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research

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architectourism ISSN 1982-9930

Pôr-de-sol em São Paulo. Foto Claudia Stinco

abstracts

português
No artigo relato experiências na cidade de Nápoles durante um período de estudos. Procuro perceber a cidade por meio dos sentidos, alimentando reflexões sobre a noção de ambiência, no âmbito do tema dos entornos de bens culturais.

english
In the article I report experiences in the city of Naples during a period of studies. I try to perceive the city through the senses, feeding reflections about ambience, in the context of the theme of surroundings of cultural heritage.

español
En el artículo reporto experiencias en la ciudad de Nápoles durante un período de estudios. Intento percibir la ciudad a través de los sentidos, alimentando reflexiones sobre la noción de ambiente, en el marco del tema del entorno de bienes culturales.


how to quote

MENDES, Carina. Nápoles. Percepções de ambiências. Arquiteturismo, São Paulo, ano 14, n. 160.04, Vitruvius, jul. 2020 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquiteturismo/14.160/7820>.


Pode-se dizer, com alguma margem de segurança, que grande parte dos arquitetos que trabalham na área do patrimônio cultural nutrem especial admiração pela Itália. Isso porque o país, além das camadas históricas que acumula em seu amplo acervo arquitetônico e urbanístico, é conhecido por saber preservá-lo. Dessa forma, eu, que tenho dedicado minha vida profissional à causa do patrimônio cultural, seja pelos estudos acadêmicos como pela atuação profissional, não sou ponto fora da curva: sempre alimentei a vontade de conhecer o país e entender melhor como se dá a preservação do patrimônio por lá.

A oportunidade começou a se desenhar em 2016, quando ingressei no doutorado no intuito de estudar os entornos de bens tombados, uma ferramenta utilizada aqui no Brasil pelos órgãos de preservação e que permite proteger áreas próximas aos imóveis ou conjuntos tombados. O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan, local onde trabalho, tem se pautado nos conceitos de visibilidade e ambiência para a proteção dessas áreas, cuja proteção, em geral, desdobra-se na regulamentação de parâmetros urbanísticos. Entendendo que havia algumas problemáticas relativamente à concepção e à aplicação desse instrumento, propus estudar, além da nossa, uma outra realidade a fim de aprofundar meus estudos.

Piazza e Chiesa del Gesù Nuovo (Praça e Igreja de Jesus Novo), Centro Histórico, Nápoles, Itália
Foto Carina Mendes dos Santos Melo, 2018

Uma bolsa Capes, concedida em 2018, e a aceitação de um professor da Università degli Studi di Napoli – Federico II em me supervisionar durante o estágio sanduíche, permitiram essa experiência fantástica: conhecer e vivenciar um país que respira patrimônio. A cidade? Nápoles!

Nápoles é a capital da Campânia, região ao Sul da Itália. É uma cidade que suscita dois tipos extremos de reação: ame ou odeie. Num primeiro olhar rápido e rasteiro como são aqueles das excursões turísticas, observa-se a confusão de suas ruas, o trânsito caótico, o problema crônico do lixo e os trechos de construções mal conservadas e sujas. Mas é preciso ir além para entender Nápoles e perceber suas nuances e sua autenticidade. De pronto lembrei-me do filme Benvenuti al Sud (Benvindo ao Sul), uma comédia italiana divertidíssima que conta a história de um funcionário dos correios que trabalha no norte do país, região mais fria, rica e polida, e que, por uma série de circunstâncias, acaba sendo transferido a uma cidadezinha do sul. Ao chegar, carregado de seus preconceitos; vivencia um certo confronto de culturas (norte versus sul); e acaba se apaixonando pela calorosa experiência proporcionada pela cidade, pelas pessoas e pelo modo de vida mais leve e descontraído.

