O sistema de pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo (SPAU), iniciado em 1980, é relativamente recente, no interior do sistema de PPG no Brasil. Ele resulta de um esforço de uma primeira geração de pesquisadores, arquitetos que, em sua maioria, obtiveram doutorado em áreas afins, principalmente naquelas de estudos urbanos. Esta geração continua ativa e ocupando muitas vezes postos de liderança nos diversos programas que atualmente integram o SPAU e nas instituições que os alojam. O esforço pioneiro viu seus frutos multiplicados: ao longo das duas últimas décadas, aumentaram os programas de pós-graduação, o número das publicações em arquitetura – em sua maioria monografias e de pesquisa acadêmica – além dos eventos da área. A vitalidade da área deveria repercutir no seu reconhecimento no plano institucional. Mas, não somente isto não tem acontecido, como a própria comunidade acadêmica envolvida com a pós-graduação em AU parece insatisfeita com o desempenho da área e duvidosa da sua consolidação. Por motivos diversos, sente-se um descontentamento geral e, sobretudo, um alheamento à riqueza de um momento em que, no plano internacional, multiplicam-se as iniciativas que discutem tanto a graduação quanto a pós-graduação e a pesquisa em arquitetura. O presente artigo, após estabelecer brevemente um panorama da evolução da área, tenta identificar alguns impasses atuais, pretendendo contribuir para a sua superação a partir de uma dupla perspectiva: 1) a posição da área no interior do sistema de PPG nacional; 2) o seu potencial numa rede de pesquisa internacional.
1. A pós-graduação em AU: do esforço dos pioneiros aos impasses atuais. um breve panorama
1.1. Estudos urbanos: a primeira etapa da pós
Num sentido amplo, a origem da pós-graduação em arquitetura poderia remontar aos tempos da Faculdade Nacional do Rio de Janeiro, onde se organizaram cursos de especialização em urbanismo (1). A especialização nesta área pressupunha que as questões urbanas fossem mais complexas que as de arquitetura e, seguindo este raciocínio, durante muito tempo, se pensou que para a atuação no urbano, o arquiteto precisava de algo mais que o curso de arquitetura. A atuação do SERFHAU, instituição criada em 1964, foi na direção de apoiar iniciativas desta ordem. A orientação era, então, de cursos de ordem prática, para formar técnicos em planejamento, como foram os famosos cursos do CEMUAN, responsáveis por uma geração de planejadores.
Mas o que hoje em dia constitui o SPAU – 14 programas reconhecidos pela CAPES, sendo sete doutorados – é algo de data relativamente recente. Considerando o seu ritmo de crescimento, ou seja, que, em geral, os programas começaram com especializações e que o primeiro doutorado (USP) teve início em 1980 e permaneceu único até 1998, podemos concluir, que, na verdade, a pós-graduação em arquitetura como sistema é um fenômeno de sete anos, apenas.
Este ritmo de crescimento poderia ser explicado de uma maneira sintética e, aparentemente, óbvia: não havia pós-graduação em AU porque não havia demanda. A demanda, de fato, só vai surgir na virada dos anos setenta para os anos oitenta, como resultado de vários fenômenos entrelaçados:
- a expansão do número de diplomados em arquitetura, devido à expansão de vagas nas escolas existentes (em sua maioria públicas, nesta época) e sobretudo, poucos anos depois, graças à expansão de escolas particulares;
- a modificação dos perfis de ocupação profissional, uma vez que o mercado de trabalho tradicional do arquiteto não se expandiu na mesma proporção dos diplomas (2);
- a criação da carreira docente nos moldes do tripé ensino, pesquisa e extensão, sobretudo nas grandes universidades;
- as progressivas exigências legais de titulação do quadro docente no ensino superior privado responsável pela maior parte dos cursos de graduação de arquitetura.
1.2. A primeira demanda por pós-graduação, anos setenta: o crescente número de diplomados em AU, qualificação de planejadores e professores
Em arquitetura, como nos demais cursos superiores, os anos setenta foram anos de expansão de vagas, em resposta às reivindicações estudantis dos anos anteriores e como conseqüência da reforma universitária implantada. Esta reforma instituiu o sistema departamental e, ao mesmo tempo, reformulou a carreira docente, extinguindo a cátedra e implantando o sistema do docente pesquisador. Desde então, as primeiras exigências de titulação para o exercício docente se colocaram, mesmo para os docentes de cursos de formação de profissionais ditos liberais, como direito, medicina e arquitetura. Neste momento, os cursos de arquitetura ainda estavam, em sua maioria, em universidades públicas ou confessionais. Os professores de maior prestígio eram, então, os que ensinavam projeto e trabalhavam em tempo parcial, dividindo o magistério com o escritório.
A nova legislação provocou efeitos diversos. Em alguns casos, a debandada de professores de projeto, que, em sua maioria, ainda contavam com escritórios movimentados e que pouco se dispunham a voltar aos bancos de estudos, sobretudo quando estes estudos forçosamente teriam que ser feitos em searas alheias. Em outros casos, alguns professores de projeto, mas, sobretudo os professores das ditas ‘áreas teóricas’ (sic!), foram os arquitetos pioneiros a se pós-graduarem. E, salvo um ou outro caso de arquitetos que partiram para realizar curso no exterior, os que se pós-graduaram no Brasil, neste momento, tiveram que fazê-lo em áreas como filosofia, sociologia, história. Foi assim formada uma primeira geração de arquitetos docentes pós-graduados, num processo de diáspora disciplinar ou de submissão à hospitalidade alheia, no dizer norte-americano, ou seja, ao abrigo de outras disciplinas (3).
