estas, por sua vez, funcionam como intermediárias entre o público e as empresas que estão interessadas em associar a imagem a fatores vistos como positivos. Conhecida como propaganda institucional, no passado visava apresentar a marca e as qualidades de uma instituição, sem mostrar os produtos e serviços ofertados ao mercado. Atualmente, tal estratégia volta-se para a comunicação com ênfase na preocupação ambiental, social ou cultural.
É desta maneira que as grandes exposições vêm sendo financiadas e parece que assim continuarão. Para o ano de 2016, estão programadas novas exposições de peso. O Centro Cultural Banco do Brasil confirmou a mostra do holandês Piet Mondrian, devendo começar pelo espaço de Brasília e seguir para Belo Horizonte, São Paulo e Rio de Janeiro. Logo depois haverá a mostra de Vicent Van Gogh no CCBB da capital paulista, em parceria com o Museu d´Orsay, de Paris. No CCBB carioca é esperada uma grande instalação do artista alemão Alsem Kiefer. Sem confirmação oficial, mas gerando burburinhos nas redes, apenas para as unidades de São Paulo e Brasília, é aguardada a maior retrospectiva do pintor Cícero Dias. Mas quem deve atrair bastante atenção logo nos primeiros meses do ano é o cineasta Tim Burton. A exposição O mundo de Tim Burton, dedicada a sua obra cinematográfica começará a ser exibida no Museu da Imagem e do Som de São Paulo, seguindo para Belo Horizonte no mês de abril, Brasília em julho e Rio de Janeiro em outubro. Frida Khalo já tem nova exposição agendada em São Paulo entre os meses de outubro e dezembro, também no MIS. A mostra proporcionará um olhar íntimo e emocional da vida da artista plástica mexicana, por meio de uma coleção de fotos raras. As imagens foram descobertas após 50 anos trancadas num banheiro da Casa Azul, na cidade do México.
Como se vê, as megaexposições continuarão acontecendo no ano de 2016 e tudo indica que elas vão manter o padrão de qualidade e atrair a atenção de muita gente graças, em grande parte, às leis de incentivo fiscal.
bibliografia
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THE ART NEWSPAPER, Exhibition & museum attendance survey, London, n. 267, April 2015, Special Report.
sobre a autora
Graziela Naclério Forte é professora-pesquisadora de História da Arte Brasileira, pós-doutoranda pela Unesp-Marília, doutora pela Unicamp e mestre pela USP. Autora dos livros Diversão e Arte no Clube de Artistas Modernos e Carlos Prado: Trajetória de um Modernista Aristocrata (Bookess, 2014) e diversos artigos voltados aos temas relativos a sociabilidades artísticas, arte e política.