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architexts ISSN 1809-6298


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Igor Guatelli fala sobre o edifício sede da Fiesp-Ciesp-Sesi, projeto do escritório Rino Levi e inaugurado em 1979, que sofreu uma intervenção ao final da década de 1990, com projeto de Paulo Mendes da Rocha


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GUATELLI, Igor. Edifício FIESP–CIESP–SESI. De “landmark” a “container”? Arquitextos, São Paulo, ano 07, n. 079.03, Vitruvius, dez. 2006 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/07.079/286>.

Projeto do escritório Rino Levi Arquitetos Associados, vencedor em um concurso onde foram pré-classificados 5 projetos para a fase final, realizado no final dos anos 60 (1969, para ser exato), e construído durante a década de 70 (foi inaugurado em 1979), o edifício sede das entidades representativas da indústria paulista – FIESP–CIESP–SESI – obedecendo a uma prerrogativa do concurso, deveria ter o status de uma “landmark”, ou seja, um edifício com características expressivas capazes de transformá-lo em um marco referencial na Avenida Paulista (1). A partir desta premissa, torna-se mais compreensível, creio, a adoção de forma tão inusitada, ainda hoje capaz de se sobressair na paisagem e, por conseguinte, de rápida e fácil identificação.

Dividido em dois blocos superpostos separados por um andar em “pilotis”, o projeto original aparentemente parecia reunir dois discursos quase antagônicos, um discurso para o bloco inferior e térreo, com gramática e códigos estéticos pertencentes ao chamado Movimento Moderno e outro para o bloco superior, a torre, mais próximo do que poderíamos entender como uma condição pós-moderna em arquitetura, justificada, talvez, pelo bloco de forma singular, um troco de pirâmide de base retangular, massivo e fechado.

Já mencionado em textos anteriores, é sabido ser possível justificar a forma singular da torre funcionalmente, apesar de, reitero, a maior motivação para adoção de tal forma ter sido a intenção de se criar uma “landmark”: os andares que vão diminuindo, progressivamente, em direção ao topo em função de adequações programáticas, as inclinações laterais garantindo maior insolação dos andares inferiores em virtude do progressivo afastamento em relação aos edifícios circunvizinhos e, principalmente, adequação do edifício dentro dos gabaritos exigidos, através de uma solução de desenho que pudesse representar uma solução plástica mais interessante que as duvidosas soluções em escalonamento de topo da época, são algumas das explicações funcionais que auxiliam no entendimento do partido formal adotado, mas que, permanecem aquém de uma leitura semiológica mais atenta.

Apesar de ser, a torre, um volume inquietante, capaz de gerar indagações, concentrar-nos-emos mais no embasamento e implantação deste edifício (voltaremos a ela mais adiante), não só por serem partes e aspectos do projeto mais próximos de nossos objetivos de estudo, ou seja, o de estudar as relações espaciais entre edifício e cidade, mas por acreditar estar no térreo as questões mais importantes que envolvem sua concepção.

Implantado em lote de meio de quadra, o edifício possuía, desde o projeto original, características marcantes no que tange a utilização do nível térreo e nas relações entre os espaços público e privado.

O Térreo em dois momentos: o projeto original do escritório Rino Levi e a intervenção do arquiteto Paulo Mendes da Rocha nos anos 90

Aproveitando o grande desnível existente entre a Avenida Paulista e a Alameda Santos, originalmente, foram instalados quatro andares de garagem, reservatórios de água e parte técnica, além de um Teatro, uma galeria de artes e uma biblioteca públicos, localizada em um pavimento meio nível abaixo da Avenida Paulista. Justamente por esse fato, uma grande praça aberta, teoricamente pública, foi criada no andar em “pilotis”, sobre a laje da galeria e biblioteca, meio nível acima da Avenida Paulista. Nessa praça, estavam localizados os acessos principais da torre e a entrada do Teatro. Uma rua interna, apenas para automóveis, faria a ligação no térreo entre a avenida Paulista e a alameda Santos além de possibilitar o acesso à garagem. Interessante nos determos em alguns aspectos do projeto original aqui, sobretudo se o analisarmos à luz do fazer projetual da época.

Creio que poderíamos considerar esse projeto seminal em certos aspectos. Como já mencionado, projeto do início dos anos 70, lida com certos conceitos os quais poderíamos qualificá-los de ousados em certos aspectos, inusitados em outros.