A riqueza do pensamento interdisciplinar não deixou de ter a sua contrapartida – a demora do enfoque da especificidade da disciplina arquitetural e da construção de índices referencias qualitativos da produção na área. Retardamento que não pode ser atribuído apenas ao contexto brasileiro, mas pode ser visto, inclusive, como um desdobramento dos passos da diáspora ou da busca de hospedagem em albergues alheios no exterior. Por exemplo, nos anos setenta e oitenta, a formação interdisciplinar em urbanismo teve uma grande e frutífera interlocução com a França, país que, até o momento, mantém o curso de arquitetura fora das universidades e das estruturas de pesquisa. De qualquer forma, mesmo nos Estados Unidos, onde os doutorados em arquitetura já se encontram estruturados há algum tempo, a avaliação da exaustão desta hospitalidade e o reconhecimento dos seus limites para disciplina arquitetural começam a ser evidenciados.
A pressão do aumento de diplomados em arquitetura sobre o mercado não se fez sentir de imediato, isto porque os anos setenta ofereceram uma nova forma de inserção ocupacional, como contrapartida: em urbanismo. Havia mais diplomados em arquitetura, mas também eram crescente as oportunidades de trabalho oferecidas pelo planejamento urbano em todos os níveis. Desta forma, pode-se dizer que os primeiros cursos de pós-graduação em planejamento urbano cumpriam a dupla função de preparar quadros para a política urbana e qualificar – entenda-se titular – docentes, que podiam ser o mesmo indivíduo. Datam desta época os cursos do IPPUR, oriundo de uma separação do COPPE, bem como o MDU, então Mestrado em Desenvolvimento Urbano e Regional, da UFPE. Neste último, como se pode observar, durante um grande período, os técnicos em planejamento do Estado e, sobretudo, aqueles da dinâmica agência para o desenvolvimento metropolitano, a FIDEM, eram também os docentes da pós-graduação. A criação da pós da USP será uma resposta inaugural da área mais especifica de arquitetura. Progressivamente, as exigências de dedicação exclusiva à docência e o decréscimo da política urbana virão a modificar este quadro dos anos do milagre (4).
1.3 A segunda demanda, anos oitenta: expansão de diplomados e a carreira do arquiteto docente
Na década seguinte, na medida em que os cursos de graduação se multiplicavam e que a legislação educacional exigia 1/3 de docentes com titulação de mestre e doutor e 1/3 em regime de dedicação exclusiva, uma segunda geração passa a disputar acirradamente as vagas dos PPGs de arquitetura, como atestam os enormes números da USP, bem como de cursos ‘aparentados’, os que tinham estudos urbanos (geografia, economia, sociologia, historia) ou de História da Arte ou de estudos de tecnologia da construção e do meio ambiente. Vale lembrar que a graduação em arquitetura apresentou, nas últimas décadas, um crescimento explosivo no Brasil, maior do que a média dos outros cursos tão antigos quanto a arquitetura. De 50 cursos em 1985 (data do início da pós-graduação da área), o país tem hoje 183 cursos de arquitetura em funcionamento (dados da página da ABEA). Por conseguinte, o número de estudantes matriculados em escolas de arquitetura cresceu de 20.000 para perto de 50.000, com o número de diplomados anualmente chegando perto de 5.000 (dados do INEP, 2003). Uma rápida projeção com base numa média de 400 alunos por curso nos levará, em três ou quatro, anos ao astronômico número de 70.000 alunos e 9.000 graduandos. Dado que o país tinha aproximadamente 90.000 arquitetos em 1998 (CREA, 1999), o número de profissionais está crescendo 6% todos os anos. Muito poderia ser dito sobre a capacidade de absorção do contingente crescente de diplomados nas posições profissionais tradicionais, como aquelas geradas pela dinâmica da construção civil ou pelo planejamento urbano. De qualquer modo, o fato é que, de um lado pela expansão de diplomados, de outro, pela exigência de titulação para exercício do magistério e ainda pela consolidação de uma carreira docente e, portanto, de um novo perfil de docência nos cursos de arquitetura, a demanda por programas de pós-graduação, a partir dos anos 90, se fez crescente (5).
Para entender este crescimento, vale atentar para as diretrizes curriculares e dos padrões de qualidade para a graduação de arquitetura e urbanismo que exigem que o professor das ditas matérias profissionais tenham formação de graduação em arquitetura e urbanismo, uma vez que a PG não dá atribuição profissional de arquiteto e urbanista. Por exemplo, um sociólogo, um economista ou um geógrafo, ainda que doutor em planejamento urbano, não poderá ministrar disciplinas vinculadas à matéria profissional “planejamento urbano”. Tampouco, pela mesma razão, um historiador com especialização (doutorado, mestrado, etc.) em história da arquitetura, poderá ministrar disciplinas vinculadas à matéria “história da arquitetura”. Ou seja, o argumento da seara alheia, que por muito tempo garantiu a titulação acadêmica dos arquitetos, tem apenas uma mão.
As medidas legais para a o magistério na graduação atêm-se, desta forma, ferrenhamente ao princípio corporativo da profissão, ao raciocínio de que só o membro da própria profissão detém o conhecimento profissional transmissível. Os departamentos de arquitetura se vêem, assim, submetidos a duas lógicas nem sempre convergentes: de um lado, a da carreira docente que é pautada pelos requisitos de pós-graduação, titulação e produtividade intelectual, entendida como pesquisa e publicação, independentemente da área de conhecimento; de outro, os requisitos corporativos que impõem que o docente seja arquiteto, nem sempre intelectualmente produtivo, nem titulado. E estas lógicas têm conseqüências drásticas no sistema de pós-graduação em AU.
Um dos inúmeros exemplos poderia ser oferecido por ocasião de abertura de concurso para docentes, quando os requisitos da graduação determinam, em geral, de modo dominante, os critérios estabelecidos pelos departamentos ou pela instância responsável. A lógica é, em geral, imediatista: identificação de carência e cautela para que a vaga aberta não seja perdida. Assim, se há carência de professor de uma determinada disciplina – o que ocorre muito freqüentemente com as disciplinas de projeto – abre-se concurso na área desta disciplina. Se o mercado de oferta indicar que, para o caso, só há candidatos com baixa titulação, a tendência será baixar a titulação exigida, para preencher a vaga. Como o concurso é a forma de recrutamento mais sólida, este mecanismo finda por dar ingresso a docentes que nem sempre preenchem os critérios exigidos para atuar na pós-graduação. Por outro lado, os docentes mais próximos da cultura profissional de escritório – e sobretudo os que atuam na área de projeto – costumam menosprezar a lógica “dos doutores”, considerados muitas vezes ignorantes dos mistérios do escritório ao canteiro. Desta forma, a titulação é muitas vezes percebida, pelo professor-arquiteto, apenas como um mecanismo de melhoria salarial ou de prestígio junto aos pares e não como um ingresso ao mundo da pós-graduação e da pesquisa.
2. A pós em AU no interior do sistema atual de PPG nacional
Perceber melhor a especificidade desta lógica contraditória (graduação corporativa versus pós-graduação) muito ajudaria a reduzir as suas conseqüências nocivas no sistema de PPGAU. Para isto, três parâmetros poderiam ser tomados:
- a comparação entre alguns índices da área de arquitetura e das áreas das demais profissões tradicionais, como medicina, direito e engenharia, que tampouco teriam tradição de pesquisa;
- a comparação entre alguns índices da área de arquitetura e da área de pesquisa por excelência que, na CAPES, reúne os cursos da área de astronomia e física;
- a própria produção científica da área de arquitetura e urbanismo.
2.1 Cursos de graduação e pós das profissões ditas liberais versus cursos de excelência na pesquisa
O quadro abaixo fala por si só e desautoriza qualquer explicação que queira assemelhar a postura anti-pesquisa dos arquitetos àquela assumida pelos demais profissionais liberais.
curso | graduação | pós-graduação | razão graduação / pós | |
programas | doutorado | |||
arquitetura | 182 | 14 | 7 | 13 |
direito | 246 | 48 | 15 | 5.1 |
medicina | 89 | 174 | 127 | 0.51 |
odontologia | 114 | 88 | 42 | 1.3 |
engenharias | ||||
civil | 124 | 38 | 19 | 3.2 |
elétrica | 105 | 35 | 16 | 2.2 |
mecânica | 78 | 32 | 12 | 2.4 |
química | 50 | 22 | 11 | 2.3 |
Fonte: Dados INEP 2003, exame nacional de cursos e página da CAPES |
Interessante notar a média de 2.5 cursos de graduação para cada curso de pós nas engenharias, ou 5 cursos de graduação para cada curso de pós em direito (e direito tem curso em qualquer cidade ou bairro com mais de 20.000 habitantes!) e, no caso da medicina, uma graduação extensa (6 anos) e ampla (89 cursos) se transforma em uma pós-graduação especializada. No caso da área de arquitetura, cabe especular que poderíamos ter 37 cursos de pós-graduação, caso a razão de 5/1 seja algo próximo do ideal.
Por outro lado, em cursos de excelência na pesquisa, os números são incomparáveis: em 1992, existiam 700 doutorandos em Física no Brasil, além de 110 no exterior (6). Segundo dados da CAPES (7), no ano de 2003, este número passa de 1.000, o que parece enorme se comparado aos números da área de arquitetura atuais (ver quadro abaixo). Na pós-graduação ocorre o inverso da graduação: enquanto o número de matriculados em arquitetura e urbanismo, no ano 2003, é próximo de 50.000, em física, estes não chegam a 20.000 (dados do INEP).
arquitetura | física | |||
mestrado | doutorado | mestrado | doutorado | |
Matriculados no início do ano | 796 | 312 | 741 | 1073 |
Matriculados ao final do ano | 817 | 369 | 776 | 1080 |
Alunos titulados | 283 | 50 | 293 | 210 |
Tempo médio de titulação (em meses) | 37 | 45 | 28 | 51 |
Abandonos e desligamento | 48 | 5 | 53 | 66 |
Fonte: CAPES, 2003 |
2.2 A expansão das publicações e eventos da área de arquitetura e urbanismo
A perspectiva simplista, que busca atribuir o reduzido número de programas em arquitetura e urbanismo e, conseqüentemente, de doutores e doutorandos a uma falta de vocação ou de motivação dos arquitetos para a pesquisa, poderia ser questionada por uma análise mais cuidadosa de outros fenômenos, como o crescimento das publicações e dos eventos. Nos últimos dez anos, várias revistas juntaram-se às duas sobreviventes da década perdida dos anos 80: Projeto e AU. Paralelamente, a disponibilidade das conexões de internet viabiliza os web-sites como uma fonte fácil e relativamente barata de informação e crítica. O mais conhecido web-site da disciplina de arquitetura e urbanismo <www.vitruvius.com.br> recebeu uma média de 5.000 visitas por dia ou quase 2 milhões de visitas em 2004. Isso significa que cada um dos 170.000 arquitetos ou estudantes brasileiros visitou o local numa média de 12 vezes no ano passado.
