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architexts ISSN 1809-6298

abstracts

português
Renato Anelli analisa alguns projetos urbanos realizados ao longo da rede do Metrô, que procuravam relacionar a maior oferta de viagens pelo sistema de transporte com a intensificação planejada do uso do solo


how to quote

ANELLI, Renato. Urbanização em rede. Os Corredores de Atividades Múltiplas do PUB e os projetos de reurbanização da Emurb - 1972-1982. Arquitextos, São Paulo, ano 08, n. 088.01, Vitruvius, set. 2007 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/08.088/204>.

Área originalmente destinada para o projeto Bras Bresser, 2007


Esta é a segunda parte do artigo "Redes de mobilidade e urbanismo em São Paulo: das radiais/perimetrais do Plano de Avenidas à malha direcional PUB”, publicado anteriormente em Arquitextos (1). Aqui são analisados projetos urbanos realizados ao longo de tramos e pontos nodais da rede do Metrô, que procuravam adensar a utilização de faixas territoriais diretamente servidas por esse sistema de transporte de massa. O terceiro artigo da série aprofundará em breve a análise da malha viária do PUB destacando a sua relação com a rede viária existente até 1968 e o seu desenvolvimento no o Plano de Vias Expressas de 1971-1972.

Os projetos analisados aqui concebem um urbanismo que relaciona a maior oferta de viagens pelo sistema de transporte de massa com intensificação planejada do uso do solo ao longo da rede de Metrô. Com origens e destinos distribuídos em corredores junto às redes de transporte de massa, o deslocamento da população por grandes distâncias se tornaria mais fácil, rápido e econômico. Um dos objetivos principais do Plano Urbanístico Básico (2), de 1969, foi reduzir o tempo de viagem para ampliar o oferecimento de alternativas de residência e trabalho e de acesso fácil a serviços em toda a área metropolitana. Um conceito urbano distinto tanto da idéia da cidade composta por um conjunto de pequenos núcleos urbanos auto-suficientes (aonde os habitantes trabalhariam próximo à sua moradia), quanto da concepção de uma cidade mononuclear de expansão ilimitada. A gigantesca conurbação que constituiria a Região Metropolitana de São Paulo foi assumida como uma potência positiva na ampliação da oferta de postos para a força de trabalho e para a localização de moradia. A vida cotidiana concebida para a metrópole que emergiria da década de 1970 estava baseada no deslocamento diário da população por grandes extensões. Uma forma de aumentar a mobilidade da força de trabalho, no sentido de ampliar a concorrência por postos de trabalho e mão de obra ao não se vincular o emprego à proximidade com a moradia. Para otimizar os investimentos em serviços públicos que oferecem melhorares condições de reprodução da força de trabalho, as facilidades de movimento da população ampliaria as áreas servidas pelos equipamentos.

Ao se espalhar ao longo das redes de mobilidade, a metrópole poderia prescindir do centro que caracteriza a cidade mononuclear, o qual sobreviveria apenas em função do modelo viário radio-concêntrico que vinha sendo implantado desde a década de 1930 de acordo com o Plano de Avenidas de Prestes Maia.

Analisaremos a seguir quatro casos de ações de reurbanização planejadas pela Empresa Municipal de Urbanização – Emurb entre 1972 e o início da década de 1980, que pretendiam criar corredores de adensamento demográfico associados à rede do Metrô (3).

Emurb

Apesar de ocorrer nos anos mais rígidos do regime militar, a gestão do prefeito José Carlos de Figueiredo Ferraz (1971-1973) apresentou importantes contribuições para a estruturação de instituições de planejamento urbano em São Paulo. Ferraz, engenheiro de reputação profissional elevada, apoiou-se em um conjunto de profissionais da área de arquitetura e planejamento que não estavam engajados nas ações de oposição ao regime militar. Roberto Cerqueira César, ex-sócio de Rino Levi e colaborador do ex-prefeito Faria Lima, foi convidado para coordenar a Coordenadoria Geral de Planejamento – Cogep e logo depois para assumir a presidência da Empresa Municipal de Urbanização – Emurb, fundada em dezembro de 1971.

Concebida como um instrumento para agilizar as intervenções urbanísticas da prefeitura e superar a inércia das estruturas de carreira das secretarias, a Emurb abriu na gestão de Cerqueira César (1972-1973) um leque amplo de projetos urbanos. Sua equipe técnica foi composta majoritariamente por arquitetos, remunerada com um nível salarial superior ao da prefeitura e com a atribuição de regulamentar as suas próprias regras de licitação para contratação de obras e projetos.