Além da já mencionada forma piramidal do edifício, não era comum na época, em São Paulo, especificamente na região da Avenida Paulista um edifício empresarial com um térreo público, com uma praça pública e, concomitantemente, abrigando funções e atividades de caráter predominantemente coletivo; tínhamos, creio, como exemplo mais próximo apenas o Conjunto Nacional como caso emblemático.

Com projeto paisagístico de Burle Marx, a praça, que servia de acesso ao teatro, podia ser entendida como um intervalo urbano arquitetonicamente projetado. Em uma área historicamente carente de espaços públicos abertos e de grande hospitalidade (exceção apenas a presença do parque Trianon) a praça do edifício da FIESP cumpria um papel importante na estruturação do espaço urbano; como espaço intermediário, representando um ritual de passagem entre a agitação e ritmo intenso da Avenida e o interior do prédio ou teatro. Enfim, um local com uma relação espaço-tempo diferenciada, nem o espaço do homem em trânsito e ritmo intenso característicos da avenida, nem o espaço interiorizado, enclausurado, estático do interior do edifício e do teatro, mas um espaço da permanência ocasional, por vezes imprevista e convidativa à diminuição ou desaceleração do ritmo imposto seja pelo dia-a-dia da cidade, seja pelo cotidiano do trabalho no interior do prédio.

Contudo, importante mencionarmos uma questão. Entre a elaboração do projeto e praticamente no início da execução da obra do edifício, um novo cálculo estrutural exigiu a construção de uma nova linha de apoios no térreo, além das duas linhas laterais previstas. Essa nova linha de pilares foi levantada no centro da praça idealizada. De certa forma, apesar da manutenção da praça, sua condição de grande plano aberto e livre acabou enfraquecida pela presença dos grandes apoios centrais.

No final dos anos 90, especificamente em 1998, esse importante espaço sofreu uma intervenção e reformulação por intermédio de um projeto elaborado pelo escritório do arquiteto Paulo Mendes da Rocha. Entretanto, antes de discorrermos sobre o projeto de intervenção, faz-se necessário retrocedermos no tempo, especificamente, de volta aos anos 70 em um momento emblemático na história da cidade de São Paulo, o alargamento da Avenida Paulista.

Na ocasião da construção do edifício da FIESP, nos anos 70, a avenida Paulista ainda contava com generosos passeios públicos. Tal característica garantia uma condição adequada, visual e espacial, de acesso aos meio-níveis que compunham o térreo do edifício, ou seja, à praça como à biblioteca, mesmo com os degraus de acesso aos dois pavimentos estando localizados no alinhamento, no limite do lote com o passeio público. Com o alargamento da avenida, os passeios foram estreitados [reduzidos a 7.00 metros de largura], fato que, em um certo sentido, acabou influenciando, negativamente, no acesso ao prédio, pois o espaço em frente aos degraus comprimiu-se consideravelmente, ao mesmo tempo em que o fluxo de pessoas pelo local aumentava.

A primeira característica marcante no projeto de intervenção de Mendes da Rocha é a decisão por recuperar, ao menos em frente ao edifício da FIESP a antiga “generosidade” do passeio público. Ele opta, então, por “cortar” a laje do pavimento superior ao passeio e recuar a laje inferior onde estavam localizadas a biblioteca e galeria. Dessa forma, consegue avançar o passeio para dentro dos limites do lote fazendo com que sua largura passasse de 7.00 metros para 20.00 metros.

Outra decisão importante refere-se a uma relocação programática do conjunto do térreo. Como o pavimento inferior havia diminuído em área e o espaço destinado ao conjunto da biblioteca e galeria, mesmo antes da intervenção, era um tanto exíguo, o arquiteto opta por relocar a galeria, transportando-a para o nível da antiga praça, junto ao acesso dos elevadores e recepção. Com a decisão, aumenta o espaço destinado à biblioteca no andar inferior, mas elimina a praça, prejudicando também a visualização do volume do teatro.

Assim, a intervenção de Mendes da Rocha promoveu uma nova distribuição dos espaços por todo o térreo. Marcada pela estrutura metálica branca e “assemelhando-se” a uma estrutura parasita, ou protética, ou seja, que se aproveita dos grandes apoios de concreto para se estruturar, ao mesmo tempo, que difere, quanto a linguagem do existente, a nova estrutura do térreo passa a abrigar, no espaço da antiga praça, a galeria de artes, uma recepção e acessos aos elevadores. No andar inferior ao passeio público, a biblioteca e, agora, o principal acesso ao teatro; além disso, um pequeno café é criado defronte ao museu.

