Compatibilizar o programa de um centro cultural com a idéia de construção de um símbolo da civilização kanak que, no entanto, se afastasse da "imitação folclórica, dos âmbitos do kitsch e do pitoresco" (1), foi uma questão fundamental na realização do projeto do Centro Cultural Jean Marie Tjibaou Nova Caledônia.
Tratou-se de ver como a cultura kanak definiria a própria arquitetura a construir. Nesse processo, não estariam implicados tanto os procedimentos herméticos como aqueles de diálogo com as "preexistências" do lugar. Para isso, foi necessário "tentar entender como nasceu aquela cultura, porque tinha seguido determinadas tendências, que filosofia de vida a conformara" (2).
Durante a realização do projeto, trabalhou-se com base nas premissas que as construções da tradição kanak nascem da estreita relação com a natureza e são efêmeras como alguns de seus materiais. Sua continuidade no tempo não é baseada na duração do edifício isolado, mas na preservação de uma topologia e de um padrão construtivo. Outra vertente da cultura local é a concepção da paisagem como elemento indissociável da arquitetura.
Localizado em uma pequena península a leste de Nouméa, em parte cercada pelo mar e em parte por uma lagoa coberta por densa vegetação, e análogo aos assentamentos kanak, que querem, simultaneamente, ser bosque e povoado, o centro cultural foi proposto como um conjunto de edificações, vias e espaços abertos unidos por um núcleo central: a alameda do povoado tradicional.
A experiência de familiarização com o centro e suas atividades vai ocorrendo simultaneamente. O acesso não é feito de maneira frontal, mas através de um caminho paralelo à costa e ao edifício que sobe, serpenteante, ao promontório e acaba em uma praça elevada, à entrada do centro cultural.
No seu interior, o programa cultural desenvolve-se como uma espécie de ritual, passando pelas exposições dos espaços naturais da ilha, da arte, da história e da religião da civilização kanak. Para isso, o edifício foi organizado como um conjunto de três povoados que abrigam exposições, performances ao ar livre, anfiteatros, escritórios.
Os "povoados" conformam-se a partir de 10 edifícios amplos e semicirculares, com finalidades diferenciadas, que se abrem inesperadamente sobre a alameda que conecta o Centro, proporcionando “uma passagem dramática de um espaço comprimido a outro expandido”, pois, segundo Renzo Piano, "da cultura local roubamos os elementos dinâmicos e de tensão" (3). O caminho temático continua fora do edifício. Uma trilha reconstrói a representação kanak da evolução humana e discorre sobre os momentos-chave dessa cultura: a criação, a agricultura, o habitat, a morte e o renascimento, partindo de suas metáforas extraídas de um mundo natural.
O Centro Cultural está exposto por um lado a fortes ventos e por outro a brisas suaves. Esta dimensão climática apropria-se da própria arquitetura, que registra os ritmos aos quais se vê submetida. Assim, associam-se volumes baixos orientados para uma lagoa e telas voltadas para o mar. Adaptados às extremas exigências do clima (com ciclones de até 240 km/h), os pavilhões "vela" giram sua parte posterior para o mar a fim de explorar com maestria os ventos dominantes ou induzir correntes de convecção, como é tradição local, equipando o centro como um eficaz sistema de ventilação.
Reinterpretando as choças kanak, levantam-se estas edificações compostas de uma forte carapaça dupla, construída a partir de pilares e vigas de madeira, de modo similar ao sistema primitivo, porém menos curvadas e alongadas. Revestidas de uma pele de madeira de iroko, que faz alusão às fibras tramadas das construções locais: "As lâminas da face externa das edificações são de diferentes larguras e espaçamentos. O efeito ótico da débil vibração que produz fortalece sua afinidade com a vegetação agitada pelo vento” (4).
Dos seus aspectos gerais até os mais específicos, a arquitetura de Renzo Piano não busca mimetizar-se com as tradições locais, mas nutrir-se de sua autenticidade para dar-lhe uma leitura universalizante.
O Centro Cultural é a materialização de um cuidadoso esforço para encontrar, em confronto com diversos ritmos (espaço, tempo, cultura e clima), o justo equilíbrio entre artefato e natureza, tradição e tecnologia, memória e modernidade.
ficha técnica
Projeto Centro Cultural
Jean Marie Tjibaou
Localização
Nouméa, Nova Caleônia
Cliente
Agência para o Desenvolvimento da Cultura Kanac
Arquitetura
Renzo Piano Building Workshop
Colaboradores
P. Vincent, D. Rat, A. Chaaya
notas
1,2,3 e 4
PIANO, Renzo. Logbook. Londres, Thames and Hudson, 1997.
sobre o autor
Ana Rosa de Oliveira é doutora em Arquitetura pela Universidade de Valladolid, Espanha, e professora e pesquisadora do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro.