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architexts ISSN 1809-6298


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Os autores estudam as conseqüências para o clima de João Pessoa/PB da legislação que estabelece uma verticalização escalonada para sua orla marítima


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CARVALHO, Homero; CORBELLA, Oscar; GONÇALVES DIAS, Francisco . Repercussões negativas no clima da cidade de João Pessoa PB devidas ao escalonamento dos edifícios na sua orla marítima. Arquitextos, São Paulo, ano 07, n. 082.05, Vitruvius, mar. 2007 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/07.082/264>.

Obedecendo a Constituição do Estado da Paraíba (Art. 229) (1) e a Lei Orgânica para o Município de João Pessoa (Art. 175) (2), o Plano Diretor de João Pessoa (3), em seu Art. 25, prevê restrições relacionadas ao controle do gabarito em altura dos edifícios na porção da cidade, denominada “Orla Marítima”, correspondendo a uma faixa linear de 500m medidos a partir da preamar de sizígia em direção ao interior do continente. Nesta faixa, o gabarito é escalonado, iniciando-se a 12,90m de altura na primeira linha de lotes à beira-mar, e estendendo-se até aproximadamente 35m na última linha.

Seminários sobre estas restrições foram, por diversas vezes, palco de discussões entre aqueles que por algum motivo concordam ou discordam da legislação. Por um lado, o mercado imobiliário pressiona o Estado a reformular a legislação sob o argumento de que tais restrições emperram o crescimento da cidade através do turismo, já que não é possível construir grandes hotéis e edifícios de apartamento à beira-mar. Por outro lado, outros personagens da cidade, entre eles ambientalistas, políticos e arquitetos, alguns deles, mentores de tal lei, resistem sob o discurso de que a construção de edificações mais altas (os ditos “espigões”) à beira-mar trará sérios danos à paisagem e ao ambiente da orla marítima, entre eles, o aumento do sombreamento da areia da praia e o impedimento da permeabilidade da malha urbana ao vento.

A questão verificada em toda essa discussão, que já se prolonga há quase 12 anos, é que há pouca ou nenhuma fundamentação técnico-científica na maior parte dos argumentos, de ambas as partes, apresentados até agora, principalmente que justifiquem a manutenção das restrições em vigor.

Neste contexto, o Governo Estadual e as prefeituras das cidades atingidas pelo Art. 229 da Constituição Estadual, nas sucessivas gestões ao longo desses anos, nada fizeram para avaliar e discutir os fundamentos dessa lei, mesmo após a publicação de alguns estudos (4) sobre clima urbano, cujo teor comprova o equívoco tomado ao se estabelecer uma verticalização escalonada para a orla marítima das cidades litorâneas da Paraíba, sobretudo em termos de favorecimento à permeabilidade da ventilação.

O principal equívoco está em não considerar as características dos ventos alísios incidentes na região, a orientação da malha urbana em relação a esses ventos e à incidência da radiação solar e os acidentes geográficos existentes, especialmente a falésia do Cabo Branco, o que remete a diferentes condições climáticas ao longo do perímetro sinuoso da orla marítima.

Silva (5), Ferraz (6) e Peregrino (7), realizando experimentos em túnel aerodinâmico, ao compararem diversas configurações de ocupação em três áreas distintas da orla marítima da Grande João Pessoa (Bessa, Intermares e Tambaú/Cabo Branco), constataram que as configurações projetadas de acordo com a legislação em vigor são as que oferecem um dos piores desempenhos em termos de ventilação, visto que o escalonamento em altura das edificações, ao invés de favorecer a ventilação das porções subseqüentes à orla marítima, provocavam a elevação da camada limite atmosférica, ou seja, servem como uma espécie de rampa aos escoamentos do vento, direcionando-o para o alto. Como conseqüência, os referidos autores alertam que tal situação favorece a retenção de calor e de poluentes no interior da malha urbana, causando desconforto térmico, doenças cárdio-respiratórias e elevação do consumo energético para resfriamento do ar no interior das edificações.

Com a aplicação da metodologia desenvolvida por Carvalho (8), aplicada à orla marítima da cidade de João Pessoa, analisando as inter-relações entre a ocupação do seu solo urbano e o clima local, constataram-se formações de ilhas de calor nos bairros de Tambaú e Cabo Branco (figura 1), através de inter-relação feitas entre a formação destas e o modelo de ocupação da área referida, o que já compromete e continuará comprometendo sua qualidade ambiental, caso continue sendo ocupada à luz da legislação vigente.

A intensidade das ilhas de calor detectadas na área

Foram tomadas séries de dados climáticos (temperatura e umidade do ar e direção e velocidade do vento) medidas em oito estações meteorológicas instaladas no interior da malha urbana da orla e em uma instalada em área não urbanizada da cidade (estação de referência), no período de 03 a 30 de novembro de 2004, correspondendo a um dos meses de verão, determinados por Carvalho (9). De acordo com os dados obtidos pelo referido autor, novembro corresponde a um dos meses mais quentes do ano e que tem maior freqüência da incidência dos ventos de sudeste e com maior velocidade, possibilitando uma visão melhor dos efeitos da ventilação sobre a temperatura do ar.

Tais medições deram a conhecer o quanto o padrão de urbanização adotado na área em estudo tem modificado elementos do clima local, em especial, a temperatura, a umidade relativa do ar e a velocidade e direção do vento.

A análise desses dados possibilitou a quantificação dessas ilhas de calor. Pela manhã e à tarde, a ilha de calor foi mais crítica com ventos leste e nordeste (gráfico 1 a 4), atingindo 2,7°C no ponto B2 pela manhã (em 28/11/04) e 3,8°C em C1 à tarde (em 18/11/04). À noite, com vento sudeste, atingiu 3,3°C (em 12/11/04).

A ilha de calor máxima ocorreu com vento sudeste à tarde (gráfico 3), no ponto B1, atingindo 3,8°C, revelando a preocupante condição de stress térmico diurno, que mesmo os ventos mais fortes de sudeste incidentes na cidade não foram suficientes para dissipar a ilha de calor. Assim, a ilha de calor diurna está associada à redução da velocidade do vento pelo escalonamento das edificações.

Para se ter uma idéia, na tarde do dia 18/11/2004, o vento sudeste atingiu, em média, 5,8m/s na estação de referência e apenas 0,6m/s no ponto B1, onde a ilha foi mais forte. A menor ilha de calor neste dia foi verificada no ponto B2, exatamente o mais ventilado (2,2m/s). No dia 26/11/2004, o vento leste atingiu 6,9m/s na estação de referência e 0,8m/s no ponto C1, em média. Neste dia, a menor ilha de calor ocorreu no ponto B2, o segundo mais ventilado, com 1,5m/s.

Durante o período de vento sudeste, à exceção do ponto B2, os demais pontos foram atingidos por ventos de calmo a aragem leve (0 a 1,5m/s), segundo a classificação Beaufort. O ponto B2 permaneceu ventilado na maior parte do tempo por uma brisa leve (1,6 a 3,3m/s), mesmo assim, pouco eficiente durante o dia em termos de resfriamento convectivo.

Durante as manhãs, e com vento sudeste, a ilha de calor foi mais intensa nos pontos C1, C2, D1 e D2 (gráfico 2), os últimos medidos na seqüência. Neste mesmo horário, em alguns pontos foram verificadas ilhas de frio, explicável pelo fato de a estação de referência estar mais exposta à radiação solar direta, aquecendo-se mais rapidamente em relação ao interior da cidade. O maior valor de ilha de frio foi verificado no ponto B2 (-1,9°C), em 24/11/04, quando os ventos sopraram de leste e de nordeste (gráfico 2). Com vento sudeste, a maior ilha de frio ocorreu no ponto B1 (-1,4°C), em 08/11/04 (gráfico 1). A maior ilha de frio em B2 deveu-se, principalmente, ao menor fator de visão do céu, que lhe proporciona uma menor exposição à radiação solar.

À tarde, com vento sudeste, a ilha de calor foi mais forte nos pontos situados em vias asfaltadas, A1, A2, C1 e C2 (gráfico 3), sendo C1 o ponto menos ventilado neste período. Com ventos de leste e nordeste, a ilha de calor foi mais intensa nos pontos mais expostos à radiação solar (B1, B2, C1 e C2), especialmente nos pontos C1 e C2, que além de terem alto índice de exposição ao sol, estão situados em uma via asfaltada. O ponto D1 foi o que se manteve com temperaturas mais próximas das da estação de referência neste período.

À noite, o campo térmico da área estudada permaneceu mais homogêneo, não sendo evidente a relação da ilha de calor com qualquer elemento da forma urbana. A ilha de calor noturna foi mais intensa no período em que o vento sudeste predominou, justificada pela maior ocorrência de calmarias, corroborando com o verificado em outros estudos antecedentes, a exemplo de Tim Oke (10), Magda Adelaide Lombardo (11), Eleonora Sad de Assis (12) e Ana Maria Brandão (13), cujos resultados demonstraram que a ilha de calor é mais nítida com céu claro e com ventos calmos.

Conclusões

Os resultados desta pesquisa reforçam o que já vem sendo dito em outros estudos e em seminários realizados em João Pessoa sobre a necessidade de uma reformulação urgente da sua legislação urbana, embasada em estudos técnico-científicos, tendo em vista que os danos causados pelo modelo atual de ocupação tendem, nitidamente, a se agravar caso o adensamento da área atinja a sua plenitude, conforme as possibilidades induzidas pela legislação vigente.

Conclui-se, ainda, que:

  • no caso da área estudada a ilha de calor diurna é mais intensa do que a noturna, portanto, mais preocupante, já que esta condição pode estar elevando o consumo de energia por aparelhos de ar condicionado, que, em ambientes de trabalho, são mais utilizados durante o dia;
  • a ilha de calor diurna verificada no local apresentou uma magnitude de 3,7°C com ventos leste e nordeste e até 3,8°C com vento sudeste no período observado, valores preocupantes, já que a área estudada ainda é pouco adensada e se encontra no primeiro plano em relação à incidência dos ventos dominantes, o que leva a crer que porções mais centrais da cidade podem estar mais aquecidas;
  • a ilha de calor, em geral, foi mais intensa com os ventos mais lentos de leste e de nordeste. Por um lado, porque esses ventos já chegam à cidade mais aquecidos do que os de sudeste, dada as mudanças dos movimentos das massas de ar na região no período de verão. Por outro lado, porque a configuração (e o adensamento) urbana existente é mais permeável ao vento sudeste, fato observado através das figuras de erosão obtidas dos experimentos realizados em um túnel aerodinâmico (figuras 2 e 3). Note-se que o percentual de área ventilada (áreas em branco) para o vento sudeste é superior, indicando que, com esta direção de vento, a porção estudada está menos sujeita às concentrações de calor e de poluição do ar;
  • não é possível estabelecer como regra que o aumento da densidade construída (e assim, a verticalização das construções) provoque a elevação da temperatura. Os resultados apresentados aqui vêm a corroborar com outros de trabalhos, indicando exatamente o contrário, o que remete à hipótese de que, até um certo limite, a verticalização das edificações contribui para a redução da temperatura, pois aumenta o sombreamento das ruas e, em alguns casos, provoca a aceleração dos ventos; novos estudos sobre essa questão estão sendo desenvolvidos no Programa de Pós-Graduação em Engenharia Urbana da Universidade Federal da Paraíba, com o intuito de estabelecer uma relação “ideal” entre a altura e o afastamento entre os edifícios para a cidade de João Pessoa;
  • o comportamento verificado nos pontos D1 e D2, à tarde, com temperatura do ar variando, em média, de -0,18°C a +0,48°C em relação à estação de referência, reforça a necessidade de se implementar ações que criem espaços mais sombreados e mais ventilados.
  • o crescimento da urbanização da área estudada tem provocado a redução da cobertura vegetal e das áreas de solo permeável, agravado pela inexistência de áreas verdes no local. Assim, devem ser revistos os valores das taxas de permeabilidade do solo a ser reservada em cada empreendimento, (estabelecido na legislação urbana); e o poder público municipal, por sua vez, deve desenvolver um programa de arborização, contribuindo assim para o sombreamento dos passeios públicos e praças e, conseqüentemente, para redução dos ganhos de calor pela estrutura urbana.

Fica claro, através desse e de outros estudos, que o clima deve ser considerado como princípio no processo de planejamento, tendo em vista a obtenção de um espaço urbano adequado ambientalmente e, portanto, sadio.

A legislação com relação ao escalonamento dos edifícios deve ser modificada, porém tendo-se cuidado de exigir um importante afastamento lateral entre os edifícios, para que a massa edificada seja permeável aos ventos. A falta de permeabilidade também é responsável pelas ilhas de calor não dissipadas pelas “sombras de ventos”, que acontecem nas orlas tão comuns do tipo “Copacabana”, no Rio de Janeiro (14).