Sobre a opção pela estrutura metálica branca utilizada na intervenção, apesar de ser possível justificá-la funcionalmente em virtude de seu reduzido peso próprio, e por isso representar um alívio de sobrecarga na estrutura existente, outro aspecto chama a atenção nessa escolha.

Por se tratar de uma intervenção em um edifício emblemático da cidade de São Paulo e da arquitetura brasileira, Mendes da Rocha poderia ter sucumbido à idéia de fazer uma intervenção que se subordinasse completamente ao existente, tornando-se uma presença quase ausente, em termos visuais, em relação ao conjunto.

Ao contrário, em função do partido adotado, poderíamos dizer que Mendes da Rocha não foi conservador; parece haver, nesse caso, na opção pela estrutura metálica branca, “pura”, com uma linguagem neutra, “elegante”, que poderíamos, talvez, adjetivá-la de “miesiana” (uma linguagem próxima a arquitetura do mestre moderno Mies Van Der Rohe), uma vontade do arquiteto, aparentemente paradoxal, de romper com o passado por intermédio de uma estratégia de evidenciar, por contraste, os dois momentos históricos. Ou seja, o arquiteto, ao mesmo tempo em que parece negar o existente, exalta-o ao diferenciar muito bem o existente do adicional ; parece querer dizer que cada projeto determina sua própria lógica e identidade.

Ainda sobre a intrigante estrutura “protética” metálica branca, parecia haver um “momento natural”, ou melhor, um momento “primitivo” que era marcado pelo interessante diálogo entre a grande praça do “pilotis” do projeto original e o passeio público da Avenida Paulista. Era um espaço de transição bastante tênue, um espaço intermediário entre a agitação do passeio público e o silêncio dos interiores do edifício, caracterizado, sobretudo, pela ausência e neutralidade.

A intervenção “protética” de Mendes da Rocha, que poderia ser entendida como uma interação entre um “momento primitivo” e uma situação “artificialmente construída”, rompe com uma relação espaço-tempo existente ao “preencher” o espaço.

Ao relocar e reorganizar os espaços do térreo, sobretudo ao posicionar a galeria de artes no nível da antiga praça, criando corredores específicos de acesso ao edifício e teatro, o arquiteto preenche um espaço (a praça) que, anteriormente, poderia ser visto apenas como um grande vazio “desnecessário”, um suplemento.

Porém, como foi dito, a relação espaço-tempo da Avenida Paulista também se modificou; com o alargamento do leito carroçável, os passeios tornaram-se mais estreitos concomitante ao aumento significativo de fluxo de pessoas e automóveis. Na verdade, foi um momento fundamental na história desse edifício. Projetado segundo e para uma situação urbana, as mudanças nessa situação (alargamento da avenida) ocorridas ainda durante a construção do edifício fizeram com que algumas soluções iniciais de projeto se fragilizassem.

Ao alargar o passeio em frente ao prédio, o arquiteto buscou criar um espaço de acolhimento (talvez um desejo de recriar a extinta praça) pois o acesso aos interiores do térreo torna-se mais generoso, há um “respiro” entre o intenso fluxo do passeio público e os degraus que dão acesso aos dois meios-níveis. Esse acolhimento, entretanto, dá-se apenas como um instante de passagem, servindo como uma espécie de “lobby” externo de ingresso ao edifício, não se conformando como um “lugar”. Os “lugares”, de espaços mais generosos, como a biblioteca, agora são todos “internos”, controlados por catracas, sonorizadores e “recepcionistas”, com exceção do espaço do pequeno café, localizado entre a galeria de arte e a entrada do teatro, hoje desativado.

Com a redistribuição, os espaços foram preenchidos; os antigos ambientes foram ampliados, sobretudo a biblioteca, que passou a ser capaz de atender de forma mais adequada um número bem maior de pessoas. Em tempo, fechada desde Fevereiro de 2006, a área da Biblioteca passou a abrigar um espaço de exposições do SESI e área para computadores de acesso público.

Como mencionado, esse preenchimento do espaço também acarretou uma desarticulação, principalmente visual, do teatro em relação a Avenida; o teto inclinado do teatro, por exemplo, projeto do paisagista Burle Marx só é visto agora de alguns poucos pontos do térreo. Mendes da Rocha parece tentar recuperar essa ligação através de uma grande passarela elevada colocada na parte superior do térreo, uma passarela de dimensões generosas que cruza todo o edifício, fazendo uma integração “virtual” entre o passeio da avenida e o teatro.