Desde os anos 80, o número de livros publicados também cresceu, principalmente após o Plano Real (1994), cuja conseqüente estabilidade econômica deu novo alento às editoras em geral. Como resposta, um grande número de publicações de arquitetura foi lançado, embora os números de tiragem sejam ainda considerados pequenos para um país tão grande. Mas este mercado de cerca de 170.000 compradores potenciais, ávidos por novidades não demoraria atrair grandes editoras internacionais. A Gustavo Gili espanhola, por exemplo, tem agora uma série de livros em português.
É claro que a diversidade destas publicações deve ser levada em conta. A maioria das revistas, por exemplo, dá ênfase ao design e à arquitetura de interiores e são bem diferentes dos periódicos das áreas científicas tradicionais. Este é um fato que vem contribuindo para uma grande divergência na avaliação da produção intelectual da área e que provocou entre outros um excelente artigo de Segawa, Crema e Gava (8) sobre as características atuais de revistas de arquitetura, urbanismo, paisagismo e design publicados no Brasil para um possível enquadramento como periódicos científicos ou técnicos. Neste artigo, os autores comentam uma metodologia corrente de avaliação de publicações científicas de outras áreas de conhecimento e contextualizam sua aplicação diante da natureza diversificada da produção científica da área de arquitetura e urbanismo.
Quanto à proliferação de eventos científicos, vale indicar a série de conferências que foi consolidada e acontece regularmente desde finais dos anos oitenta, como o Seminário de Historia da Cidade e do Urbanismo (a cada 2 anos, desde 1985), o seminário da ABEA (anualmente, desde 1982), o encontro da ANPUR (a cada 2 anos, desde 1981) e o DOCOMOMO (a cada 2 anos, desde 1987), além dos congressos da ANTAC e do NUTAU, a cada 2 anos. Mais recentes, o Seminário Nacional Projetar 2005 é uma segunda edição do evento, bem como o será o Seminário Arquitetura e Conceito (Belo Horizonte, novembro 2005). Finalmente, e mais importante como expressão de novos tempos, é a transformação de encontros profissionais como o Congresso Brasileiro de Arquitetos, tradicionalmente um espaço para a expressão política da categoria, que vai ficando mais acadêmico a cada nova edição trienal.
Todavia, em 2004, o número de doutorados dos programas era ainda reduzido: apenas sete, todos na região sudeste, sendo que, apenas três doutorados (PPGAU da UFBA, UNB, o da UFRGS) estão fora do eixo Rio e São Paulo, onde se encontram respectivamente os doutorados do PROARQ e do PROURB, ambos na UFRJ e aqueles da FAU-USP e da USP/São Carlos. Além disso, apenas três programas nomeiam-se doutorados em arquitetura tout court; os demais definem-se como programas de arquitetura e urbanismo e nem sempre é evidente a sua especificidade vis-à-vis dos programas de planejamento urbano. De todo modo, o fato é que, até o momento, nenhum destes programas obteve nota 6 nas avaliações da CAPES, numa escala que vai até 7, e o reconhecimento de algum deles como centro de excelência, parece distante.
Esta posição relativamente baixa que a área de AU vem ocupando no ranqueamento da pós-graduação nacional é, muitas vezes, explicada pela natureza dos critérios utilizados para avaliação de desempenho no sistema de PPG no Brasil: não somente eles são homogêneos, como são baseados no modelo das ciências exatas e da natureza. Favorecem, assim, sobretudo, o desenvolvimento destas áreas, cujos cursos, desde a graduação, são destinados à formação de pesquisadores. Mas a hegemonia destas áreas no meio da pesquisa científica não é prerrogativa do caso brasileiro (9). Neste, o sistema de avaliação é uma função basicamente exercida pela CAPES, através dos avaliadores, que são professores dos programas de cada área. Para avaliarem a sua área específica, os avaliadores dispõem de critérios objetivos quantitativos dominantes, mesclados a alguns índices qualitativos e específicos da área. O veredicto do comitê avaliador pode vir a ser confirmado ou não pelo Conselho Técnico Científico (CTC) da CAPES. Ora, no caso de AU, os próprios avaliadores da área, ou seja, pesquisadores dos programas, nos dois últimos triênios, foram unânimes em reconhecer os méritos da instituição avaliadora – da CAPES, e a sua contribuição para o aperfeiçoamento dos programas, como atestam os documentos de área, disponíveis no portal. Além disso, quando, na recente avaliação, o parecer do comitê avaliador da área não foi ratificado pelo CTC e houve um consequente rebaixamento das notas do programas, este últimos pareceram, em sua maioria, questionar antes os avaliadores do que a atitude do CTC. Deste modo, poder-se-ia pensar que os critérios institucionais por mais que privilegiem as ciências duras não são percebidos, pelos membros da área, como o entrave para o desenvolvimento da pós. Logo, é forçoso reconhecer que as dificuldades se encontram nos componentes da própria área, que não conseguem orquestrar uma política baseada num consenso mínimo para a sua própria consolidação, acima das salutares divergências e concorrências internas (10).