Piazza Dante, Nápoles, Itália
Foto Carina Mendes dos Santos Melo, 2018

Com efeito, há algo em Nápoles que extrapola seus problemas e cuja beleza é incomparável. Digo não só do que é construído, isto é, o seu incrível conjunto arquitetônico, a conformação peculiar de suas ruas, as suas inúmeras e belas igrejas (era conhecida nos séculos passados como a “cidade de quinhentas cúpulas”), mas refiro-me também ao que é impalpável, e que alcança nossos sentidos para além da visão. Vejamos.

Ao sair da Stazione di Napoli Centrale, deparamo-nos com a Piazza Garibaldi e uma arrojada estrutura metálica que a cobre parcialmente. É uma intervenção contemporânea que permite uma interessante percepção do ambiente urbano e não interfere na sensação de espaço aberto e céu amplo, próprio da configuração da praça. O primeiro desafio é, contudo, atravessar as vias a pé. Sim, existem semáforos e faixas de pedestres, porém eles contam pouco, ou nada, para organizar os fluxos. Carros na contramão, pessoas atravessando em qualquer ponto da via, e o sinal, se aberto ou fechado, parece pouco importar; não é ele a ditar as regras. Alguns minutos e logo entende-se o código: para atravessar deve-se acompanhar uma pessoa local, pois, com alguma firmeza e determinação, os automóveis cedem a vez.

Piazza Garibaldi, Nápoles, Itália
Foto Carina Mendes dos Santos Melo, 2018

Seguindo pelo Corso Umberto I as impressões se modificam. Esta avenida, aberta em fins do século 19 e que recebeu o nome do rei da Itália da época, foi executada no bojo das reformas urbanas empreendidas na cidade após o surto de cólera de 1884. É larga e comprida quando comparada aos trechos mais antigos da cidade e, para sua abertura, procedeu-se à demolição de trechos significativos da malha urbana; ação pautada no discurso de combater a insalubridade das estreitas vielas e aglomerações. Assim, na avenida estão edificações de porte monumental, de 5-6 andares em geral, dentre elas o próprio edifício sede da universidade.

Percorrido o Corso, minha vida acadêmica orbitava entre a Faculdade de Arquitetura, na Via Toledo e o Palazzo Gravina, na Via Monteoliveto. Entre as conversas com o supervisor, as aulas e as longas horas dispensadas na biblioteca, pude vivenciar especialmente esse trecho do tecido urbano. E, no contato com o professor e com os estudantes, fui descobrindo lugares mais peculiares.

Rua do Centro Histórico, Nápoles, Itália
Foto Carina Mendes dos Santos Melo, 2018

Descoberta incrível para quem é estudante-bolsista na Itália são os esquemas de restaurante tavola calda, em que as travessas com massas, carnes e acompanhamentos ficam expostos numa vitrine e você compra por porções a preços muito acessíveis (geralmente mais baratos do que um prato feito no Rio de Janeiro). Perto da universidade virei frequentadora do Spiedo d’Oro, na Via Pascuale Scura. Além da massa deliciosa e da porção generosa, as travessas eram substituídas em ritmo acelerado em função do fluxo intenso de estudantes, o que mantinha a comida sempre fresquinha. Nestas buscas por refeições nas ruas de Nápoles, deparei-me com coisas muito curiosas, como torta de macarrão, macarrão com feijão e pizza de batata. Isso, somado ao fato de toda refeição acompanhar uma cestinha de pão, me levou à conclusão de que carboidratos, e uma certa dose de combinação entre eles, é perfeitamente aceitável para os italianos.

Cafés e confeitarias tem aos montes, para todo gosto e bolso. Eu costumava encostar no balcão do Leopoldo após o almoço e tomar um delicioso cappuccino, pois tenho que confessar que não me acertei com o cafezinho puro de um dedo de xícara. Por vezes, me deixava seduzir pelas vitrines e incluía um docinho de acompanhamento. Sfogliatella, cannoli, babà... Impossível resistir! A programação de estudante contava ainda com encontros no final da tarde na Piazza Bellini, para papear e tomar um Aperol Spritz, com um pouco menos de glamour que nos bares mais requintados, mas a um justo preço de estudante.

