Um patrimônio arquitetônico e tecnológico como pano de fundo
Alto da Serra faz parte da história e da cultura social e dos valores do homem; do estágio tecnológico da humanidade e da arte preservada no local, fruto da vivência de uma comunidade que partilhou momentos de cidadania e de um presente cada vez mais distante da crucial realidade atual: neste ano de 2004, completa-se cento e trinta e sete anos da ferrovia que passa pela região do ABC, em direção ao porto de Santos. Por ela, foram transportados sacos e mais sacos de café e outros produtos brasileiros, matéria prima e manufaturados, para a Europa e vice-versa, de lá para cá, outros tantos industrializados e traduzidos em riquezas, divisas, dívidas e dúvidas. Em 29 de setembro comemorou-se, ainda, o Dia do Ferroviário e nesta data, também, os dezessete anos de tombamento estadual e o segundo em esfera federal da Vila de Paranapiacaba.
A configuração espacial da localidade ofereceu-nos uma tese acadêmica de doutorado denominada Vila Martin Smith, no Alto da Serra, em São Paulo, um exemplo típico de “Model Company Town. Foi objeto de investigação que se incorporou ao nosso cotidiano de pesquisado e docente universitário que, desde 1977, dentro do Grupo de Disciplinas de Programação Visual, do Departamento de Projeto, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo – FAUUSP, estabelece-se como espaço de pesquisa, especialmente nas disciplinas cujo enfoque é a comunicação visual urbana.
O processo em que se desenvolve o ensino, de forma pragmática e integrada às outras áreas do Departamento e da própria Faculdade, tem possibilitado abertura de pesquisas. E as nossas pesquisas têm caminhado em processo cíclico, alimentando o próprio ensino da arquitetura e do urbanismo, principalmente aquelas que envolvem aspectos do significado da paisagem aliada à ação do homem, que, na essência, é o significado da cidade. Da cidade que é paisagem mais população, com o sítio natural e todos os seus componentes como os rios, vales, morros, etc, e com as intervenções feitas pelo homem, como as vias de circulação, as edificações e todas as outras que representam a cultura da sociedade urbana. No dizer de Kevin Lynch em A imagem da cidade “os elementos móveis de uma cidade, especialmente as pessoas e as suas atividades, são tão importantes como as partes físicas e imóveis”.
O início do interesse pelo assunto: curiosidade
Na realidade, quando ainda estudante da FAUUSP, já tínhamos estas preocupações. Em 1972, portanto, 31 anos atrás, integramos um grupo que iniciou um trabalho acadêmico escolhendo como local de pesquisa, esta localidade que, construída no século passado, na Serra do Mar, no Estado de São Paulo, próxima de Santos, foi denominada Alto da Serra e hoje é conhecida como Vila de Paranapiacaba. Na ocasião, elaboramos um levantamento fotográfico do local e encabeçamos uma campanha no sentido de preservar a centenária Casa de Máquinas da primeira ligação férrea de 1867, na Vila, o que, de fato veio a ocorrer posteriormente.
O que não se conseguiu foi, infelizmente, a demolição do belíssimo viaduto metálico na localidade denominada Grota Funda (demolida e deixada no local) e também o desmonte da velha estação, um raro exemplar de edificação em legítimo estilo “Queen Anne” britânico.
Portanto, desde esta época, Alto da Serra permaneceu em nossa memória e posteriormente como pesquisador e docente da FAUUSP, produzimos juntamente com os alunos, trabalhos cujos temas, ligados a esse lugarejo, abordaram desde questões históricas vinculadas à sua origem, análises de sua implantação, sistema construtivo e tipologias habitacionais, grafismos e análise de sua visualidade até ensaios de intervenções em cenários perceptivos.
O interesse didático despertando interesse de todos
Em agosto de 1982, conjuntamente com o arquiteto Julio Abe Wakahara, orientamos alunos da FAUUSP para sistematizar levantamentos sobre esta Vila e seu sistema ferroviário, que constituem um patrimônio de valor cultural, tecnológico e social. Paralelamente, auxiliamos a formação, entre os moradores dessa antiga vila ferroviária, de uma sociedade de defesa de interesses comunitários, aos moldes de uma SAB, fundada em 25 de novembro de 1982.
