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architexts ISSN 1809-6298


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Otavio Leonídio comenta sobre a leitura ideológica que reitera a distinção entre as arquiteturas da “escola carioca” e "escola paulista", reforçando diferenças mais que continuidades


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LEONIDIO, Otavio. De arquiteturas e ideologias. O esquema arquitetura carioca versus arquitetura paulista. Arquitextos, São Paulo, ano 07, n. 079.02, Vitruvius, dez. 2006 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/07.079/285>.

“Não é possível eliminar da arquitetura o problema da função social: constrói-se para a vida. Mas é preciso distinguir entre função e finalidade: a arquitetura pode ter uma função social sem com isso se propor especificamente a realização de uma reforma na sociedade” Giulio Argan (1)

Em artigo publicado no caderno “Mais!” da Folha de S. Paulo (2), Luiz Recamán defendeu a tese de que, em termos de prática arquitetural, a obra do arquiteto Paulo Mendes da Rocha, recém agraciado com o Prêmio Pritzker de arquitetura, radicaliza a cisão entre Rio de Janeiro e São Paulo. Ao procurar demonstrar a distância que separa as obras de Mendes da Rocha e Oscar Niemeyer – caracterizado como “protagonista dentre os brilhantes arquitetos do primeiro período (1936-1957)” –, Recamán afirma: “Afastam esse mestres não apenas uma geração mas os desafios a que respondem no momento de formação de seu repertório arquitetônico”. De acordo com Recamán, a obra de Niemeyer sintetizaria “a busca de uma identidade nacional, exemplarmente alcançada em sua arquitetura, seguindo as vicissitudes do nosso modernismo e sua normatização”.

De resto, o vínculo essencial dessa produção com um “Estado centralizador e desenvolvimentista” estaria na origem de um “impasse insuperado”: “o conservadorismo dessa alternativa de desenvolvimento alijava a arquitetura brasileira da razão de ser, ideológica, do movimento moderno: sua extroversão social com ênfase na habitação e no plano”. A obra de Mendes da Rocha, por seu turno, descenderia de uma “outra formulação arquitetônica em relação à síntese ligada ao Estado nacional e à capital federal” – formulação essa vinculada às “especificidades urbanas, sociais e econômicas da jovem metrópole [São Paulo]”: “a arquitetura que aí surge, a partir da ação de seu arquiteto mais inovador, Vilanova Artigas, reage prontamente a esse modelo urbano devastador. Mas ao contrário da idealização niemeyeriana – que exige pano de fundo neutro para o edifício –, a arquitetura de Artigas e de seus contemporâneos se opõe – mas considera – à realidade urbana na qual se insere”. Donde a conclusão de que “o modelo da chamada ‘escola carioca’ encontra aí seus limites”.

Não pretendo discutir a linhagem, estabelecida por Recamán, segundo a qual a obra de Vilanova Artigas estaria na origem da arquitetura de “seu jovem seguidor” Paulo Mendes da Rocha. O que me interessa comentar, por problemático, é o modo como se vincula a arquitetura da “escola carioca” a um certo projeto de “desenvolvimento conservador” e ao ideário do modernismo brasileiro, mais especificamente, à busca (que em Mario de Andrade se transforma em obsessão) pela “identidade nacional”.

Bem entendido, o problema não está em relacionar a arquitetura da “escola carioca” – a arquitetura protagonizada por Niemeyer e amparada, como se sabe, pelos enunciados públicos de Lucio Costa – a um certo culturalismo estatal brasileiro, de extração modernista. Os vínculos existentes entre as atuações de Niemeyer e Costa e as ações política e cultural operadas pelos governos centrais brasileiros nas décadas de 1930, 40 e 50 são notórios e irrefutáveis. Tampouco se podem negar os nexos existentes entre as formulações de Costa acerca da “arquitetura brasileira” e a brasilidade modernista de Mario de Andrade. O problema é considerar, como faz Recamán, que a arquitetura da “escola carioca” em geral e de Oscar Niemeyer em particular podem ser resumidas em função de uma suposta dependência para com o ideário (a ideologia?) de um conservador projeto modernizador estatal brasileiro, e interpretadas como produto da “normatização do nosso modernismo”.

Tais formulações são enganosas e não surpreende que, à guisa de comprovação do esquema proposto, o autor acabe lançando mão de um dos mais gastos clichês lançados sobre a obra de Niemeyer, qual seja, o de que “A forma curva, que vai caracterizar essa matriz hegemônica da arquitetura brasileira, sintetiza e simplifica (daí seu grande apelo de massa) ícones da nacionalidade: a exuberância do barroco colonial, da paisagem e da sensualidade de seus habitantes” (clichê que, em todo caso, supostamente comprovaria a tese, bastante polêmica, de que “a busca da identidade nacional” teria sido “exemplarmente alcançada” na arquitetura de Niemeyer). Tampouco surpreende que, no âmbito do esquema proposto, aparentemente não haja lugar (ou pelo menos não haja lugar de destaque) para a obra de Affonso Eduardo Reidy – como se sabe, um dos mais proeminentes (e influentes) arquitetos da “escola carioca” (3).