Interessante esse elemento infra-estrutural. A passarela foi projetada pelo arquiteto com a intenção de criar um espaço para “vernissages”, um espaço para eventos. Diz ele, que esse espaço tem se transformado também em um local para exposições. Em função disso, torna-se importante, ao meu ver, nos debruçarmos um pouco mais sobre esse elemento do projeto.

Elemento infra-estrutural, a passarela tem dois interessantes momentos em suas extremidades. De um lado, acaba se transformando em uma espécie de “belvedere” para a Avenida Paulista, na outra extremidade, uma área de contemplação da cobertura do teatro e do painel inclinado de mosaico português de Burle Marx. Porém, é em sua condição infra-estrutural onde poderíamos discorrer sobre sua maior importância para o conjunto.

Em função de suas generosas dimensões, a passarela-ponte foi criada com o intuito de ser um espaço para pequenos eventos, transformando-se com o tempo em um espaço capaz de abrigar pequenas exposições também. Talvez pudéssemos argumentar que essa sua capacidade de absorver diferentes usos e atividades dá-se por sua condição suplementar no conjunto, ou seja, um espaço que não é imprescindível para o conjunto, para o funcionamento do conjunto, nem tampouco um espaço precisamente definido e desenhado quanto aos seus usos, mas latente, um suporte em permanente estado de latência, significante, a espera de significados por virem em função de possíveis usos momentâneos.

Ao contrário dos demais espaços presentes no térreo, caracterizados e estáveis quanto aos seus usos e destinações, o espaço da passarela–ponte, por ser uma adição “externa”, ou seja, suplementar ao conjunto, poderia ser um local bastante fértil para o surgimento de ações não programadas, ou seja, eventos. Digo, poderia, no condicional, porque não é exatamente isso que acontece.

Como foi dito, “desnecessário”, se considerado à luz dos pressupostos e lógica funcionalistas, essa “presença” de pura ausência – o espaço originado – ao mesmo tempo em que depende e se justifica pela presença das demais construções, seria capaz de, em momentos, transcender sua condição de vazio ao registrar e abrigar ações criativas, “eventos”, transformando-se, assim, em um espaço volátil. Nota-se, “seria capaz” de ampliar sua condição previamente determinada de mera infra-estrutura e de mero suporte ao “bom” funcionamento do conjunto edificado se o acesso a ele fosse facilitado pelo projeto, ou seja, se houvesse a possibilidade de sua maior utilização por parte das pessoas que freqüentam os demais espaços do térreo, se fosse um espaço com maior hospitalidade.

Ao contrário, o acesso a ele é difícil e controlado; é necessário passar por catracas de identificação e acessar um dos 8 (oito) elevadores para chegarmos a ele. Isolado de todo o conjunto, tanto do restante do térreo como da torre, esse espaço não poderia ter uma condição de acesso facilitada já que se propõe a ser um espaço de eventos? Difícil afirmar se essa era ou não a intenção do arquiteto, visto que, muitas vezes, há uma grande distância entre o projeto e as intenções do arquiteto e a realidade. Porém, excetuando os aparentes problemas de acessibilidade e hospitalidade, esse espaço representado pela passarela-ponte, idealizado como um espaço para “eventos”, mais aberto e flexível quanto aos seus usos possíveis momentâneos, coloca-se como um “incômodo” elemento em relação ao “histórico” e questionável papel outorgado ao arquiteto de definidor dos usos e funções de um espaço e a necessidade de sempre preenchê-lo e justificá-lo.

Acessibilidade, hospitalidade, mobilidade, termos que, historicamente, configuraram uma certa ambigüidade e dupla identidade ao térreo do Edifício da FIESP. Generoso com a cidade, ao possuir em seu térreo, espaços como o teatro do Sesi, uma biblioteca pública, uma galeria de artes, o edifício, ao mesmo tempo, sempre conservou enfraquecida sua condição de elemento articulador do entorno, tanto pelos projetos propostos para o seu térreo, como pela administração e gestão de seus espaços.

Salvo uma pequena escada lateral que, historicamente, sempre foi a responsável pelo acesso ao conjunto dos pedestres pela Alameda Santos, os espaços do térreo carecem de uma melhor articulação com esta rua. Apesar de haver um grande eixo público de transposição para automóveis entre a Alameda Santos e a Avenida Paulista, a integração entre essas duas vias públicas é, digamos, deficiente para pedestres.