Este trabalho de levantamento da Vila teve o aval do CONDEPHAAT e despertou interesse de várias pessoas e entidades preocupadas na preservação deste patrimônio, dando início a formação de uma comissão de estudos, denominada Comissão Pró-Paranapiacaba. Lembro, de memória, o empenho e as presenças de algumas pessoas, na ocasião: Wilson Stanzziani de Souza do Museu de Santo André, do Geraldo Demétrio da Associação de Engenheiros do ABC; da Naíra Morgado do CONDEPHAAT; dos moradores Oswaldo Teixeira, Antonio Carlos Santos Melo (Fanta), Jocelino Felix dos Santos, Wilson Manoel, Francisco Pinheiro, Antonio Bezerra da Silva, Francisco Cano, moradores e ex-moradores da Vila; de Julio Novaes, Ricardo Bogus e o saudoso Patrick Dollinger da Associação Brasileira de Preservação Ferroviária – ABPF; de Douglas e Regina do Sesi-Sesc de São Paulo; de Cláudia Muller do Diário do Grande ABC que, na ocasião, manteve permanente plantão na pauta do dia. José Ferreira, Ely Diniz da Silva Filho, Mário Silva e Eliseu Pires participaram e permitiram sempre um bom trânsito na Rede Ferroviária Federal – RFFSA, especialmente nos seus arquivos históricos.
O Movimento Pró-Paranapiacaba pela sua preservação
Em julho de 1983, a Comissão – na qual atuamos como membro representante da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo – promoveu um simpósio, propiciando um debate entre a população, entidades e responsáveis pelo conjunto ferroviário. Discutiu-se a destinação social da Vila e a preservação do sistema, hoje inoperante, porém importante pelo seu caráter histórico. Para essa Comissão, preservar a Vila era importante, pois o conjunto é um exemplar único, no Brasil, de um núcleo urbano que nasceu e sempre viveu em função da atividade ferroviária. A organização da Vila e das casas construídas de acordo com padrões ingleses constitui um importante documento arquitetônico do início do século. No final do simpósio, foi fechado algumas questões como a reativação da Escola do Senai para um centro de ensino e reciclagem da mão-de-obra da comunidade; a transformação do “Castelinho” em depositário da memória da Vila e de centro de pesquisas e estudos ligadas à ferrovia e ao meio-ambiente; do velho mercado revitalizado com sua função original de local de feiras de trocas, de alimentos e de artesanato, organizado e mantido pela população local (o mercado não deveria ser só uma lanchonete).
As casas de engenheiros da Avenida Rodrigues Alves abrigariam sedes de entidades ligadas à pedagogia do turismo, de defesa da cultura local, de associações e organizações.
O Clube Lira Serrano manteria o seu status de clube local.
Fechava-se o que se chamou de circuito cultural da Vila, o parque ferroviário com o funicular funcionando do Quarto ao Quinto Patamar e uma autêntica mostra dessa magnífica tecnologia in loco, ao vivo (diferente de cemitério de locomotivas e de locobreques e do fracasso atribuído, na época pela RFFSA da intransponibilidade de um viaduto próximo à Grota Funda).
Aventou-se na ocasião, à venda das casas aos moradores e ex-moradores (precedido de um firme compromisso de preservar as características originais do conjunto das edificações).
Na ocasião, a Prefeitura do Município de Santo André (em cujo território se encontra a Vila), declarou o distrito da Vila de Paranapiacaba em área de proteção ambiental e de interesse de preservação. O Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo – CONDEPHAAT e o responsável pelo mesmo assunto do Ministério dos Transportes, o PRESERVE, na pessoa da sua Coordenadora, Maria Elisa Carrazzoni engajam-se decisivamente na campanha.