No entanto, mesmo com todas essas informações, os atuais planejadores da cidade de João Pessoa, alguns deles, mentores ou defensores da atual legislação, acabam de sugerir e fazer aprovar na câmera de vereadores a lei da taxa de outorga, que permite ao construtor exceder os limites construtivos prescritos na legislação urbana desde que pague uma espécie de multa sobre o excedente. Essa atitude significa que o que já vinha sendo praticado de maneira ilícita passa a ter o consentimento público legal, sob o pretexto de se abastecer os cofres públicos como contrapartida para investimentos em infra-estrutura. Enfim, o controle que ora era feito sob uma legislação equivocada agora passa a ser inexistente.

notas

1
Constituição Estadual da Paraíba. Capítulo IV – Da proteção do meio ambiente e do solo, Art. 229. Promulgada em 1989.

2
JOÃO PESSOA. Lei Orgânica do Município. Art. 175, 1990.

3
PLANO DIRETOR DE JOÃO PESSOA. Prefeitura Municipal de João Pessoa, 1992.

4
Os trabalhos mencionados foram iniciados e se baseiam na “metodologia de avaliação das ações do vento no planejamento da ocupação do solo” desenvolvida pelo Prof. Dr. Francisco de Assis Gonçalves da Silva, do Departamento de Arquitetura e Urbanismo e do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Urbana da Universidade Federal da Paraíba. Estão referenciados nas notas seguintes.

5
GONÇALVES DA SILVA, Francisco de Assis. O vento como ferramenta no desenho do ambiente construído; uma aplicação ao Nordeste do Brasil. Tese de doutorado. São Paulo, FAUUSP, 1999.

6
FERRAZ, Aline Paiva Montenegro. Estudo da repercussão das variáveis climáticas decorrentes da ocupação do solo em intermares. Dissertação de mestrado em desenvolvimento e meio ambiente. João Pessoa, PRODEMA/UFPB, 2003.

7
PEREGRINO, P. Inter-relações existentes entre os escoamentos de ventos e os padrões de ocupação do solo nos bairros do Cabo Branco e Tambaú/João Pessoa – PB. Dissertação de mestrado em engenharia urbana. João Pessoa, UFPB, 2005.

8
CARVALHO, Homero Jorge Matos de Carvalho. Metodologia para a análise das interações entre a forma urbana e o clima: aplicação a uma cidade brasileira de clima litorâneo com baixa latitude. Tese de doutorado em urbanismo. Rio de Janeiro, PROURB/FAU/UFRJ, 2006.

9
CARVALHO, Homero Jorge Matos de. Parâmetros climatológicos para o estudo do balanço termo-energético de edificações da cidade de João Pessoa – PB. Dissertação de mestrado. Natal, UFRN, 2001.

10
OKE, Tim R. Canyon geometry and the nocturnal urbans heat island: comparison of scale model and field observations. In: Journal of Climatology, vol. 1, 1981, p 237-254

11
LOMBARDO, Magda Adelaide. A ilha de calor na Metrópole Paulistana. Tese de doutorado em geografia. São Paulo, FFLCH-USP, 1984.

12
ASSIS, Eleonora Sad de. Mecanismos de desenho urbano apropriados à atenuação da ilha de calor urbana; análise de desempenho de áreas verdes em clima tropical. Dissertação de mestrado. Rio de Janeiro, FAU/UFRJ, 1990.

13
BRANDÃO, Ana Maria P. M. O clima urbano da cidade do Rio de Janeiro. Tese de doutorado em geografia. São Paulo, FFLCH/USP, 1996.

14
CORBELLA, Oscar Daniel e YANNAS, Simos. Posto 3 Copacabana Rio de Janeiro. Salvador, BA, Anais do IV ENCAC, FAU/UFBA – ANTAC, p. 118-123, 1997.

sobre o autor

Homero Carvalho, arquiteto, doutor em urbanismo pelo PROURB/FAU/UFRJ, docente do CEFET-PB.

Oscar Corbella, Físico, doutor em física, docente da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Pesquisador do CNPq.

Francisco Gonçalves da Silva, arquiteto, doutor em estruturas ambientais e urbanas, docente da Universidade Federal da Paraíba.

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