Findo o maior evento sobre o meio ambiente do mundo (1), a conclusão mais significativa que deixa é a de que não passou de uma aferição de cronômetro na contagem regressiva para caos ambiental.
O jornalista Milton Parron, com a sabedoria de seus vários anos de jornalismo e sua sagacidade habitual, sintetizou com precisão como deve ser nossa preocupação com a preservação ambiental: "A Terra é nossa casa! Se não cuidarmos bem dela ainda não dá para mudar para o vizinho!" Contrariando essa lógica, o discurso do representante dos EUA, Colin Powell, citando frase do Presidente George W. Bush segundo a qual: "o comércio é o motor do desenvolvimento", reduz a preocupação ambiental em níveis de mercado e lucratividade. No caso, o problema não deve ser tratado como um negócio, mas como um paciente rico que precisa fazer um tratamento caríssimo para continuar vivo. Teoricamente, ele priorizará seu processo de cura, relegando seu lucro, temporariamente, a um segundo plano. Afinal, de nada lhe valerá a riqueza se perder a oportunidade de aproveitá-la ou ostentá-la! Seguindo essa lógica, as decisões do evento justificam o coro dos delegados e ativistas ambientalistas, que afirmam que foram traídos pelos governantes.
Questões como: emissão de poluentes, energia renovável, água potável, disposição final de resíduos urbanos e industriais, e o extrativismo predatório, apresentaram evolução tímida, senão imperceptível. E o maior paradoxo ainda persiste: as nações, mesmo as mais pobres, ainda investem mais em meios de destruição, altamente poluentes e duradouros (armamento químicos e nucleares) do que na solução de problemas ambientais e sociais.
Os próprios EUA gastaram muito mais na Guerra do Golfo que o US$ 1 bilhão que prometem investir em programas de desenvolvimento de tecnologias para redução da emissão de poluentes. No mais, pode até fazer isso em seu território, mas, dificilmente, nas fábricas que as multinacionais mantêm nos países em desenvolvimento. Prova disso é que a exportação de resíduos ainda continua sendo uma solução adotada por muitas nações desenvolvidas, sempre cercada de segredos e com a conivência de governos ditatoriais e corruptos.
Mas será que é tão difícil implantar políticas de preservação ambiental? Se a Rio+10 se limitou a sugerir metas, alguns países desenvolvidos já haviam adotado, antes mesmo dela, objetivos formais com cronograma. A Alemanha, por exemplo, já trabalha para que 15% de sua matriz energética seja constituída de fontes renováveis ainda nesta década. Não é por acaso que os "verdes" (Partido Verde) têm, nesse país, sua maior representação parlamentar. Enquanto isso, os EUA planejam uma nova guerra com o Iraque pensando mais em assegurar suprimentos petrolíferos (como já o fez na do Golfo, aliás) do que na real ameaça que seu antigo aliado, Sadam Hussein, representaria para o mundo.
As ONGs também têm exercido um importante papel na fiscalização e denúncia de agressões ambientais. Paira sobre algumas, entretanto, a desconfiança de serem financiadas por grandes corporações econômicas e políticas, com o intuito de utilizá-las como instrumento de cerceamento de iniciativas de desenvolvimento de nações emergentes.
Lavoisier sintetizou o princípio de que "nada se cria, tudo se transforma". A reciclagem de resíduos urbanos e o aproveitamento de subprodutos industriais já provaram sua viabilidade econômica em vários setores. Além das vantagens comerciais, também têm se apresentado como importantes meios de inserção social e mitigação dos aspectos mais nefastos da pobreza: a fome e o desemprego. Programas de aproveitamento de sobras de produtos alimentícios e de coleta seletiva de lixo urbano demonstram que a parceria entre governo, iniciativa privada e comunidades carentes organizadas, pode resolver problemas de matéria-prima e redução de custos de produção, com um valor agregado de inestimável importância: o resgate da dignidade humana! No caso da coleta seletiva a designação: "trabalhadores ecológicos" dada aos "carrinheiros", é mais que politicamente correta.
