A exposição Masterig the metropolis, New York and zoning 1916-2016, em andamento e com eventos paralelos até dia 23 de abril de 2017, no Museu da Cidade de Nova York, traz importantes insights sobre a relação da produção dos arranha-céus e dos espaços públicos, confrontados com os interesses e os importantes valores sociais e culturais prezados pelas pessoas que utilizam e habitam o lugar e a vizinhança (1).
Ao traçar os fatos históricos e a evolução das ferramentas de zoneamento e, aproveitando o marco histórico do centenário da primeira resolução de zoneamento urbano nos Estados Unidos em 1916, a exposição propõe reflexões sobre os efeitos desta legislação e o que possa ser considerado como a cidade “ideal”.
O skyline de Nova York sempre foi marcado por seus arranha-céus. Porém, assim como em qualquer outra metrópole mundial, o caráter de desenvolvimento dos bairros é gerido por um jogo de interesses estabelecido pelas forças da sociedade, do mercado imobiliário e do poder legislativo definido pelas instituições gestoras da cidade. No caso de Nova York, o zoneamento, surgiu com o intuito de “domesticar” a forma como o mercado atuava, e ainda atua, ao promover a verticalização e a ocupação do solo urbano. A resolução de zoneamento de 1916 estabeleceu contrapartidas de amenidades públicas, de ocupação e usos para a liberação de praças e serviços, na conflituosa relação entre o direito a luz e os impactos nos fluxos do ar ao nível das calçadas e das habitações. As leis e as demais alterações que a sucederam foram exercícios de complementação no intuito de contrabalançar esses interesses.
Visitar esta exposição, no meu caso em particular, trouxe muitos insights e conexões com as pesquisas e experiências vivenciadas nas últimas três décadas sobre as relações entre os estilos de vida, os comportamentos humanos e a verticalização em cidades brasileiras.
Estar em Nova York 20 anos após ter escrito sobre as relações de vizinhança e verticalização e 10 anos após ter escrito sobre as transformações promovidas pelo mercado imobiliário, no livro Marketing da sustentabilidade habitacional, publicado em 2013, e ainda, ter contato com a exposição Masterig the metropolis, New York and zoning 1916-2016, é um verdadeiro presente. É como se tudo se encaixasse, como as peças de um quebra-cabeças, corroborando com as hipóteses estabelecidas para a busca do equilíbrio e da harmonia na relação entre o espaço humano das relações públicas e o interesse da produção econômica e imobiliária.
Desvela-se para mim que o exercício do altruísmo social é um viés desta reflexão que grita e salta aos olhos, desde o primeiro dia que cheguei em Nova York. Uma cidade, assim como tantas outras do mundo, permeada de paradoxos e contrastes econômicos e sociais. Uma cidade onde as construções de habitações se multiplicam em um mercado de luxo e que está permeado por homeless, que não puderam honrar seus compromissos de pagamento da casa própria e que, envergonhados, são ignorados pelos transeuntes das ruas geladas, sob um inverno de vento cortante. Uma cidade que contrasta o paradoxo do luxo, do brilho dos materiais, das marcas e dos nomes simbólicos emprestados para aumentar a valorização dos empreendimentos supertall ou super altos, na fronteira sul do Central Park com aqueles que usam o discurso da proximidade com o High Line, no processo de revalorização do antigo bairro industrial do Chelsea ou, ainda, dos tantos outros que arrendam o nome do mais célebre empresário e atual gestor do país.
Confronta-se a isso, as iniciativas de Barak Obama que, às vésperas de deixar a Casa Branca, ainda trabalhava para ajudar a combater a crise e os débitos dos americanos com habitação.
Estes elementos nos remetem automaticamente à Jane Jacobs quando fala que a cidade se constrói com a prática e, quando confronta o fato de que a teoria do planejamento urbano não consegue abarcar as soluções para os problemas urbanos e, ainda que, estas também não estão, necessariamente, condicionadas à posse ou não do dinheiro e às soluções que este possa vir a trazer.
A nossa reflexão se encaminha para a própria condição humana e o processo de evolução da sociedade e do indivíduo, em seus condicionamentos, valores sociais, econômicos e culturais.
As peças do quebra-cabeça social e individual nos propõem uma correlação de inúmeros fatores que permeiam a relação homem e cidade e que serão definidoras em suas complexidades, quando correlacionadas aos comportamentos de múltiplas vias entre a produção do espaço que é produto do comportamento humano ao mesmo tempo em que o reproduz. O indivíduo define e é definido por estes espaços, ambientes e lugares; consome e é consumido por eles, impacta e é impactado em suas múltiplas facetas e papéis. A complexidade ultrapassa as fronteiras do conhecimento tácito, extrapola o material e o físico, transcende ao simbólico e às capacidades humanas de compreensão uma vez que, sua condição ainda tão cartesiana e egóica ainda o impossibilita de abarcar simultaneamente toda a sua multiplicidade e complexidade sistêmica, quântica e holográfica.
Valores de distinção, de superioridade, de inferioridade, de ética, de respeito a si, aos outros, ao ambiente, aos direitos e deveres estão em jogo neste panorama que delineia as múltiplas facetas destas relações. A arte de manipular as ferramentas, os métodos, a teoria e as práticas que constituem este universo material, natural, simbólico, humano, sistêmico e quântico que permeiam as cidades e as sociedades que nelas habitam é uma alquimia. Está em processo e precisa ser muito estudada pelos gestores e atores que dela participam para que possamos buscar um ideal de cidade. Desta miscelânea alquímica na estrada, fica a reflexão para que novos e virtuosos horizontes possam se mesclar para desvelar um novo skyline do planejamento mais equânime das cidades e das metrópoles para pessoas.
nota
1
Exposição Mastering the Metropolis: New York and Zoning, 1916-2016. Nova York, MoMA, jan./abr. 2017 <www.mcny.org/zoning100>.
sobre a autora
Gisela Santana, arquiteta urbanista, ecologista e consultora, Doutora em Psicologia Social, Mestre em Desenvolvimento Urbano e Regional e, autora do livro “Marketing da Sustentabilidade Habitacional: lançamentos imobiliários e ecologia urbana”.