Esta ausência de consenso é evidente na indefinição da especificidade da disciplina, do seu limite, do recorte do campo que pode ser recoberto, como se depreende a partir da própria denominação dos programas: arquitetura e urbanismo. Esta denominação deve-se muitas vezes ao fato de que os pesquisadores acreditam que arquitetura e urbanismo são a mesma coisa ou que arquitetura engloba a dimensão urbana. Mas ela pode também ser a expressão de abordagens que privilegiam aportes multidisciplinares (geografia, sociologia, demografia, economia, etc) numa correlação de forças que dilui, muitas vezes, a especificidade da disciplina arquitetônica. Neste sentido, talvez uma orientação mais adequada viesse a ser conquistada na medida em que o movimento dos programas acompanhe com mais sintonia o desenvolvimento internacional da área. Pois, quando se fala de PG e de pesquisa, fala-se naturalmente de constituição de uma rede de interlocução internacional.
3. PPG em arquitetura: uma visão internacional
O atual panorama internacional é instigante, a começar pelo recente aceno de fechamento do curso de arquitetura de Cambridge (11), quando a questão da obsolescência ou serventia deste curso foi levantada. Paralelamente, seja nos Estados Unidos, com o impressionante encontro de Princeton, na primavera de 2004, sob o tema ‘Building the architecture: a short history of the PHD in architecture’ ou, de maneira praticamente simultânea, na Europa, com o colóquio EURAU 2004, que reuniu professores pesquisadores de 25 países europeus na Escola de Arquitetura de Marselha, em maio 2004, sob o titulo ‘Considering the implementation of doctorat studies in architecture’, ou ainda com a discussão sobre pesquisa no encontro de Dublin, em junho e mais o megaevento sobre ensino em novembro, em Cuba, não é exagerado considerar o ano 2004 como um marco na pesquisa em arquitetura. Os desdobramentos já se fazem sentir 2005 adentro com o encontro ‘The unthinkable doctorate’, em Bruxelas.
Como salienta Chupin (12), o colóquio europeu de Marselha se inscreve nas reflexões correntes que visam harmonizar os programas das escolas de arquitetura e a introduzir o L. M. D. (Licenciatura, Mestrado e Doutorado) na continuidade dos trabalhos da Sorbonne e do que doravante convencionou-se chamar dos acordos de Bolonha (2000). Para os europeus, e mais particularmente para os franceses (13), a urgência em implantar sólidos programas de terceiro ciclo específicos à pesquisa arquitetural explica-se pelo relativo isolamento das escolas de arquitetura em relação às universidades. Já o colóquio americano se inscreve em uma perspectiva diferente, uma vez que os doutorados americanos existem concretamente desde o final dos anos 1960. Neste caso, tratou-se de fazer o balanço de 30 anos de pesquisas doutorais e a revisão de orientações tanto epistemológicas quanto metodológicas.
Para Chupin:
“De maneira característica, notar-se-á, em ambos os casos, que o debate gira em torno das inquietações e dos mal-entendidos que a profissão entretém com a disciplina. Inquietações na Europa, onde os profissionais temem ser afastados do ensino num sistema universitário inflacionário, a tal ponto que as organizações profissionais mostraram-se totalmente contrarias à introdução de estudos doutorais. A estas inquietações, amplamente infundadas, fazem eco certos mal-entendidos na América do Norte, onde os profissionais se questionam sobre a utilidade da pesquisa arquitetural, em particular aquelas com perspectivas teóricas, só reconhecendo mais freqüentemente as pesquisas com predominância tecnológica ou facilmente aplicáveis ao mercado dos serviços. Trata-se claramente de uma situação de crise paradoxal uma vez que nenhuma profissão poderia legitimar-se e renovar-se sem intensos esforços de construção disciplinar, sem sólidos fundamentos intelectuais. Como lembrou muito simplesmente, mas muito claramente, a professora finlandesa Kaisa Broner-Bauer, no colóquio de Marselha, é antes e acima de tudo porque o campo profissional da arquitetura está em profunda mutação, que a instauração ou reinstalação de um programa de doutorado em arquitetura mostra-se urgente e necessário (e que a situação) é vivida como tal pelos candidatos ao doutorado e não pela obscuras veleidades cientificas ou acadêmicas ignorantes do mundo de hoje” (14).
O recente congresso na Bélgica (abril 2005) cujo tema foi ‘The unthinkable doctorate’, buscou repensar a inserção do ato de projetar nos estudos doutorais. Como conciliar a prática do design com a necessária base epistemológica de pesquisa e geração de conhecimento parece ser objetivo comum de todos os que acreditam na possível convergência da disciplina e da prática da arquitetura no sentido da melhoria do ambiente construído. A aparente simplicidade desta afirmação esconde as complexidades de parte a parte pois implica para os “cientistas” o aceite de que o ato projetual contém tanto conhecimento quanto outros fenômenos mais facilmente mensuráveis, e, para os “projetistas”, o aceite de que a ação criativa pode ser dissecada e que uma base de conhecimento mais sólida gera melhores projetos. Cabe ressaltar que não se está defendendo a idéia de uma equivalência literal entre o esforço criativo do projeto e o esforço sistematizado da pesquisa, mas sim a possibilidade ou mesmo necessidade de um diálogo entre as partes, com o desenvolvimento de uma linguagem comum que permita aos interlocutores uma troca de informações mais profícua. Se, por um lado, a anti-intelectualidade dos arquitetos brasileiros ainda insiste no “gesto” ou na “inspiração” como única ferramenta de projeto válida, importa também reconhecer a arbitrariedade e a subjetividade das estratégias de pesquisa, presentes mesmo nas ciências mais exatas. Em suma, nem a ciência é tão positiva nem a criação arquitetônica é tão subjetiva quanto fazem crer ambos os discursos. Incorporar o projeto aos estudos doutorais implica então contrapor o ato criativo individual do projetista ao ato sistematizado e generalista do pesquisador, na esperança de que eles se reforcem mutuamente.