Ousado no plano programático para a época, o edifício da FIESP parece ter permanecido, desde seu surgimento, em uma posição intermediária entre a possibilidade de ser público, hospitaleiro e a capacidade de se transformar em um importante instrumento de articulação urbana e sua real condição de (apenas?) um edifício privado com um térreo coletivizado. Mas o fato de, desde sua origem, ser um conjunto privado, mas com um térreo coletivizado e de acesso quase irrestrito, não seria suficiente para se tornar um exemplo a ser seguido? Sobretudo em uma época onde a interdição dos espaços urbanos é crescente e desmesurada, como nos demonstram empreendimentos como ”shopping centers”, condomínios residenciais e empresariais, universidades privadas, e até mesmo alguns casos de Centros Culturais.

Passível de críticas quanto a sua solução formal, excessivamente pesada, monumental, monolítica para muitos, esse “landmark” da Avenida Paulista e da cidade de São Paulo até hoje se conserva como um exemplo da desejável coletivização dos espaços urbanos. Ao contrário de se colocar como outra “landmark”, a intervenção “protética” e “silenciosa” do arquiteto Mendes da Rocha, apesar de alguns senões aqui levantados, coloca-se como um importante suporte de intensificação de usos, a serviço do espaço, da formação e consolidação de um espaço coletivo, e não apenas outro objeto “esteticamente” desenhado e de grande impacto visual.

Em uma época onde se multiplicam exemplos de arquiteturas baseadas quase que exclusivamente na imagem de puro deleite visual (populismo estético) e notabilizadas por seus resultados estético-formais, arquiteturas que parecem ser erguidas apenas para serem fotografadas, a intervenção de Mendes da Rocha torna-se um exemplo da antítese dessa tendência.

Mesmo sendo o que chamamos de estrutura parasita, e por esse fato, também estar muito limitada em seu “campo de atuação” e sujeita às restrições comuns a esses tipos de intervenção, sabemos que a intervenção do arquiteto poderia, em um certo sentido, ter rivalizado ou se tornado “maior” que a própria obra que a abriga, como podemos atestar em muitas intervenções semelhantes a essa espalhadas pelo mundo.

Ao contrário de intervenções como o “Melbourne Central” em Melbourne, de Kisho Kurokawa, onde uma mega-estrutura cônica de aço e vidro recobre por completo um exemplo de arquitetura fabril do século XIX [Lead Pipe & Shot Factory], a conhecida obra “The Box” do arquiteto Eric Owen Moss, um apêndice em uma antiga nave industrial e a ousada e plástica intervenção de remodelação de um ático em Viena do escritório Coop Himmelblau, onde o projeto de uma cobertura “acristalada”, de formas irregulares, sobre um edifício de arquitetura histórica parece ganhar uma autonomia contundente e exageradamente dissonante em relação ao próprio edifício – o “externo” à obra, torna-se “mais importante” que a própria obra, convertendo-se em um “fora-da-obra”.

Ao contrário, a intervenção contida, quase ausente, de formas geométricas puras e superfícies claras, de Mendes da Rocha, ao mesmo tempo em que cria sua própria “identidade” e adquire uma autonomia (sim, é uma adição, talvez um “excesso bom”), interfere na obra mas não se sobrepõe ao edifício existente, não se torna um excesso (“excesso ruim”?), no sentido de exceder a própria obra, um “fora-da-obra” (2). Torna-se, ao mesmo tempo, parte integrante e dissonante da própria obra, e talvez por isso, capaz de contaminá-la e transformá-la em algo além de sua condição primordial, no caso, de uma “landmark”.

Concentrando-se mais em questões como organização dos fluxos e criação de ambiências variadas, a estrutura protética do arquiteto, conceitualmente, parece se preocupar mais com a construção e reorganização de espaços contenedores que com a construção de imagens através de aventuras geométricas e utilização de formas inusitadas.

Contrastando conceitualmente, até mesmo com o edifício existente, este, claramente, como mencionado, um “landmark” urbano, uma edificação massiva com ênfase em aspectos estético-formais, no “design” da forma, a intervenção do arquiteto, com uma arquitetura de estrutura mais “ligeira” e silenciosa, apesar disso, não deixa de ser “desenhada”; porém, não com o intuito de se apresentar como um objeto isolado, um “corpo estranho”, como o fazem os arquitetos e suas propostas acima mencionadas, mas o que talvez poderíamos denominar de um objeto-suporte, ao mesmo tempo figura e fundo em relação à arquitetura existente.