Neste mesmo ano de 1983, efetuamos uma documentação da memória social com entrevistas e gravações com moradores e ex-moradores da Vila. Lembro, sobremaneira, das incursões com o Wilsinho Stanzziani, gravador em punho, para um papo com Leonor Cazarotto, o Zequinha da padaria, o Pinho, o João Rodrigues dos Santos – Joca, o João Guido Negrelli, o Bueno da farmácia, o maquinista José Hurtado Cano e os inesquecíveis Melita (Emily, que morou no Castelo) e o Durval Coelho da Silva.
Munidos desse material, pesquisas documentais, fotográficas, cartográficas e iconográficas, produzimos uma exposição que se denominou “Memória da Vila de Paranapiacaba”, apresentada por ocasião do Simpósio.
Pesquisas acadêmicas: a Vila e o Conjunto Ferroviário se tornam uma dissertação de mestrado e os desdobramentos do movimento
Um produto importante destas pesquisas resultou em nossa dissertação, "Expressão e representação do espaço urbano por meio da codificação visual da imagem: memória da Vila de Paranapiacaba", defendida na FAUUSP, em 1983. O objetivo principal da dissertação foi a exploração das linguagens do espaço urbano daquela localidade através do registro dos aspectos passados e atuais. A metodologia teve por base o estudo da paisagem urbana por meio da comunicação visual. A partir da dissertação montamos um audiovisual resgatando um histórico da Vila.
Em 1985 foi realizado novo simpósio, com a participação de novos organismos. Desta forma, o movimento se ampliou, originando a Comissão Especial Pró-Paranapiacaba vinculada à Prefeitura do Município de Santo André através da portaria 1.730/85.
Em 1987, pela resolução 037 de 30 de setembro, Paranapiacaba foi tombada como um bem cultural de interesse histórico, arquitetônico-urbanístico, ambiental e tecnológico, em cujo processo, às páginas 332, o CONDEPHAAT faz jus à nossa participação e na articulação do Movimento Pró-Paranapiacaba.
De 1983 até 1995 nossa participação com atividade acadêmica foi intensa. Resultou em orientação de vários trabalhos acadêmicos de graduação da FAUUSP, da Faculdade de Arquitetura da Universidade Mackenzie, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Moji das Cruzes, da Faculdade de Jornalismo da Universidade Metodista de São Bernardo de Campo, da Universidade do Grande ABC, etc. Participamos, também, de debates em rádio, de entrevistas na imprensa e de congressos e simpósios, sempre abordando temáticas ligadas ao espaço urbano do Alto da Serra.
Em 1990, tivemos a oportunidade de centrar nosso interesse por Paranapiacaba junto ao curso de pós-graduação da FAUUSP conjuntamente com a professora Elide Monzeglio acompanhando os professores da Univesidade de Torino – Itália, Atíllio de Bernardi e Franca Ceresa.
Desdobramento final: a Vila de Paranapiacaba vira tese de doutorado
De 1991 em diante, tivemos a oportunidade de retomar questões acadêmicas no Curso de Doutorado em Arquitetura e Urbanismo, na FAUUSP. Assim, decidimos, estimulado pelo nosso orientador Prof. Dr. Lauro Bastos Birkholz, manter nossas pesquisas ligadas ao Alto da Serra, na análise da parte da vila planejada, a Vila Martin Smith, desde suas origens urbanísticas e seu caráter exemplar de núcleo urbano em termos de oferecimento de habitações, infra-estrutura, serviços e atendimento ao trabalhador. Começa então, desta forma um trabalho de pesquisa que durou um ano e seis meses de dedicação exclusiva.
A tese de doutorado: passo-a-passo da pesquisa
Definido os objetivos da pesquisa, procuramos investigar a origem histórica da influência britânica para podermos entender a morfologia da Vila Martin Smith. Surgiu deste levantamento, a necessidade de relacioná-la a outros modelos urbanos semelhantes construídos, em contextos diferentes, em outros países. Decidimos pesquisar esses modelos urbanos na Europa, notadamente na Inglaterra, pois os ingleses eram os donos da companhia "The São Paulo Railway Co. Ltd." e, também, nos Estados Unidos. Neste país, ex-colônia britânica, foram implantados núcleos urbanos do mesmo tipo. A pesquisa deveria abarcar um período de vai de meados do século passado ao início do século XX, pois este período corresponde ao desenvolvimento da Vila Martin Smith.