4. Sistema educacional, sistema profissional: dos efeitos perversos à desqualificação
Antes de concluir, talvez fosse necessário lembrar o quanto a questão da pós-graduação está fatalmente associada à evolução de dois sistemas: o sistema profissional e o sistema educacional. Ambas as questões têm sido recorrentes, de maneira velada ou explícita, nos diversos encontros nacionais e internacionais. Sobre a evolução profissional, muito se falou de crise, desde os anos sessenta, associando a crise profissional à crise do modernismo (15). Mais recentemente, o termo mudança tem sido muitas vezes empregado, parecendo admitir, que, para o bem ou para o mal, a crise já passou e que um outro modelo profissional, ou novos modelos profissionais, para o arquiteto já se impõem. Crise ou mudança, a evolução do sistema profissional associa-se a do sistema educacional. Ouvem-se freqüentemente as queixas – e não apenas no Brasil – de que, apesar do crescente acréscimo de conteúdos parciais das disciplinas mais diversas nos cursos de arquitetura, os alunos estariam cada vez mais ignorantes e que o nível de conhecimento arquitetônico dos novos professores é pífio, mesmo quando portadores de mais título, como de mestres ou doutores.
Mais titulação para menos conhecimento está longe de ser uma questão meramente da área de arquitetura. É verdade que nesta área, a idéia de acúmulo é pouco difundida, que grande parte dos alunos em TFG – Trabalho Final de Graduação, mestrado ou doutorado iniciam seus trabalhos com a idéia de pioneirismo, com a crença do ineditismo, trazendo para a negação da pesquisa como uma continuidade, a mesma recusa de pensar a existência de precedentes no projeto. Admitir precedentes seria abrir mão do mito do arquiteto artista, criador. No entanto, como se pode verificar pelo desempenho de outras áreas, a observação de que se tem mais anos de escolaridade e mais titulação, com menor conhecimento da área exige um olhar cauteloso.
Pois, de um lado ela indica a ampliação dos conhecimentos de cada área como um todo. Por outro, ela parece confirmar o que Boudon (16) denunciou como efeito perverso da ampliação do sistema educacional, no mundo ocidental, pelo menos (17). No caso brasileiro, o fenômeno da diplomação com baixo nível de aquisição de conhecimentos poderia ser observado tanto através dos Trabalhos Finais de Graduação em arquitetura, quanto através dos índices de reprovação no exame de ordem de advogados, que alcançou 96% em alguns estados, na sua última edição.
Neste sentido, cabe esclarecer que quaisquer que sejam as medidas aqui recomendadas para a pós-graduação elas não apenas serão incapazes de reverter ou modificar tanto as tendências da evolução profissional (que são praticamente dependentes do mercado), quanto os efeitos da reprodução do sistema educacional como um todo.
À guisa de conclusão: contribuição para o debate: um possível modelo brasileiro de pós em arquitetura?
De qualquer modo, tendo em vista as atuais condições do mundo ocidental (18), é possível que algumas medidas pragmáticas viessem a contribuir para o florescimento da pesquisa em arquitetura no Brasil. Estas medidas, embora intricadas, poderiam ser divididas em dois conjuntos: aquelas destinadas diretamente a desenvolver o nosso potencial no plano internacional e aquelas que dizem mais respeito à nossa organização interna.
Para a melhoria de nossa interlocução internacional, uma primeira medida imediata seria a revisão das equivalências dos títulos. Bem ou mal formado, o arquiteto brasileiro, recebe um diploma, após cinco anos de estudo, tendo concluído um TFG, bom ou ruim. Neste sentido, tendo em vista a duração dos cursos, caberia recomendar que este título fosse equivalente ao mestrado profissional norte-americano (EUA e Canadá), uma vez que o é do ponto de vista de anos de estudo (19). A adoção desta medida nos permitiria inclusive a abertura de negociações no sentido inverso. Hoje em dia os mestrados de pesquisa em arquitetura, bem como os doutorados ainda são poucos e caros nos Estados Unidos, no Canadá e no Reino Unido (20). Eles são abertos inclusive a não arquitetos porque estão dissociados da obtenção de licença para o exercício profissional que é obtido pelo exame da ordem e que tem como pré-requisito o mestrado profissional. A cooperação internacional com estabelecimentos de mestrados e doutorados em regime de co-tutela – desde que reconhecidos os diplomas de ambos os paises envolvidos – poderia implicar na vinda de estudantes para realização de doutorados no Brasil, o que lhes custaria muito pouco face ao que ora têm que bancar. Poderíamos então diluir o que foi o efeito Barcelona (21), ampliando a nossa rede de interlocução no plano internacional.
