Como já disse, na primeira parte deste artigo, Cunha tem paisagens belíssimas e várias atividades de turismo rural. A subida até a Pedra da Macela, a 1.840 metros de altitude, é um dos passeios que aconselho. O acesso se dá pela estrada Cunha-Paraty, km 65. Daí são quatro quilômetros em estrada de terra até a portão de Furnas e início da trilha a pé, por 2 km pela antiga estrada ainda com quase todos os trechos de asfalto. No topo, há uma antena retransmissora de sinais de rádio. A subida é íngreme, mas bem viável e do alto, a vista que se descortina é deslumbrante. Conforme o condicionamento físico do visitante, a caminhada pode ser mais ou menos longa, mas não há nenhuma infraestrutura, portanto leve uma mochilinha com água, chapéu, repelente e protetor solar. Ah, um bastão também ajuda.
Nosso pequeno grupo levou duas horas para subir e mais 90 minutos na descida, sem pressa, apenas apreciando a paisagem e descansando. Agora, dê um desconto: éramos todos jovens adultos com mais de 60 anos, sem nenhum preparo físico. Mas, sem dúvida, o esforço vale a pena: do topo, tem-se uma vista impressionante de 360º e em dias claros chega-se a avistar as baías de Angra dos Reis e Paraty, belíssimas formações rochosas e grandes trechos de Mata Atlântica. Mesmo se a vista não estiver totalmente aberta, não desanime: sente-se, respire, curta a vegetação, o momento, a vida. Quem sabe, o céu não se abre e você respira mais ainda com aquela vista única do nosso litoral?
Na volta dessa linda caminhada, já que ninguém é de ferro, prepare-se para uma visita à Cervejaria Wolkenburg (1), ou Castelo nas Nuvens (wolken = nuvem e burg = burgo, casa, castelo). O simpático casal – ele alemão, ela brasileira, de São Paulo – produz suas cervejas segundo a Lei de Pureza Alemã de 1516 (Reinheitsgebot), que estabelece somente cevada maltada, lúpulo e água em sua elaboração, sem quaisquer aditivos ou conservantes. Por isso a cerveja não é totalmente transparente. As Hausbiere (cervejas artesanais) são fabricadas em quatro versões: Wolkenburg Weiss (de trigo, com médio teor alcóolico-4,8%), Dunkel (cerveja escura, criada pelos monges há mais de 600 anos, 5,3% de teor alcoólico e não preparada no verão ou outono), Fit – cerveja pilsen com teor alcoólico de 2,8% e Landbier – cerveja tipo Indian Pale Ale, avermelhada, de sabor intenso e cremoso – com teor alcoólico de 5,0%). Além da explicação sobre os processos de malteação da cevada, a visita inclui a degustação. Hummm! Muito bom. Não dá para sair de lá sem comprar algumas (ou muitas) garrafas daquela deliciosa cerveja ou as belas taças em que nos é oferecida.
Não adianta insistir fora desses horários. Mas vale a pena, com certeza.
Toda essa região é privilegiada. Saindo de Guaratinguetá, na via Dutra, a sinuosa e bela rodovia SP-171 (Cunha Paraty) passa por Cunha, cruza a divisa do estado do Rio de Janeiro e chega a Paraty (2). A estrada, que atravessa em um trecho o Parque Nacional da Bocaina, está quase toda recuperada, faltando pouco mais de 500 metros para a conclusão de seu calçamento. Importante destacar que em seu trecho de serra tem a velocidade máxima de 20 Km/h, já que é uma estrada-parque e é fechada ao tráfego das 17h30 às 7h.
Do projeto e das obras de recuperação da antiga estrada participaram e ainda participam quase 60 profissionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ, entre professores, pesquisadores e auxiliares de áreas como engenharia civil e ambiental, arqueologia, biologia e educação ambiental. O trabalho abrangente foi de simples operações de monitoramento a estudos mais aprofundados, pesquisas e soluções para preservar o ecossistema do Parque Nacional da Serra da Bocaina. Entre outras medidas, para ligar os dois lados do parque cortado pela rodovia, o projeto previu caminhos subterrâneas para a passagem de animais, protegendo-os do risco de atropelamento.
No total, 47 quilômetros de estrada ligam Cunha a Paraty, ladeados por exuberante vegetação, quedas d’água, córregos e paisagens. A meio caminho, já no início da descida da Serra, encontra-se o mirante/ateliê do ceramista Jorge Pessotti, ex-aluno da Escola de Comunicações e Artes (ECA-USP) que abandonou a profissão para dar vazão ao seu lado artístico.
Ponto final da Estrada Real, Paraty foi sede do mais importante porto de exportação de ouro do Brasil, na era colonial (1530-1815). Situa-se no litoral sul do estado do Rio de Janeiro e a 42 km de Cunha. Ou seja, não dá para ir para Cunha e não visitar Paraty e vice-versa. É um passeio obrigatório para turistas e moradores, artistas, arquitetos, historiadores e fotógrafos, interessados ou não na nossa história. É uma delícia voltar a esta cidade, sempre.
