A ampliação da sede da Academia de Belas Artes de Munique é o último projeto finalizado por Coop Himmelb(l)au, o estúdio fundado por Wolf Prix e Helmut Swiczinsky em 1968 com a intenção de criar uma arquitetura “com fantasia, tão etérea e variável como as nuvens”. O projeto consistiu na construção de uma extensão para este edifício, construído em 1876, e que carecia de dimensões adequadas para acolher suas necessidades atuais. Para Coop Himmelb(l)au, a proposta para o projeto implicou em que o edifício passasse fundamentalmente por uma renovação a nível conceitual.
“Não queremos uma arquitetura que exclua o inquietante. Queremos que a arquitetura tenha mais”, manifestava a equipe austríaca em 1980, quase uma década antes da sua inclusão na exposição Deconstructivist Architecture, organizada por Philip Johnson. A interpretação em termos arquitetônicos do conceito de Jacques Derridá desconstrução proporcionou a estes arquitetos um método de desenho para a experimentação com a criação de novas formas em cuja profundidade ideológica subjazia, em seus inícios, um maior respeito pela atitude dos Rolling Stones do que pelos mestres históricos e intocáveis da arquitetura. Mais além do Desconstrutivismo, a arquitetura de Coop Himmelb(l)au – clamando por uma “arquitetura que sangre, que fadigue, que se retorça e inclusive se rompa. Que ilumine, que provoque, que rasgue, e que sob pressão se tencione” – afirmam a importância crucial da arquitetura como agente ativo de uma nova filosofia para o planejamento urbano contemporâneo que, simultaneamente, seja também um modo de resistência contra a instrumentalização da profissão de arquiteto.
“O espaço já não está pré-ordenado (se é que alguma vez esteve), mas adquire sua entidade como resultado dos campos de forças que forma a união das figuras, formando a base de um urbanismo vigoroso”. O conceito do desenho proposto por Coop Himmelb(l)au para a Academia de Belas Artes de Munique é paradigmático desta convicção sobre a capacidade da arquitetura em criar o espaço público mediante uma arquitetura de formas radicalmente expressionistas que aspira gerar espaços baseados na tensão exsudada pela intensidade destas. A proposta para este projeto se baseou na idéia de transformar os três sistemas urbanos que se congregam no lugar: os sistemas axiais de Leopoldstrasse e Akademiestrasse – que contêm edifícios estatais e a estrutura de Schwabing, desenvolvida em pequena escala, e diferentes construções – e as áreas ajardinadas de Leopoldpark e os Akademiegarten. A configuração aberta resultante de edifícios fechados produz uma seqüência transitória de espaços conectores entre o parque e os espaços urbanos: a fachada envidraçada atua como membrana mediadora, a porta de acesso, o pátio interior, os terraços do estúdio funcionam tanto como conectores com o parque como entre a porta e o parque. Esta configuração assinala as diferentes relações com os espaços exteriores. Mesmo assim, o pátio interior central foi coberto, de forma que se cria um espaço adicional que integra e unifica num todo o conglomerado de diferentes espaços e que se abre, através de uma fachada de vidro, para a cidade e para o parque.
O espaço interior busca a fluidez e a tensão mediante rampas diagonais e corredores que conectam, vertiginosamente, as áreas funcionais das diferentes partes do edifício e seus diversos setores. Assim se cria um complexo cheio de energia, que idealmente corresponderia às demandas psicológicas e emocionais requeridas para o desenvolvimento da atividade criadora. As oficinas se encontram disseminadas por todo o edifício. Surgem conexões entre os estúdios de pintura, escultura, fotografia, a oficina plástica, a oficina de impressão e a oficina de artes mediáticas. O estúdio para escultores se encontra na planta baixa, em duas seções do edifício, e se estende em terraços em frente ao parque; as oficinas de pintores estão nos estúdios do andar superior e se conectam com os terraços situados no telhado.
Ainda que menos contagiada pela radicalidade profundamente intensa de obras anteriores do Coop Himmelb(l)au – como o Museu de Groningen (1994) ou o Complexo Cinematográfico UFA em Dresden (1998) e de outras, atualmente em processo de construção, como o BMW Welt em Munique, o Musée des Confluences em Lyon, o Museu de Arte Akron em Ohio e a Casa da Música em Aalborg –, o resultado concluído deste novo edifício projetado por Prix e Swiczinsky reafirma a possibilidade de uma arquitetura nascida do desejo aberto de sugerir a subversão mediante o impacto de umas formas geradoras de espaços que se revelam, a medida que avança o tempo, cada vez mais evidentemente, como expressão concreta da energia expelida por nosso espírito submergido em inquietude e incerteza.
Catalisadores do caos e da instabilidade de um tempo que se sente incômodo no equilíbrio clássico e puritano que obcecou a um grande setor da Modernidade, Coop Himmelb(l)au segue sendo um território de referência para a arquitetura de uma época, no desenvolvimento de uma forma de operar na qual estes arquitetos acreditaram e seguem acreditando, no desenho de obras carregadas de tensão, complexidade e liberdade. Segue latente o espírito com que se dispuseram a trabalhar a finais de sessenta: aquela forma de operar, onde mesclavam filosofia e psicotrópicos.
A Academia de Belas Artes de Munique segue afirmando que Coop Himmelb(l)au não são somente formas arriscadas e espaços perturbadores: sobre elas flutua um valor teórico bem sustentado e uma intencionalidade premeditada que, ainda que já não transgride, reafirma este estúdio austríaco na posição de rompedores que, com sua rebelião, dinamizaram e dessacralizaram o pensamento arquitetônico das últimas três décadas. A arquitetura toma hoje caminhos que a conduzem a modelos distanciados daquelas formas clássicas às que estes arquitetos se enfrentavam em sua plataforma em Viena por considerá-las repressoras e moderadoras do desenvolvimento da arquitetura. Devem sentir-se satisfeitos de ter conseguido esta tarefa: a arquitetura já não é e não será a mesma, e um papel importante será atribuído a Coop Himmelb(l)au nessa deconstrução, arquitetos que elegeram situar seu trabalho “sobre a matriz dos impossíveis”.
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nota
1
Artigo publicado originalmente em La Vanguardia
sobre o autor
Fredy Massad e Alicia Guerrero Yeste, titulares do escritório ¿btbW, são autores do livro “Enric Miralles: Metamorfosi do paesaggio”, editora Testo & Immagine, 2004.