No plano pragmático, a pós-graduação em AU teria muito a ganhar com o exemplo que a física e a astronomia oferecem, como perfil de excelência a ser perseguido, desde que fugisse da tentação de macaquear, sobretudo os formatos de pesquisa da área modelar (22). Mais do que uma obsessão por cientificismo e pela utilização do vocabulário das ciências exatas, a área da física no Brasil nos convida a entender como, sob determinadas circunstâncias históricas, é possível tecer uma rede baseada no rigor científico e na solidariedade competitiva dos pares. (23). Esta comunidade de pesquisadores, independente das onipresentes disputas vorazes, conseguiu pensar seus programas, independentemente dos regionalismos nacionais, como parte de um conjunto de excelência, regido por padrões internacionais. Além disso, longe de serem etnocentrados, quando os pesquisadores da física publicam em seara alheia, recorrem aos critérios de qualidade estabelecidos pela área de publicação – seja ela qual for (24). O pesquisador não precisa se tornar um escravo da área cativeiro. O pesquisador pode ser transdisciplinar. Porém, mais do que apregoar a necessidade de uma intradisciplinaridade, complexidade, transdicisplinaridade, ou outra, o momento é de busca da nossa especificidade e dos interlocutores que a consolidem. A situação atual dos programas de arquitetura e urbanismo é extremamente favorável, para que, ao invés da busca da colonização interna (25), seja pensada uma consolidação do esforço já efetuado e a especialização de cada programa com interlocução internacional própria. Trata-se de marcar a diferença e a especificidade, sem negar a qualidade do outro. Afinal, a identidade se constrói pelo reconhecimento da alteridade.
notas
1
Cf. MORALES DE LOS RIOS FILHO, Adolfo. Teoria e filosofia da arquitetura. Rio de Janeiro, Borsoi Editores, 1960; BIRKHOLZ, Lauro Bastos. O ensino de planejamento territorial no Brasil. Tese (Tese de cátedra), Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1967.
2
MARQUES, Sonia. Les professions de l’urbanisme au Brésil. Thèse (doctorat), EHESS, Paris, 1996.
3
Sobre a questão da hospitalidade e da generosidade na retribuição, ver o artigo de Jean Pierre Chupin publicado em Vitruvius:
CHUPIN, Jean Pierre. “A questão doutoral ou a globalização da epistemologia e da pesquisa em arquitetura”. Tradução Sonia Marques. Arquitextos. Texto Especial nº 296, São Paulo, Portal Vitruvius, abr. 2005, <www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq000/esp296.asp>.
4
MARQUES, Sonia. op. cit.
5
Pode-se pensar que, por exemplo, centenas de arquitetos que conseguiam dividir-se entre o trabalho de escritório e o ensino tenham corrido aos programas de pós-graduação, nos anos 90, em busca de ferramentas pedagógicas e de alguma sistematização do conhecimento, mas não necessariamente interessados na pesquisa ou na produção de conhecimento. Mas a motivação desta clientela não é assunto deste artigo.
6
REZENDE, Sérgio M. “Ciência e tecnologia no Brasil: uma nova política para um mundo Global. Avaliação da área e proposições para a Física no Brasil”. In: SCWARTZMAN, S. (Ed.) Ciência e tecnologia no Brasil: a capacitação brasileira para a pesquisa científica e tecnológica. Rio de Janeiro, Fundaçao Getulio Vargas, vol 3, 1996, p.117-214.
7
CAPES/MEC – Relatório Discente, disponível em <www.capes.gov.br>.
8
SEGAWA, Hugo; CREMA, Adrian; GAVA, Maristela. “Revistas de arquitetura, urbanismo, paisagismo e design: a divergência de perspectivas”. Arquitextos. Texto Especial nº 282, São Paulo, Portal Vitruvius, fev. 2005, <www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq000/esp282.asp>.
9
É certo que o fato de que os físicos tenham estado na origem da criação do CNPq é sem dúvida um fator que explica a sua força no sistema de financiamento. Mas o que deve ser pensado é ao inverso: ou seja, justamente porque eles têm uma profissão basicamente amparada na atividade é que eles criaram o CNPq (cf. REZENDE, Sérgio, op. cit). Tanto é assim que um maior financiamento para as ciências exatas é uma questão mais universal, ou pelo menos do mundo acadêmico ocidental, do que uma questão brasileira.
10
Cf. MARQUES, Sonia e LOUREIRO, Claudia. “L’enfer ne sont toujours pas les autres: architecure et urbanisme – doctorat et enjeux professionnels au Brésil”. Trabalho apresentado ao EURAU’04 – Journees Europeennes de la Recherche Architecturale et Urbaine, Marseille, maio 2004.
11
A polêmica do fechamento do curso de arquitetura de Cambridge ilustra muito bem o dilema da arquitetura como disciplina. A universidade de Cambridge determinou que TODOS os seus departamentos deveriam alcançar nota máxima na avaliação de produção e pesquisa feita pelo sistema britânico. O curso de arquitetura, apesar de ter sido avaliado como um dos melhores do Reino Unido, juntamente com a Bartlett School, não alcançou a nota máxima por duas avaliações subseqüentes e teve seu fechamento cogitado, decisão revertida logo depois.
12
CHUPIN, Jean Pierre, op. cit.
13
Na França, o ensino superior se organiza através de instituições de moldes variados e que dependem de ministérios diferentes. No topo, estão as Grandes Escolas que gozam de maior prestígio que as universidades. Estas dependem do Ministério da Educaçao. Enquanto Arquitetura, que pertenceu ao Ministério do Equipamento na época da grande planificaçao territorial francesa, atualmente pertence ao Ministério da Cultura (cf. Denès, 1999).
