A história da valorização dos bens históricos e arquitetônicos teve início na Europa de meados do século XVIII, quando o desenvolvimento dos métodos científicos para escavações arqueológicas possibilitaram a descoberta e o estudo mais rigoroso dos monumentos da Antigüidade. No século XIX, com o movimento romântico e seu interesse pelas obras medievais, apareceram as primeiras propostas para a recuperação de edifícios e monumentos. Porém, foi somente a partir do Movimento Moderno, com a Conferência de Atenas, em 1931, que as questões da preservação e do restauro adquiriram a amplitude de políticas gerais, propondo o estabelecimento de métodos e posturas para o tratamento dos bens arquitetônicos, ao mesmo tempo em que inseriam os edifícios históricos no contexto da paisagem urbana.
No segundo pós-guerra, a reconstrução das cidades européias não só acendeu o debate sobre a restauração e renovação das áreas destruídas pelo conflito mundial, como deu início a uma série de ações de renovação urbana que passaram a dominar as intervenções urbanísticas até os anos 70. Muitas dessas ações tiveram conseqüências terríveis para a vida dos centros históricos das cidades: ou foram abandonados, ou transformados em objeto de investimentos especulativos. Em ambos os casos, houve um processo de degradação física e social que parecia irreversível.
As políticas públicas de revalorização de centros históricos surgiram em reação a esse tipo de renovação urbana. A cidade de Bolonha, na Itália, foi um exemplo pioneiro com a realização de um projeto de reurbanização em meados da década de 1960. O plano, implementado pelo governo municipal da cidade, ousou recolocar o centro histórico de Bolonha como o definidor da política urbana da cidade como um todo, retomando o significado da área central como elemento irradiador da ordenação urbana. Desde Bolonha, a política traçada para os centros históricos não pôde mais ser tratada de maneira autônoma e marginal à política territorial.
Em virtude de seu notável patrimônio econômico edificado, que não pode ser desperdiçado, abandonado, ou deixado nas mãos da especulação, o centro histórico foi também considerado um bem cultural inalienável por outras experiências européias.
Os princípios adotados na cidade italiana – a conservação e recuperação para uso social, bem como a criação de legislação para evitar as transformações de caráter espontâneo – estiveram presentes em outros planos urbanísticos desenvolvidos durante as décadas de 1970 e 1980. Barcelona, por exemplo, viveu experiências importantes a partir de planos populares, como o do Casc Antic, promovidos pela comunidade e pelo governo municipal. Paris, Londres, Nova York e Baltimore, entre outras cidades na Europa e na América também realizaram projetos de revalorização de áreas históricas, marcados pelo reaproveitamento de antigos edifícios e por sua integração às construções contemporâneas. No Canadá, por exemplo, a proposta para o centro de Toronto merece destaque pela ousadia do Dominiom Center, onde um edifício do século XIX ficou contido sob os pilares de uma das quatros torres de Mies Van der Rohe, e também pela impressionante estrutura de Santiago Calatrava, na Heritage Square, que abriga uma praça e um conjunto de edifícios históricos.
No Brasil, projetos de intervenção em áreas centrais disseminaram-se a partir do final dos anos 70. Em São Luís, no Maranhão, o Projeto Praia Grande, criado em 1979, e o Projeto Reviver, de 1987, vêm promovendo ações de urbanização e preservação nas áreas centrais e em outros setores históricos da cidade. Além da restauração de edifícios públicos, transformados em centros culturais, da construção de habitações para população encortiçada, da reconstituição de calçadas originais e das praças, houve a criação de incentivos legais para os proprietários de imóveis que investissem em sua conservação.
Outras experiências têm sido realizadas em Recife, Belém, Rio de Janeiro, Curitiba, Florianópolis, São Sebastião, Santos e São Paulo. Nem todas as ações, no entanto, têm a profundidade e a qualidade proposta pelo projeto que foi desenvolvido por Lina Bo Bardi para a área do Pelourinho, em Salvador, que integrava o uso popular do local com propostas de recuperação e preservação inovadoras, ao contrário do cenário colorido que acabou sendo parcialmente implementado.
A partir dessas e de outras ações já consagradas, pode-se afirmar que a consciência da necessidade de preservação dos centros históricos das cidades, pólos desencadeadores do planejamento urbano e territorial, parece consolidada.
A revalorização do centro de São Paulo tem sido objeto de várias instâncias -municipais, estaduais, federais e da iniciativa privada - que têm proposto projetos e realizado vários tipos de intervenções em edifícios isolados e em algumas de suas áreas urbanas mais significativas. A exposição (Re)conhecer o Centro destaca alguns dos projetos mais recentes, com propostas contemporâneas que requalificam os espaços degradados ou subutilizados. Mostra, também, um conjunto importante de obras que vêm sendo realizadas na área central da cidade de São Paulo, com intuito de dar uma dimensão das ações e ao mesmo tempo relacionar o antigo centro com a cidade contemporânea. Ao apresentar o novo e o velho pretende-se, de um lado, alertar para o risco de se transformar o redescobrimento cultural do centro e sua revalorização em retomada da especulação, que poderá impedir seu uso pelos mais pobres. Por outro lado, é preciso atentar para a tendência conservadora de culto ao passado, muito presente no senso comum, que não distingue o significativo do insignificante, e que aprisiona os bens históricos numa redoma intocável, fato que impossibilitará, no futuro, a prática da arquitetura de nosso tempo.
créditos
Exposição
São Paulo 450 anos - (Re) Conhecer o Centro
Curadoria
Gloria Bayeux e Rosa Artigas
Local e data
Museu da Casa Brasileira, 21 de janeiro a 14 de março de 2004
Apoio cultural
Vitruvius
sobre os autores
Gloria Bayeux é arquiteta e mestre em História e Teoria da Arquitetura. Trabalhou no DPH da Prefeitura de São Paulo, no Museu da Casa Brasileira e na Fundação Bienal de São Paulo, onde foi coordenadora do evento "Bienal - 50 Anos" e curadora da 7ª e 8ª edições da Mostra Internacional de Arquitetura da Bienal de Veneza.
Rosa Camargo Artigas é historiadora, pesquisadora, professora da Escola da Cidade, diretora da Oficina da Palavra-Casa Mário de Andrade e coordenadora dos livros “Paulo Mendes da Rocha”, “João Walter Toscano” e“Vilanova Artigas”. Co-curadora da 7ª Mostra de Arquitetura da Bienal de Veneza e pesquisadora da Exposição “Vilanova Artigas” no Instituto Tomie Ohtake