Períodos históricos distintos, visões de arquitetura distintas, estratégias projetuais distintas. O primeiro, o edifício da FIESP, uma arquitetura monumental, porém com um tratamento do térreo, espacial e programaticamente, diferenciado para a época. Com uma proposta de térreo público e usos coletivos, fragilizou-se, no entanto, ao ter ainda durante a construção, a praça do térreo parcialmente obstruída pela linha de apoios que foi acrescentada posteriormente e, nos anos 80, ao ter o acesso a todos os espaços do térreo controlados por uma grade de proteção junto ao passeio público.

O segundo momento, a intervenção de Mendes da Rocha. Uma arquitetura parasita, de linguagem próxima do neutro, mas o suficiente para conferir-lhe uma identidade. Uma arquitetura onde os cheios prevalecem em relação aos vazios, mas, de readequação programática e organização de fluxos, condições que foram fundamentais para uma intensificação de usos dos espaços do térreo, que por sinal, recuperou boa parte de seu caráter original, ou seja, coletivo, perdido com a interdição ocorrida nos anos 80.

Segundo o filósofo alemão Jürgen Habermas (3), o mundo estaria passando por um processo de refeudalização em relação a vida pública, o que poderíamos entender por uma privatização crescente do solo público. Novamente, contribui sobremaneira para isso, a tendência crescente de disseminação de condomínios fechados, “shopping centers”, centros empresariais e grandes edifícios corporativos. Em uma paisagem como a Avenida Paulista, onde os espaços de hospitalidade e mesclagem, social e de funções, são escassos se comparados aos espaços corporativos de excessivo controle, acredito que poderíamos ver o Edifício da FIESP para além de sua ainda inusitada forma, e a intervenção do arquiteto Mendes da Rocha como um exemplo de intervenção arquitetônica que pretende colocar-se mais como um “recipiente/container” potencializador de intensidades e mesclagens, opondo-se a essa tendência atual da arquitetura de populismos estéticos, de construções de “feudos” urbanos de grandes apelos imagéticos.

Para Koolhaas, a metrópole atual não seria algo além de um grande pavimento com pontos de intensidades (4). Em tempos de metáforas, talvez devêssemos começar a pensar a arquitetura menos como a criação de “flores” nesse grande pavimento, e mais como “vasos/recipientes”, abertos à coletividade, na paisagem da Metrópole.

Concebido inicialmente como “flor” urbana – pura visibilidade – como um gesto arquitetônico que marcasse um território, a força do edifício da Fiesp parece hoje estar associada à intensidade – coletividade – possibilitada, mas ainda não confirmada, pelo térreo/recipiente e sua relação “comensal” com o espaço urbano circundante.

notas

1
Entrevista com o arquiteto Antonio Carlos Sant’ Anna Jr., sócio do escritório Rino Levi.

2
DERRIDA, Jacques. La verité em Peinture. Paris, Flammarion, 1978. Nessa obra, Derrida faz uma interessante discussão sobre o que poderia ser considerado “excesso bom e ruim” em uma obra de arte.

3
HABERMAS, Jürgen. Historia y crítica de la opinión pública. La transformación estructural de la vida pública. 4ª. ed. Barcelona, Gustavo Gili, 1981. HABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural da esfera pública. Investigação acerca de uma categoria burguesa. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1984.

4
SOLA MORALES, Ignasi; COSTA, Xavier. Metropolis. Barcelona, Gustavo Gilli, 2005.

referências bibliográficas

ANELLI, Renato, GUERRA, Abílio, KON, Nelson. Rino Levi. São Paulo, Romano Guerra, 2001.

ARTIGAS, Rosa (org.). Paulo Mendes da Rocha. São Paulo, Cosac Naify, 2000.

Edifício FIESP–CIESP–SESI. Edizione di Communitá Milano, 1974.

FOUCAULT, Michel. “Of Other Spaces”. In: Diacratics 16 1, Paris, springs 1986.

TSCHUMI, Bernard. Event Cities. Cambridge, The MIT Press, 1994.

TSCHUMI, Bernard. Architecture and Disjunction. Cambridge, The MIT Press, 1996.

TSCHUMI, Bernard. “Le Fresnoy – Architecture” In: /Between. New York, The Monacelli Press, 1999.

sobre o autor

Igor Guatelli, arquiteto formado pela FAU–USP, mestre pela FAU–USP e doutor pela FFLCH–USP, professor da FAU–Mackenzie.

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