Ora, deixando de lado a idéia de que a “escola carioca” pode ser sintetizada pela obra de Niemeyer, e mais ainda a tese de que a razão-de-ser do movimento moderno se resume a uma (ideológica) “extroversão social com ênfase na habitação e no plano”, é desde logo enganosa a idéia de que a “escola carioca” de algum modo subsume ou sintetiza o conservadorismo do “Estado centralizador e desenvolvimentista” brasileiro. Afinal, o que definiria – de maneira sintética e em termos não-ideológicos – essa entidade (“o Estado centralizador e desenvolvimentista brasileiro”)? Quais seriam seus atributos? Nacionalismo autoritarismo, conservadorismo, desenvolvimentismo? Conquanto pertinentes, tais qualificativos obliteram aspectos importantes desse mesmo Estado e de um ideário – o modernismo político e estético brasileiro – que, legitimamente, concebe o Estado (por mais problemático que isto possa parecer) como vanguarda (4).

Mais problemática ainda, entretanto, é a idéia – hoje, infelizmente, vulgarizada – de que, ao fim e ao cabo, a arquitetura (suas obras e sobretudo seus fundamentos) do “primeiro período”, de algum modo, corresponderiam à “normatização” do “nosso modernismo”. Ora, no que diz respeito aos enunciados de Lucio Costa – os quais, como se sabe, são parte crucial da produção do “primeiro período” –, uma rápida análise bastaria para constatar a freqüência com que suas formulações exorbitam e mesmo contradizem abertamente o nacional construtivismo – estatal e não-estatal, político e estético – modernista. A comparação entre as formulações de Mario de Andrade e de Costa a respeito da técnica (como era de esperar, tema crucial para a legitimação da arquitetura do “primeiro período”, assim como fora para a legitimação de obras tão importantes quanto Macunaíma e Memórias sentimentais de João Miramar) são nesse sentido exemplares. E isso a despeito de toda a admiração (e toda a incompreensão) que o autor de Paulicéia desvairada tinha pela obra de um arquiteto “ainda inigualado até hoje” – Lucio Costa.

Bem entendido, não se trata de implicar, nem mesmo de sugerir, que entre a arquitetura da “escola carioca” e a da “escola paulista” – ou entre a arquitetura de Niemeyer e a de Mendes da Rocha – não haja diferenças significativas. O problema, todavia, é quando o destaque dado às diferenças implica ou pressupõe a omissão de continuidades, recorrências, atavismos. Sobretudo quando consideramos que tais continuidades podem muito bem significar, para bem ou para mal, a persistência de “impasses [ainda ou cada vez mais] insuperáveis”.

Nesse sentido, caberia indagar, desde logo, em que medida é correto identificar na arquitetura da “escola paulista” – e, mais especificamente, na arquitetura de Mendes da Rocha – a persistência daquele “formalismo técnico” que, em meados da década de 1950, o crítico e historiador italiano Giulio Carlo Argan associara a “um desejo secreto de mesclar o funcional e o representativo, a técnica e a exaltação da técnica”?

À primeira vista, parece evidente que, em termos de aparência pelo menos, a arquitetura de Mendes da Rocha está longe da retórica tecnicista descrita por Argan (caracterizada pela “incorporação de acessórios [...] à superfície arquitetônica”). Por outro lado, a própria opção por uma forma arquitetônica cuja força (neste caso, a força expressiva) radica, em certa medida, na explicitação – sábia, correta, magnífica – de um certo saber estrutural não seria a confirmação de que, todas as contas feitas, mantém-se de pé a tendência descrita por Argan?

Uma vez mais, caberia indagar: a despeito de tudo que a separa da arquitetura da “escola carioca”, não haveria algo na arquitetura de Mendes da Rocha que, de algum modo, continua o desenho inicialmente dado por Costa para a arquitetura brasileira – uma arquitetura que, nas palavras de Argan, havia escolhido Le Corbusier como guia “justamente porque a sua arquitetura, mais que qualquer outra, tende a conciliar uma técnica moderna com os valores de ‘beleza’ ainda enquadráveis naquela cultura humanista que a burguesia, mesmo a mais avançada, reconhece como única cultura possível”? Indagação que, em todo caso, nos coloca diante de uma questão bem mais embaraçosa: até que ponto a manutenção (parcial que seja) dos fundamentos não implicaria a persistência dos impasses?

Mas de que impasses exatamente estaríamos falando? Nos anos cinqüenta, eles pereciam claros aos olhos de Argan: “é evidente que a posição pela qual a arquitetura moderna brasileira pôde alcançar o atual nível de especialização técnica e estética não é mais adequada para enfrentar, em toda a sua extensão, o problema essencialmente social de um grande problema urbanístico”. Era preciso, pois, “ultrapassar os limites da art de luxe que ainda fazem da florescente arquitetura brasileira a expressão de uma elite social”.