14
CHUPIN, Jean Pierre, op. cit.
15
CHAMPY, Florent. Sociologie de l'architecture. Paris, La Découverte, 2001 (coll. Repères n° 314); SARFATI LARSON, Magali. Behind the postmodern façade: architectural change in late twentieth-century in America. Berkeley, University of California, 1993; STEVENS, Gary. The favored circle. Cambridge, MA, The MIT Press, 1998; MARQUES, Sonia, op. cit.; ELLIN, N. Post urbanism. New York, Princeton Architectural Press, 1996.
16
BOUDON, Raymond. Effets pervers et ordre social. Paris, Presses Universitaires de France, 1977, 2e édition 1979, 286 p. (Recueil d’articles), em português Efeitos perversos e ordem social, Rio de Janeiro, Zahar, 1979; BOUDON, Raymond. L’inégalité des chances. Paris, Armand Colin, 1973. Em português A desigualdade das oportunidades, Brasília, Editoria Universidade de Brasília, 1981.
17
O conceito de efeito perverso foi desenvolvido por Raymond Boudon em obras clássicas e reconhecidas internacionalmente (1973 e 1977). Traduzidas, no Brasil, a recepção destas obras foi vítima da clivagem ideológica que, por considerar este sociólogo como um representante do conservadorismo, privilegiou, nos estudos educacionais, os escritos de seu opositor Bourdieu (1964 e 1970).
18
A referência ao mundo ocidental se dá na medida em que as redes de pesquisa hoje estruturadas no Brasil pelo site da CAPES e CNPq se situam, sobretudo, neste mundo e é, em grande parte, a partir de universidades norte-americanas e européias que são estabelecidos os padrões de excelência. Então, este mundo se mantém o território de referência, a menos que se faça uma reviravolta ou que trabalhemos sobre hipóteses futuras de colaboração privilegiada com a China, Índia ou África e com o estabelecimento de novos padrões de qualidade.
19
Mais uma vez, vale assinalar a precariedade do nosso sistema educacional, onde o estágio inicial do nível superior, o vestibular, como bem salientou em palestra o professor Carlos Martins (USP-São Carlos) acaba sendo o seu estágio terminal, pois uma vez tendo tido êxito nesta passagem, salvo em caso de morte ou de inadimplência na rede particular, o aluno finda por ter o seu diploma de graduação. Os exames de ordem, aliás, surgem como corretivos de possíveis precariedades do sistema educacional e são a institucionalização da dissociação deste sistema do mercado de trabalho. O acesso ao trabalho para certas profissões, como direito, no Brasil e para arquitetura, no caso norte-americano é controlado por poderosas ordens que, mais facilmente, podem jogar o jogo do numerus clausus do que as escolas. Ou seja, elas podem “afrouxar” o exame quando o mercado está fácil e endurecê-lo quando o mercado está muito competitivo. O mercado pode, em várias ocasiões ser o norteador das ordens, independentemente do desempenho do sistema educacional. De qualquer forma, a não equivalência do nosso diploma de arquiteto ao mestrado profissional norte-americano parece admitir mais do que a precariedade de nosso sistema apontando para uma aceitação de que somos tão inferiores que, para obter o mesmo diploma precisamos em geral de mais anos de estudo.
20
Na França, como ressaltado acima, não existem doutorados, mas apenas D E A em arquitetura, mesmo assim estes são mais orientados para a pesquisa historiográfica e urbana do que para a especificidade da disciplina arquitetônica. Sobre o ensino de arquitetura neste país, veja-se Denès (1999).
21
Barcelona e em especial a UPC, onde se encontram excelentes formações em AU, e onde foram doutorados excelentes professores e pesquisadores de nossos programas em AU, tornou-se o destino privilegiado dos pedidos de bolsa no exterior na área de AU, até, pelo menos 2004, conforme dados CAPES. Esta preferência se deu por fatores diversos, um deles a facilidade de acesso diretamente ao doutorado sem passar pelo mestrado.
22
O mimetismo dos moldes das ciências ditas duras (exatas e da natureza) tem povoado alguns pareceres da nossa área. Assim alguns projetos de pesquisa foram recusados por inexistência de hipótese e metodologia de verificação. Em outros casos, foi negada a validade de textos por ausência de apresentação de dados primários. Que hipóteses a serem testadas se colocam nas pesquisas históricas? Que dados primários o filósofo teria que apresentar em seus textos? A busca de uma maior legitimidade cientifica por esta via sempre pode cair num preciosismo ridículo ou em Imposturas Intelectuais como indicado por Sokal et Bricmont, 1997.
23
Cf. REZENDE, Sérgio, op. cit.
24
Ou seja, para as publicações que não eram da área de física foram utilizados os Qualis das respectivas áreas (cf. documento de área no portal da CAPES).
25
O que, em geral, significa os programas do eixo Sudeste “capacitando” os incapazes. Leia-se os do Norte-Nordeste.
sobre o autor
Fernando Lara, arquiteto, doutor em arquitetura, docente da University of Michigan, EUA.
Claudia Loureiro, arquiteta, doutora em Arquitetura e Urbanismo/FAUUSP, docente da Universidade Federal de Pernambuco.
Sonia Marques, arquiteta, doutora em Sociologia/EHESS, docente da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.