Há tempos alimentava a ideia de conhecer o delta do rio Parnaíba e o Parque Nacional das Sete Cidades. Calhou ser possível agora, aproveitando férias e que já existe um voo semanal para Parnaíba partindo do Recife. Para evitar SP, resolvemos viajar de Campinas. As novas instalações do aeroporto preferido do Jânio Quadros (Viracopos) ferem a escala humana, são por demais gigantescas, anda-se muito por corredores inóspitos e sem vida para embarcar ou desembarcar. Também não tem atrativos arquitetônicos expressivos, não tem identidade, parece que estamos num “não lugar”. E, como queriam os “paneleiros”, está quase tudo vazio (tanto que a concessão será devolvida pela empresa privada ao governo dos golpistas), não há mais PPP na área.
O voo foi tranquilo e dentro do horário. Parnahyba, atual Parnaíba, é a segunda cidade do Piauí, com uma população de mais de 150 mil habitantes, localizada às margens do rio Igaraçu, um dos braços do rio Parnaíba que compõe o único delta fluvial a desaguar em mar aberto. Fundada no século 17, transformou-se em um grande empório comercial no século 19.
A cidade me surpreendeu, pois possui um patrimônio arquitetônico maravilhoso. Além do cartão postal do Porto das Barcas, que funcionou como centro de exportação da carne de charque no passado distante, cujos armazéns eram utilizados para estocar produtos de toda a região, há dezenas de edificações antigas em bom estado de conservação. Trata-se de um grande conjunto histórico e paisagístico tombado como patrimônio cultural do país pelo Iphan em 2011, contendo cerca de 830 imóveis divididos em cinco setores: Porto das Barcas, Praça da Graça, Praça Santo Antônio, Estação Ferroviária e Avenida Getúlio Vargas.
O sobrado da Dona Auta, um dos mais antigos, é onde funciona o Centro Pop - Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua. Os casarões, de modo geral, foram construídos com pedras brutas, casca de ostra e óleo de baleia em linguagem colonial, mas há também um contingente numeroso de belas casas do início do século 20, alguns restaurados primorosamente, como o que abriga o Santo Antônio Hotel de Charme.
A cidade tem formato linear, estende-se ao longo do rio e agora enfrenta um intenso processo de urbanização que breve a tornará conurbada à litorânea Luis Correia, a principal cidade das praias piauienses (o Piauí possui uma extensão de apenas 66 km de mar). Esse fato, numa cidade bastante pobre, com periferias repletas de habitações precárias e sem saneamento, vai agravar a mobilidade urbana, pois os locais de emprego concentram-se em dois eixos, no centro histórico e na avenida Pinheiro Machado que demanda a rodovia para Teresina.
A infraestrutura de mobilidade urbana apresenta ciclovias e grandes vias com passeios largos e canteiros centrais repletos de áreas de lazer e convívio ocupadas pela comunidade com muito vigor, além de parte da orla do rio, numa apropriação dos espaços públicos bastante diferente de Franca, onde vivo. Ao mesmo tempo, em bairros populares as pessoas ainda se sentam nas calçadas (em parte por causa do calor), levando vida e mais segurança aos moradores, que já começam a reclamar do aumento da criminalidade.
Como sempre que possível, fui a vários mercados municipais de Parnaíba, para conhecer um pouco do modo de vida local. Lá, encontrei uma sósia da humorista Fabiana Karla vendendo doce de buriti, que sempre trago de minhas viagens ao nordeste. Na praça principal, um índio pataxó (como aqueles que o Padinha e o Wagner Deocleciano gostavam de trazer a Franca) montou uma barraca e passava o dia vendendo uma garrafada que dava conta de qualquer mal, de “refluquis” a pedra nos rins, passando por dor nas pernas e erisipela. Nunca vi um índio que falasse tanto (e com sotaque da Bahia), a beberagem podia ser usada até como “engrossa-pau”, segundo o vendedor.
As praias são bastante diferenciadas, algumas belíssimas. A Praia do Arrombado é uma delas, com sua extensa faixa de areia branca e céu azul, ainda vazias de turistas, ideal para naturistas e peladões. A praia da Pedra do Sal destaca-se por causa dos enormes blocos rochosos arredondados que invadem o mar e que, quando as marés baixam, guardam poças d’água que evaporam, deixando montículos de sal. Uma das coisas interessantes (lembrei-me da Tati Simone) é o grande parque eólico que acompanha a nesga de areia branca, com seu desenho esbelto a produzir energia elétrica com baixo impacto ambiental.
Já a mais frequentada, a de Atalaia, surpreendeu pelo turismo popular. Milhares de pessoas e ônibus invadem suas areias e o governo erigiu grandes estruturas onde as pessoas ficam à sombra e podem comer o que trazem de casa (seria a tradicional “farofa”, que nas praias paulistas são perseguidas pelos higienistas e elitistas, que querem as praias privatizadas). Decepção foi a “Lagoa do Portinho”, cartão postal abandonado com dunas sinuosas e um lago de água doce.
O passeio pelo delta é interessante, mas cansativo. Embarca-se no Porto dos Tatus, que fica na Ilha Grande, local de passagem pela sede das mulheres rendeiras, que fizeram o vestido de dona Marisa na posse de Lula. Depois, é muito tempo dentro de uma “voadora” para quem tem medo de água. São 54 ilhas, meandros e mais meandros com todo tipo de vegetação de manguezais. As dunas são belíssimas, se integram à paisagem dominada pelo mangue. A revoada dos guarás que encerra a turnê numa ilhota no meio das águas é bonita, mas é preciso guardar muita distância para não espantá-los.
Quanto à culinária, os peixes são ótimos. Minha referência é meu velho amigo Zé Lázaro, sujeito sofisticado, viajado e culto, especialista em vinhos e bons restaurantes. Por isso, inventei uma classificação do tipo “isso merece 3 Andrades”, melhor que a utilizada pela Embratur. Fomos ao restaurante Mangata (que significa luz do luar no mar, a luz que orientava os navegantes antigos), um espetáculo. A arquitetura do lugar, o atendimento e a comida valiam “5 Andrades”, mas alguns detalhes a impediram de obter o grau máximo, mesmo assim recomendo. Depois conto do Parque das Sete Cidades.
sobre o autor
Mauro Ferreira é arquiteto.