Balcão da cafeteria Leopoldo, Nápoles, Itália
Foto Carina Mendes dos Santos Melo, 2018

Torta de macarrão, Nápoles, Itália
Foto Carina Mendes dos Santos Melo, 2018

Nas redondezas da universidade há outros programas agradáveis. Para quem não consegue desapegar dos estudos, mesmo nos momentos de pausa, há uma livraria especializada em arquitetura na Via Diodato Lioy, e vários sebos no acesso ao Centro Histórico pela Piazza Dante. Há também o Museo Archeologico Nazionale di Napoli, que abriga um rico acervo de arte, história e cultura da Antiguidade. Como estudante tem acesso gratuito, pude retornar algumas vezes e percorrer com calma suas salas e exposições. Aliás, cabe destacar que neste museu encontram-se afrescos e mosaicos retirados nas escavações de Herculano e Pompeia, o que complementa a visita aos sítios arqueológicos. Ah, e não deixe de visitar o Gabinete Secreto. É de surpreender!

Minha proposta de estudos na Itália não se pautava exclusivamente no acesso a arquivos e bibliotecas, pressupunha encarar a própria cidade, ou pelo menos, trechos delas, confrontando aspectos da malha urbana com as práticas de preservação, a fim de melhor compreender seus efeitos. Em termos acadêmicos, partia da seleção de estudos de casos a serem investigados a fim de embasar a minha hipótese. Assim, explorei áreas para além do entorno da universidade.

No meu entendimento, o Centro Histórico de Nápoles é seu coração. Não só por causa do desenho de suas ruas e das características de suas construções, mas pela sua vivacidade. Sabe os filmes italianos clássicos, aqueles em que vemos o desempenho um tanto caricato dos atores e atrizes? Tom de voz, forma de falar e gesticular, a cena caótica ou dramática, os sentimentos aflorados... Nas estreitas vielas e nos pátios internos da antiga Nápoles reconhece-se fortemente essa permanência. A proximidade das construções permite desde os varais atravessados de fachada a fachada, até as conversas que atravessam a rua, de janela a janela. Nos pátios, os vizinhos convocam-se no grito: – Alécioooo!!!, nada de interfones. Na tradicional e enfeitada Pizzaria Sorbillo, um senhor entoa canções italianas da sacada diariamente, convidando à pausa os transeuntes. Porém, é preciso estar atento às motos e vespas... Sim! Elas parecem brotar de todos os cantos e passam freneticamente pra lá e pra cá. Uma amiga napolitana me dizia que não precisava me preocupar, porque elas desviavam... Mas, cabe ficar alerta!

Fora já do tradicional Centro Histórico, no final da Via Toledo em direção ao mar, situa-se a Piazza del Plebiscito, um dos meus estudos de caso. A praça configura-se como um grande vazio urbano num tecido caracterizado por uma ocupação densa. Assumiu sua forma atual durante o século 19, mas desde a fundação da cidade possui vocação como espaço público e de encontro, mantendo ao longo dos séculos papel central no cotidiano da cidade. As diretivas de proteção que se estabeleceram para essa área tiveram por objetivo preservar a percepção dos monumentos situados no seu perímetro, e que a emolduram, mantendo-se as visadas de quem de dentro da praça olha para o contexto que a circunda e de quem, de fora, olha para ela a partir dos mirantes da cidade. Vale de fato experienciar esse vazio de 25.000m² e circular pelas galerias e colunatas que o rodeiam.

