Atualmente, os que exercem a docência no curso de Arquitetura e Urbanismo têm se deparado com certas exigências nas reformulações dos métodos de ensino, onde são requeridas as metodologias ativas que colocam o aluno no centro da ação, reservando ao professor o lugar de tutor, guiando os grupos na solução de situações-problema e enfatizando o desenvolvimento de suas habilidades e competências.
Para a formação do arquiteto urbanista, sem dúvida nenhuma a metodologia de ensino mais ativa que pode haver é a experiência de uma viagem de estudos, que deve ser incentivada em todos os aspectos, pois ensina o aluno a conhecer não apenas espaços, mas também modos de vida, pessoas e lugares. Conceitos trazidos em sala de aula como urbanidade e vitalidade urbana precisam ser vivenciados e sentidos verdadeiramente, ao que se incluem as percepções individuais ao se percorrer obras arquitetônicas analisadas em salas de aula, cuja experiência – em épocas de hiper-virtualidade – é insubstituível.
Recentemente, estivemos no Rio de Janeiro conduzindo um grupo de 22 alunos do Instituto Presidente Antônio Carlos de Porto Nacional – ITPAC, de Tocantins, cuja principal missão em cinco dias de viagem foi a de mostrar uma outra realidade de cidade e de cotidiano muito distinta a da vivenciada pelos estudantes da região norte do país, dentre os quais a maior parte havia sequer viajado de avião e alguns tampouco conhecido o mar. Frente a esta simbólica distância dos grandes centros urbanos, nosso desejo foi acercá-los à história, à arte e à metrópole, intuindo despertar nestes jovens graduandos uma reflexão crítica entre a realidade Norte/Sudeste, entre obras arquitetônicas vistas em aula e logo vivenciadas durante a visita; e entre a vida simulada no noticiário do jornal e real experienciada pelas ruas da cidade. Da mesma forma, buscou-se uma certa injeção de ânimos frente aos tempos presentes de temeridade.
Uma premissa inicial de nós professores era a de rejeitar o aluguel de ônibus particular para nossos deslocamentos, ou seja, nos moveríamos pelo Rio de Janeiro em transporte público e, em alguns casos, utilizando o uber. Com isto, buscava-se uma maior interação dos estudantes com as dinâmicas cotidianas da cidade, além de propiciar maior independência na compreensão e interação com o tecido urbano. E assim aconteceu. Passados os dois primeiros dias de viagem, conhecendo o metrô, o bondinho, o ônibus, o VLT, o BRT e outras formas de locomoção urbana, logo os estudantes se apropriaram da cidade e já realizaram seus próprios roteiros nos momentos livres com liberdade e flexibilidade. Alguns optaram por assistir à noite um jogo no Maracanã, assim como outros que subiram o Pão de Açúcar, os que voltaram sozinhos de Santa Teresa para percorrer a Lapa e uns outros tantos que mergulharam pela primeira vez nas praias da Zona Sul.
Houve passeios em alguns exemplares singulares da nossa arquitetura antiga, moderna e contemporânea. A ideia era a de direcionar os olhares para a relação entre a obra e o contexto, a arquitetura e o espaço urbano, confrontando o entendimento de cidade de acordo com sua respectiva temporalidade. Os principais pontos visitados foram o Píer Mauá e Museu do Amanhã, o bairro de Santa Teresa e o Centro Cultural Parque das Ruínas, Niterói e MAC, Aterro do Flamengo e MAM, Cinelândia e Teatro Municipal, Centro e Palácio Capanema, Copacabana e Morro da Babilônia/Chapéu Mangueira, Barra da Tijuca e Cidade das Artes e da Música.
Destacamos um momento ímpar para os estudantes do Tocantins: a visita guiada ao Morro da Babilônia/Chapéu Mangueira. Sendo realizada com um guia local, credenciado à Associação de Moradores Morro Chapéu Mangueira, foi-nos apresentada uma vívida realidade da cidade maravilhosa. Subimos o morro, conversamos com os moradores, percorremos suas vielas e becos, chegamos aos mirantes com suas belas vistas e almoçamos na comunidade. Os alunos, a princípio ansiosos, aflitos e inseguros, logo se sentiram muito à vontade na favela, tentando desvendar a complexidade na trama de relações que se estabelecem ali, perguntando ao nosso excelente guia Dinei sobre o cotidiano na favela, se os Correios entregavam carta, se as grávidas subiam aquelas escadas, se a UPP realmente trazia segurança e como chegava água e eletricidade. Certo momento, um aluno – acostumado com uma realidade urbana na qual sobram vazios urbanos e a principal questão fundiária passa longe da escassez – pergunta:
– Mas as pessoas não têm medo de irem construindo assim, umas em cima das outras?
O guia responde:
– É necessidade, mermão… necessidade!
Nesta viagem, percebemos, enquanto professores, a crescente percepção dos alunos para os espaços visitados, como por exemplo o edifício da Cidade das Artes e da Música, que nos deu um ótimo parâmetro de comparação entre a qualidade de espaço público dos bairros tradicionais do Centro e Zona Sul e os realizados na Barra da Tijuca, além da inegável qualidade arquitetônica de Portzamparc em detrimento do insípido projeto de Calatrava para o badalado Museu do Amanhã. A monótona paisagem urbana da Barra evidencia o modelo de desenvolvimento carro-condomínio-shopping, onde notaram a enorme diminuição de pessoas caminhando pelas ruas e calçadas, além sentirem certa dificuldade de localização naquele contexto ao se chegar por meio de transporte público. A monumentalidade do edifício e sua expressão plástica em meio às vias expressas rodoviárias nos deram insumos para discutir a presença urbana da arquitetura, bem como sua força no que diz respeito à luminosidade, as vistas ao entorno natural do Rio de Janeiro e sua configuração espacial singular naquela grande plataforma do imenso navio atracado na Barra. Com certeza nos recordamos dos textos de Flavio Villaça ao indagar o equívoco na escolha do sitio na Barra da Tijuca, mal servida de transporte público e autista em relação a cidade. Choramos juntos ao descobrir que o projeto estava pensado inicialmente para o Aterro do Flamengo.
Entre as memórias desta viagem, permanece vívido o contentamento dos alunos nesta grande experiência urbana proporcionada, mesmo que breve e um tanto quanto corrida, mas igualmente intensa e de grande valia para a formação do caráter intelectual do futuro arquiteto urbanista. Enquanto metodologia indiscutivelmente ativa, a viagem de estudos deixa marcas não apenas nos estudantes para quem novos horizontes se abriram na percepção da cidade, do urbano e de outras realidades, como também na experiência docente, que sai enriquecida e renovada através da reafirmação do óbvio: no ensino da arquitetura e urbanismo a melhor sala de aula é a cidade.
sobre os autores
Roberto de Almeida Bottura é arquiteto urbanista, formado pela Puc-Campinas e mestre em Teoria e História da Arquitetura pela Universitat Politécnica de Catalunya. Atualmente é docente no curso de arquitetura e urbanismo do ITPAC – Porto Nacional e pesquisador do Núcleo de Estudos, Pesquisas e Práticas em Urbanismo – Neppur.
Ana Carla de Lira Bottura é arquiteta urbanista pela Universidade Federal da Bahia – UFBA, Mestre em Antropologia Urbana pela Universitat Rovira i Virgili (Tarragona/ Espanha) e Doutoranda em Arquitetura e Urbanismo no Instituto de Arquitetura e Urbanismo – IAU USP. Atua como docente de disciplinas de Urbanismo no ITPAC – Porto Nacional.