No Centro Histórico, fizemos uma visita ao atelier da artista Patrícia Sada, autora de belos trabalhos variados. Seus mais recentes envolvem a utilização de pequenos ramos de guapuruvu (Schizolobium parahyba). Isso mesmo, daquela árvore de crescimento rápido, tronco liso acinzentado, galhos que se expandem para o alto, como dedos em uma mão aberta, flores amarelas, folhas pequenas alongadas e sementes como fichas de jogos. Quando meus filhos eram pequenos, costumávamos colher, no parque perto de casa, as tais sementes para brincar e aqueles pequenos ramos para ajudar a iniciar o fogo da lareira. Patrícia colhe, manuseia, às vezes, corta, pinta e cria belíssimas obras, em um exemplo de delicada criatividade e respeito ao meio ambiente.
Depois, andamos a esmo pelas ruas estreitas calçadas com o chamado piso de ‘pé-de-moleque’, antigos calçamentos irregulares construídos sobre terra batida com pedras ou seixos rolados, tomando extremo cuidado para não torcer o pé (lembrem-se que nosso grupo era formado por ativos jovens de mais de 60 anos); as correntes atravessando as ruas de lado a lado e impedindo a passagem dos carros, que só podem circular nas ruas que fazem limite com o Centro; as antigas moradias, regulares e ordenadas, todas regulamentadas por lei, já que havia multa ou prisão para quem desobedecesse às determinações da época; os desenhos geométricos em relevo, característicos da Maçonaria (foto), nas fachadas dos sobrados, e as quatro igrejas do centro histórico, originalmente destinadas cada uma a uma camada da população.
Claro, não ficamos sem a Cachaça Maria Izabel, a mais recomendada pelos entendedores (e bebedores) da bebida de Cunha, já que a região de Paraty já foi a mais importante produtora de aguardente no Brasil Colônia. Hoje, dos 100 alambiques de meados do século 18 restaram apenas sete. Aliás, até meados do século 20, o nome Paraty era sinônimo de cachaça de qualidade.
Depois, junto ao Museu de Arte Sacra, alugamos uma das mais simples traineiras convertidas em barcos de turistas e fomos dar um mergulho em uma das inúmeras ilhas que povoam aquele trecho de mar. Destino: Praia Vermelha, uma das mais próximas. Quatro ensolaradas horas de comida deliciosa, paisagem deslumbrante, sol e brisa do mar. Ainda quer mais?
Voltamos para Cunha e, no dia seguinte, descemos de novo aquela bela rota da Serra ao mar. Desta vez, seguimos 30 quilômetros adiante de Paraty rumo a Trindade, distrito de Paraty na área de Proteção Ambiental do Cairuçu. As praias são lindas, vale a pena conhecer e se deslumbrar: Praia dos Ranchos, Cabeça de índio, Cachadaço (piscina natural), Praia do Meio. Hoje, invadida por turistas Trindade enfrenta o desafio de crescer de forma adequada e, ao mesmo tempo, preservar sua privilegiada natureza.
notas
NE – Artigo pertencente a série de três textos:
DI MARCO, Anita. Serra-Praia-Fazendas (parte 1/3). Um roteiro por Cunha, Paraty, São Luiz do Paraitinga e pelas fazendas históricas do Vale do Paraíba. Arquiteturismo, São Paulo, ano 10, n. 110.03, Vitruvius, maio 2016 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquiteturismo/10.110/6018>.
DI MARCO, Anita. Serra-Praia-Fazendas (parte 2/3). Um roteiro por Cunha, Paraty, São Luiz do Paraitinga e pelas Fazendas Históricas do Vale do Paraíba. Arquiteturismo, São Paulo, ano 10, n. 111.02, Vitruvius, jun. 2016 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquiteturismo/10.111/6042>.
DI MARCO, Anita. Serra-Praia-Fazendas (parte 3/3). Um roteiro por Cunha, Paraty, São Luiz do Paraitinga e pelas Fazendas Históricas do Vale do Paraíba. Arquiteturismo, São Paulo, ano 10, n. 112.03, Vitruvius, jul. 2016 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquiteturismo/10.112/6103>.
1
Sobre a Cervejaria Wolkenburg, ver: www.cervejariawb.com.br. Visitação/degustação: sábados, domingos e feriados. Das 11:00h às 17:00h - Rod. Cunha-Paraty, Km 65, Cunha SP.
2
Sobre Paraty, ver: http://paraty.tur.br; http://pt.wikipedia.org/wiki/Paraty.
sobre a autora
Anita Di Marco, arquiteta (FAU-USP, 1976), especialização pelo ICCROM-Roma e tradutora (DBB-RJ).