Meu segundo estudo de caso é um trecho da orla de Nápoles, ou Lungomare, que se estende do Molosiglio ao Largo Sermoneta, cuja proteção pretendeu resguardar as visuais do Castel dell´Ovo, o desenho da orla definido pelo muro de quebra-mar oitocentista, e o panorama do litoral. Partindo da Piazza del Plebiscito, um dos caminhos para o Lungomare é pela Via Chiaia. Trata-se de uma rua com muito comércio, lojas, restaurantes, cafés, e, nela, nota-se a diferença de tratamento em relação ao Centro Histórico mais antigo. É mais organizada, quase não há lixo, as construções são mais conservadas e, apesar do movimento, é mais silenciosa.

Outro caminho para o Lungomare é pelas ruas da região do Pallonetto e Santa Lucia, cujo acesso se dá pelo outro lado da Piazza. Aqui, a experiência é outra. Essencialmente residencial, as ruas são bem menos movimentadas, com pouco comércio, suficiente para atender aos moradores. A profusão de varais de roupas pelas fachadas, e mesmo pelas calçadas, ambientam as ruas com os cheiros perfumados dos amaciantes.

Rua da região do Pallonetto e Santa Lucia, Nápoles, Itália
Foto Carina Mendes dos Santos Melo, 2018

Os dois caminhos conduzem a uma bela visão panorâmica da orla, onde num dos extremos assenta-se o Castel dell’Ovo, monumento secular, sempre presente nas representações que se faz da Baía da Nápoles. O caminhar pelo calçadão é silencioso e acompanhando da brisa e do cheiro do mar. A vista vai acompanhando os enrocamentos e quebra-mares de pedra calcária branca, que seguem rentes à orla, com certo tom de aridez.

Para uma mudança de ponto de vista vale a subida ao Castel Sant’Elmo. Organize-se para esse programa, pois requer deslocamento com transporte público. De lá, temos uma visão 360 graus da cidade; é possível avistar do Centro Histórico ao Lungomare e observar o vazio da Piazza del Plebiscito. Olhando na direção da Stazione Napoli Centrale, você vai se surpreender com um conjunto de edifícios altos ali próximos, apelidado de Manhatan. Ainda que os italianos não sejam amantes dos arranha-céus (1), parece que os napolitanos conseguiram encontrar um lugar para eles.

Vista a partir do Castel Sant’Elmo para o Centro Histórico com o Vesúvio ao fundo, Nápoles, Itália
Foto Carina Mendes dos Santos Melo, 2018

Em retorno ao Brasil, prossegui os estudos. Avançando em um dos propósitos da minha tese, de atualização conceitual dos entornos, tomei conhecimento de laboratórios no Brasil e no exterior que vêm refletindo e propondo abordagens sensíveis dos ambientes urbanos, com base na noção de ambiência. Nesse contexto, a ambiência “enfatiza a atividade de percepção dos sujeitos e o papel das práticas sociais na concepção sensível do ambiente construído permitindo, dessa forma, que se preste maior atenção às tonalidades afetivas da vida urbana” (2).

Nesse sentido, compreendi que me deixei impregnar pelas tonalidades afetivas de Nápoles, conduzindo à reflexão de que a proteção de entornos, deveria centrar-se na noção de ambiência e que a preservação deveria extrapolar a rotina de estabelecer parâmetros urbanísticos. Afinal, que Nápoles se estaria preservando, se fossem eliminadas suas cores, sons, cheiros e sabores?

Via Chiaia, Nápoles, Itália
Foto Carina Mendes dos Santos Melo, 2018

notas

1
DE FUSCO, Renato. Architettura italo-europea: cultura del recupero e cultura dell’innovazione. Milano, FrancoAngeli, 2005, p. 84.

2
THIBAUD, Jean-Paul. A cidade através dos sentidos. Cadernos Proarq, n. 18, v. 1, 2012. Grifos da autora.

sobre a autora

Carina Mendes dos Santos Melo é arquiteta e urbanista e mestre em História e Preservação do Patrimônio Cultural pela UFRJ. Atualmente é doutoranda em Arquitetura e Urbanismo da UFF, tendo realizado período sanduíche na Itália com bolsa da Capes. Desde 2006 é arquiteta do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.

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