Mas iniciativas como essas ainda são percentualmente insignificantes. Prova disso é que os locais de disposição final de resíduos urbanos estão cada vez mais distantes, elevando custos (impostos) e ampliando a degradação ambiental.
No caso dos resíduos e subprodutos industriais, o controle e redução dos níveis de poluição dependem da reformulação e, na medida do possível, integração de pólos produtivos. Estas providências, por sua vez, estão subordinadas à convergência consciente de diretrizes governamentais e interesses corporativos, aliados à efetiva participação de organismos de pesquisa científica.
Tão importante quanto o ar é a água potável! Apenas, preocupante, 1% da água no mundo está em condições de ser aproveitada para consumo humano. Nos grandes centros os mananciais estão sendo buscados a distâncias cada vez maiores, e os níveis dos lençóis subterrâneos estão diminuindo. O tratamento quaternário – que devolve águas servidas à condição de potáveis – ainda é de difícil implementação técnica e financeira. A captação de águas pluviais (chuva) para aproveitamento em usos diversos (lavagem e descargas) surge como medida imprescindível nas áreas urbanas e industriais. Mas a maior perversidade está na dificuldade de acesso de alguns povos a esse bem elementar.
Já no âmbito da geração de energia mediante fontes renováveis (luz solar, vento, biomassa, etc.), os avanços são mais significativos. A experiência brasileira com a utilização do álcool combustível é um exemplo que deve ser retomado, exorcizado dos "vícios" anteriores.
Mas ainda há que se investir muito na otimização de meios de captação, distribuição, armazenamento, e na redução de custos da energia gerada tanto pelos meios convencionais quanto pelos, hoje, alternativos. Até meios antes inusitados, como as descargas elétricas atmosféricas – a não ser no abstracionismo de gênios como Benjamin Franklin –, passaram a ser analisados.
No caso da energia nuclear – tecnicamente um dos meios mais eficientes de geração de energia –, a neutralização da radioatividade dos resíduos continuará a ser um sério desafio por muitos anos, pelo que sua utilização passou a ser estrategicamente desaconselhável, ainda mais com os riscos agregados pela extinção da URSS e pela crescente tensão político-econômica mundial.
É certo que as iniciativas podem ser adotadas individualmente, como a Rio+10 recomenda, mas os objetivos de redução do aquecimento global e da poluição ambiental, da preservação e recuperação de espécies animais e vegetais (e da própria espécie humana, por conseqüência), e da eliminação das exclusões sociais só serão atingidos com iniciativas generalizadas.
Só evitaremos que o mote "desenvolvimento sustentado" vire mito, se todas as nações assumirem compromissos efetivos com o cumprimento das metas. Senão continuaremos a ter protocolos e cartas de intenções inócuos, e cada vez menos tempo para tomar providências que já não são mais preventivas, mas corretivas. E como nas nossas casas, adiar a solução de problemas é diretamente proporcional ao seu agravamento, até o limite do desabamento... do irrecuperável... do definitivo.
A cobrança da população é fundamental, sim! Pois, ao contrário dos poderosos – que sempre terão seus bunkers para se esconder e proteger – todo o impacto do que já se fez, e do que não se fizer, caíra sobre nossas cabeças.
Esperemos que as próximas reuniões mundiais sobre o tema não sejam mais recheadas de alertas e reiterações, mas de celebração de resultados positivos efetivos.
Que nossas gerações possam conhecer esse tempo de retorno do equilíbrio da Natureza. E que ele seja fruto da evolução intelectual dos seres humanos, e não de sua extinção ou mutação genética!
notas
1
World Summit on Sustainable Development Johannesburg 2002 (Rio + 10), Johannesburg, África do Sul, 26 de agosto a 4 de setembro de 2002. Website oficial: http://www.johannesburgsummit.org.
sobre autor
Adilson Luiz Gonçalves é engenheiro, professor da UNISANTOS e UNISANTA, e perito-avaliador