Com o desenvolver da pesquisa, constatamos que no século passado surgiram muitos assentamentos industriais, nos quais era difícil encontrar habitações adequadas. Isto nos levou a pesquisar cidades que contivessem exemplares de habitações-modelos. Estas apareceram primeiro como propriedades industriais, onde providências para melhorias habitacionais eram mais preementes. As pesquisas se direcionaram para os Estados Unidos, na região da Nova Inglaterra.
“Model company town”
Conforme observamos, na região da Nova Inglaterra, nos Estados Unidos, no século XIX, a economia da industrialização propiciou o surgimento de "factory town", ou seja, aglomerado urbano projetado e produzido pelas indústrias com características modelares e por isso denominado "Model Company Town" (2). Este era gerenciado por um tipo de organização denominado "single-enterprise", um empreendimento que se caracterizava pela exploração de uma única atividade, que, no caso da região da Nova Inglaterra era uma atividade industrial de tecelagem, fiação, mineração, etc.
As “Model Company Town” se caracterizavam por promover desenvolvimento econômico aliado à melhoria da qualidade de vida de trabalhadores alocados nesses empreendimentos, através de investimentos em planejamento e construção civil.
Do acampamento à vila: um patrimônio arquitetônico
Neste mesmo período, o aperfeiçoamento internacional dos meios de transportes permitia ao Brasil assegurar a sua economia em um quase único produto de exportação: o café. Este gradativamente ganhou espaço como um bem de grande valor comercial e possibilitou o surgimento, aqui, da “single-enterprise” ferroviária. A ferrovia trouxe da Europa toda uma tecnologia inaugurada a partir da invenção do vapor, mas, aqui em São Paulo, enfrentou o desafio de vencer o grande desnível que separava o planalto paulistano da baixada santista, ou seja, a ligação das principais regiões produtoras do café ao seu terminal exportador, o porto de Santos. A solução deste grande problema exigiu muito tempo e demandou grandes capitais bancados pela Inglaterra.
Durante os trabalhos de construção da ferrovia na Serra do Mar vencendo os 798 metros que separavam São Paulo da Baixada Santista, foram necessários acampamentos provisórios ao longo das obras para os trabalhadores. Estes foram contratados para o desbastar matas, escavar e movimentar terras, bem como para construir o sistema funicular com os planos inclinados e patamares. O local escolhido para o acampamento principal, pela companhia empreendedora, ficava no topo da serra e era próximo das obras. Ao seu término, a grande maioria do pessoal foi liberada, permanecendo apenas os trabalhadores exigidos para a conservação da via, do maquinário e das operações de tráfego. Este local, era um vale circundado por morros, onde a Companhia, circunstancialmente, instalou o pessoal operacional, técnico e administrativo do sistema ferroviário, denominou-se Alto da Serra (3).
Com a construção da segunda obra de subida e descida da serra, o núcleo original se estendeu para as áreas vizinhas ao longo do vale. Porém, essa expansão urbana junto a outra porção do vale, em continuidade ao núcleo original de 1867, teve um controle mais rígido e planejado, dando início à implantação de um modelo urbano projetado, possivelmente o primeiro, existente no Brasil, ligada à atividade ferroviária. Na verdade, a extensão do núcleo original para a área vizinha, com a construção da Vila Nova ou Vila Martin Smith, vem comprovar a qualidade organizativa da empresa "single-enterprise", que centrada na atividade ferroviária de transporte do café, dispôs-se a investir no empreendimento de um modelo urbano, após a construção do segundo funicular.
Portanto, este novo conjunto, projetado pela companhia, formava um sistema disciplinarmente organizado através de uma técnica de aglomeração dispostas hierarquicamente e conforme um arranjo que definia o desenho das habitações. Isto vinha reforçar o aspecto britânico das construções já existentes, que eram arquitetonicamente diferenciadas pela utilização de sistema construtivo em madeira, a maioria em pinho-de-riga, porém trazia novidades quanto ao sistema construtivo pois as habitações possuíam uma tipologia pré-definida.