A ser considerada a interpretação de Recamán, não apenas o diagnóstico de Argan estava correto, como a arquitetura de Mendes da Rocha indicaria um caminho para a superação do impasse: “A partir das questões postas pela geração dos anos 50 e 60, Mendes da Rocha paradoxalmente se abre à cidade real, às suas determinações físicas e históricas. Não se pode falar em inflexão, pois lentamente sua obra, desde a origem e com ênfases distintas, se contamina pela cidade que a princípio deveria se contrapor”. Na visão de Recamán, seria esta, de resto, a “grande novidade que a pesquisa recente desse arquiteto traz e que o coloca numa posição única entre os arquitetos de sua geração”. Mas seria, de fato, sua “abertura para a práxis urbana – principalmente para seus conflitos sociais” o traço mais importante, quiçá a grande lição, hoje mais que nos anos 50, da arquitetura de Mendes da Rocha – traço que, de acordo com Recamán, o afastaria de seus “seguidores amaneirados, que repetem formas do próprio mestre para resolver falsos problemas da cidade”?

Uma vez mais, os reducionismos podem ser enganosos. Pois, se é verdade que o posicionamento crítico face às contradições espaciais e sociais da cidade contemporânea pode e deve ser uma das principais chaves de leitura da obra de Mendes da Rocha, é igualmente verdade que tal posicionamento não esgota o significado, o alcance e, principalmente, a pertinência de sua projetística. Uma projetística que, por mais que se pretenda socialmente crítica, não parece disposta (eis uma lição de Artigas) a abandonar um conceito forte, moderno de projeto. Que continua apostando na força de sua evidência pública como elemento construtor, não apenas de sociabilidade, mas também de bem-estar individual e de prazer estético. Que permanece elegendo o desenho como o lugar crucial onde as questões da arquitetura se colocam e atualizam. Que insiste em nos recordar a força e importância dos fatos essenciais da arquitetura, e que, como observou Hélio Piñón, representa “uma ação de resistência frente o processo de extinção da experiência arquitetônica” (5). Uma arquitetura que, por isso mesmo, não obstante a persistência das contradições e mesmo das aberrações sociais, e malgrado o clamor das ideologias (de ontem, de hoje), a um só tempo conserva e expande os limites da própria idéia de arquitetura.

Ao colocar em segundo plano a “radicalidade formal” da obra de Mendes da Rocha em favor de sua potencial “radicalidade urbana e social”, Luiz Recamán parece empenhado em demonstrar quão distante essa obra estaria de um modelo “que afastou sem tréguas essa arquitetura [a “arquitetura moderna brasileira”] de nossa realidade urbana, [e que] esgotou-se na catástrofe social a que assistimos abismados”. Curiosamente, a determinação em distanciar radicalmente ambos modelos não implicou apenas a redução do significado da arquitetura “do primeiro período”; acabou ofuscando um dos traços mais fundamentais – para bem ou para mal – da obra de Paulo Mendes da Rocha: sua extraordinária beleza.

notas

1
ARGAN, Giulio Carlo. Arte moderna. Do Iluminismo aos movimentos contemporâneos. São Paulo, Companhia das Letras, 1992, p. 288.

2
RECAMÁN, Luiz. “De volta ao real”. São Paulo, caderno Mais!. Folha de S. Paulo, 16 abr. 2006, p. 5-6. Disponível no Portal Vitruvius: RECAMÁN, Luiz. "Curvas e retas não alcançam as cidades no Brasil". Arquitextos nº 079, Textos Especiais nº 394. São Paulo, Portal Vitruvius, dez. 2006 <www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq000/esp394.asp>.

3
Ver GUERRA, Abilio. “Historiografia da arquitetura”. Resenhas on-line nº 011. São Paulo, Portal Vitruvius, dez. 2001 <www.vitruvius.com.br/resenhas/textos/resenha011.asp>.

4
V. GORELIK, Adrian. “O moderno em debate: cidade, modernidade, modernização”. In: MIRANDA, Wander Mello (org.). Narrativas da modernidade. Belo Horizonte, Autêntica, 1999, p. 55-80.

5
PIÑÓN, Hélio. “Quando o projeto revela a geografia oculta”. In: PIÑÓN, Hélio. Paulo Mendes da Rocha. São Paulo, Romano Guerra, 2002, p. 13.

[Fonte das imagens: Acervo Nelson Kon; BONDUKI, Nabil (org). Affonso Eduardo Reidy. São Paulo, Editorial Blau / Instituto Bardi, 2000; ARTIGAS, Rosa (org). Vilanova Artigas. São Paulo, Instituto Bardi, 1997; GUERRA, Abilio (org). Iniciativa Solvin – Arquitetura sustentável. São Paulo, Romano Guerra Editora, 2005]

sobre o autor

Otavio Leonídio, arquiteto, doutor em história, coordenador acadêmico e professor do Curso de Arquitetura e urbanismo da PUC-Rio, professor do Programa de Pós-Graduação em Design da mesma instituição, co-autor de Um modo de ser moderno – Lucio Costa e a crítica contemporânea (Cosac & Naify).

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