Após a construção e até hoje, Vila Martin Smith ocupa uma área planejada. A base das casas era feita em alvenaria, as paredes de vedação e as estruturas eram construídas em madeira. Esta solução técnica visava dar conforto térmico aos moradores, adotando um recurso natural para combater o elevado índice pluviométrico e de umidade na região. As instalações hidráulicas nos ambientes são bem visíveis.
A influência da revolução industrial inglesa do século XIX figurava em todos os conjuntos de casas. Suas chaminés, colunas de ferro, mãos francesas, inclinações de telhados denotavam as linhas clássicas do "victorian style" inglês. Ao invés da adaptação às cores locais, ocorria o inverso: a paisagem natural é que incorporava o tipo de construção, dando como resultado, características específicas ímpares, única encontrada no Brasil. Finalizando, podemos dizer que este sui generis aglomerado urbano em solo brasileiro, comporta soluções construtivas que tinham traços comuns à existente na "Model Company Town" norte-americana: tanto pela origem, administração e período; quanto pelo sistema construtivo e materiais. Ambos, a Vila Martin Smith e a "Model Company Town" eram produtos oriundos de um mesmo agente gestor: a "single-enterprise".
Vila Martim Smith no Alto da Serra, uma “Model Company Town”
As razões que motivaram o surgimento da "The São Paulo Railway Company Ltd." no Brasil e o fato dela ser a única proprietária da Vila Martin Smith e os condicionantes de seu surgimento e a sua importância é atrelada à economia do café. Com esta monocultura, surgiram novas cidades e culturas que emergiram com o imigrante. Destacando assim a configuração e a notável presença da "The São Paulo Railway Co. Ltd." como uma " single-enterprise" ferroviária.
A análise do núcleo urbano Alto da Serra que se delineia a partir da implantação da ferrovia, em princípio, um grande acampamento e que, posteriormente, incorporou a Vila Martin Smith mostra uma característica importantíssima: instalação de uma estrutura urbana necessária para exploração mercantil, como, também, um local onde os ingleses exerceram, simultaneamente, uma influência econômica e cultural, impondo um modo de vida e oferecendo um paternalismo presente até nos mínimos detalhes.
Finalmente pudemos destacamos as características da Vila Martin Smith, comparando-as com às das "Model Company Towns" norte-americanas da região da Nova Inglaterra.
Com base no desenvolvimento da tese, demonstramos, assim, que a Vila Martin Smith constitui, indubitavelmente, um exemplo típico de "Model Company Town".
Concluindo com a viabilidade do possível: saídas
Voltando às questões históricas, para melhor conceituar o que caracterizou a revolução industrial nos aspectos econômico, tecnológico e cultural do século XIX, a produção em série, reduziu a um único modo, os objetos, os modos de agir, o dia-a-dia, o viver, o produzir. A esta característica seguiu-se a grande concentração populacional nos centros urbanos onde se encontra a estrutura de produção e notadamente nos países menos favorecidos sobrou para a urbe do próximo século o conseqüente estado de miséria.
Neste século, que se findou, seguiu-se a revolução da automação, fruto do avanço técnico eletrônico que ligou a parte informacional às questões de interdependência econômica e social, pela possibilidade de expandir a informação e o conjunto de redes de comunicação cada vez mais denso. Portanto a revolução dita eletro-eletrônica embutiu às transformações sociais e econômicas da revolução industrial, um outro elo importantíssimo, o informacional resultando em mudanças qualitativas estabelecendo nova formas de artes, culturas, hábitos e enfim, consumos.
A cidade, sem dúvida, é o cenário das revoluções industriais e a rapidez das mudanças caracteriza estas transformações e suas expectativas: os locais mais distantes se metropolizam sem cessar, as megalópolis traduzem a Aldeia Global de Mc Luhan, o fenômeno da globalização e a rapidez de processamento da comunicação, característica essencial do próximo século iniciando o 3º milênio não impede a conseqüente queda da qualidade de vida e o aparecimento das crises sociais.
A sistemática com que se deve objetivar o espaço que contêm a natureza e o homem, ou seja, o meio-ambiente e o meio social implicarão nas transformações do espaço social na adequação com a realidade, no enfrentamento do sustento científico pela lógica criativa de suas construções intelectuais que fundamentam escolas, teses e interpretações no caminho da transformação do espaço ambiental com arte, compreensão e sobretudo, na simplicidade dos bons sentimentos, razão de ser que deve cercar as pessoas que virão na Revolução do 3o. milênio, como diria o arquiteto e cidadão Marcos de Souza Dias.
A Vila de Paranapiacaba é exemplo vivo de um aglomerado urbano, palco de acontecimentos sócio-culturais construídos pelo homem em época de um memorável passado não muito distante (no 2º milênio, lembram-se?) e, hoje reflexo da situação esdrúxula pela qual passa todo patrimônio histórico, enquanto produto do homem, portanto arte, vítima do descaso, que necessita com urgência de medidas que impeçam a deterioração de seu espaço. A gravidade da situação exige uma postura da sociedade como um todo, pois tomando a localidade como exemplo, o momento exige seriedade de todos os órgãos que tem o dever de zelar pelas condições de preservação dos nossos bens culturais. Não se pode mais adiar a implementação de propostas de revitalização que levem em conta a destinação social – como enfatizou Prof. Aziz Nacib Ab’Saber da USP na VIII Semana do Ferroviário, em setembro de 2000 – maximizando o significado do patrimônio cultural, tecnológico e ambiental e que abra frente, ao potencial turístico, uma vocação natural da localidade.
notas
1
Baseado na tese de doutorado: “Vila Martin Smith, no Alto da Serra, em São Paulo, um exemplo típico de “Model Company Town”, defendida pelo autor, em 10/03/95, no Curso de Pós-Graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, sob orientação do Prof. Dr. Lauro Bastos Birkholz. O assunto foi matéria no Jornal da USP pela jornalista Leila Kiyomura Moreno em edição de 13 a 19/03/95; no Diário do Grande ABC pelo jornalista Irineu Masieiro em 16 e 19/03/95 e 22/04/95; na Rádio Jovem Pan, com entrevista da repórter Ana Maria Penteado no programa Show da Manhã em 15/3/95; na Rede Bandeirantes, pelo repórter Edie Polo, pauta no noticiário da Rede Cidade em 22/03/95; na TV Cultura gravado em 27/03/95 pelo repórter João Palomino para o Jornal da Cultura de 16/04/95; no O Estado de São Paulo, Caderno Cidades, em 02/04/95 pela jornalista Claudia Fontoura; na Rádio Bandeirantes, com entrevista no programa “Bandeirantes a caminho do sol” de Cláudio Zaidan em 05/04/95; TVS programa “Aqui Agora”, entrevistado por Jacinto Figueira Jr. em 09/04/95 e Folha de São Paulo, caderno ABCD de 22/04/95 pela jornalista Susy Gasparini. Recentemente, Antonio Prado do Diário do Grande ABC realizou um documentário transmitido pela TV SESC e a TV USP produziu também matéria sobre ao atual estado da Vila de Paranapiacaba, com depoimentos de Aziz Ab`Saber e Issao Minami.
2
“Model Company Town” – aglomeração urbana modelar vinculada a uma empresa industrial surgida nos Estados Unidos, entre 1820 a 1870, na região da Nova Inglaterra.
3
Alto da Serra foi a primeira designação pelo qual passou a ser conhecido o núcleo ferroviário. Em 05/11/1907, pela lei estadual n°.1098, foi elevado a Distrito de Paz e teve o seu nome oficial modificado para Vila de Paranapiacaba, conservando-o, até hoje. Esta pertence ao Município de Santo André e constitui-se em um subdistrito deste.
sobre o autor
Issao Minami, arquiteto, designer, urbanista, Professor Doutor do curso de graduação e pós-graduação da FAU-USP, ex-professor titular do Curso de Arquitetura e Urbanismo e do Curso de Comunicação Social da Universidade do Grande ABC – UNIABC