A Emurb concretizou em projetos diversas idéias em circulação no meio arquitetônico paulista. Projetos que constituíram um estoque de propostas maior do que a possibilidade de implantação pela prefeitura. Entre eles, os projetos relacionados com o Metrô então em construção.

Sendo ambas instituições de caráter municipal, foi estabelecida uma divisão de atribuições. Enquanto o Metrô era responsável pelo planejamento das linhas e pelo projeto das estações e demais equipamentos operacionais, a Emurb se ocupava de planos de reurbanização das áreas diretamente servidas pela rede. A despeito dos vários projetos realizados, poucos foram implementados, restando em seu lugar chagas urbanas ainda hoje abertas.

Os planos de reurbanização das áreas desapropriadas para o Metrô não tinham como objetivo apenas minimizar os impactos negativos das demolições para a construção da rede. Eneida Heck demonstra que seu principal objetivo era reverter ao poder público os ganhos de valorização imobiliária advindos da implantação do Metrô (4). A Emurb atuou em conjunto com a Companhia do Metrô, desapropriando as grandes áreas envoltórias das estações e linhas, planejando reurbanizações que permitissem a sua comercialização com lucros que amortizassem os elevados custos de implantação da rede.

Consideramos que para isso era retomado o conceito dos Corredores de Atividades Múltiplas do PUB, procurando viabilizar o adensamento nessas áreas. Como já comentamos no artigo anterior, esses corredores seriam constituídos por faixas de 600 m de largura ao longo das linhas de Metrô onde se deveria atingir uma densidade habitacional relativamente alta (300 habitantes por hectare). Nas proximidades das estações seriam concentrados escritórios e comércio, enquanto que eqüidistantes a elas, seriam criadas praças com os principais equipamentos dos serviços públicos de saúde e educação de uso social. Um conceito esquemático com diversas possibilidades de formalização.

Algumas das áreas definidas como objeto de reurbanização associada à rede do Metrô foram escolhidas para receber verbas federais. Em 1973 a Prefeitura de São Paulo aderiu ao programa Comunidades Urbanas de Recuperação Acelerada – Cura, do Banco Nacional de Habitação – BNH (5). Inicialmente foram indicadas quatro áreas: Santana, Jabaquara, Vila das Mercês e Itaquera. A Emurb foi definida como coordenadora do programa em São Paulo e elaborou diretrizes para as quatro áreas. Em 1975 o novo prefeito, Olavo Setúbal (1975-79) redefiniu as prioridades, escolhendo a área ao longo do Metrô entre as estações Brás e Bresser para concentrar os investimentos do BNH.

Fora do Programa Cura, analisaremos o caso da área próxima à estação Vergueiro, uma das áreas mais centrais dos planos de reurbanização, para a qual foi concebida uma modalidade de investimento em parceria com a iniciativa privada.

Santana

Situado no extremo norte da linha quando o Metrô iniciou sua operação, o projeto Santana abrangia uma área de quatorze mil e setecentos metros quadrados. Mas seis quadras de intervenção direta, o plano previa a construção do terminal de ônibus urbano conectado por corredor subterrâneo à estação e o desenvolvimento de um novo tipo de quadra que superasse os limites dos pequenos lotes existentes.

Esquema comparativo renovação espontânea e renovação controlada


No lugar de uma renovação urbana espontânea, que naturalmente ocorreria pela valorização da área, o adensamento vertical da reurbanização planejada combinaria a liberação de mais áreas verdes para uso coletivo com a organização da circulação e dos estacionamentos de modo a eliminar conflitos de fluxos. Somente uma ação pública a um só tempo poderia ter a eficiência necessária para isso, o que justificava a ampla desapropriação. O Zoneamento do PDDI era a base legal que fundamentava a operação, definindo as áreas envoltórias às estações do Metrô como Zonas de Uso Especial – Z8. Para evitar processos independentes da ação pública, essas áreas tinham usos e índices mais restritivos, gerando a “denominação pela qual ficaram conhecidas como áreas 'congeladas' – justamente prevendo-se ali uma atuação direta da Prefeitura” (6). Em 1973 um conjunto de leis regulamentou esses projetos de reurbanização, permitindo à Emurb agir na desapropriação dos imóveis abrangidos.

Essa estratégia teve resultados diversos nos vários casos que analisamos aqui. Em Santana, três mandados de segurança impetrados pelos moradores e proprietários contra a Emurb sustaria a continuidade de todo o projeto, restringindo a implantação à estação do Metrô, ao terminal de ônibus e a uma quadra modelo, a quadra 46.

Os mandados questionavam a legalidade da desapropriação para posterior revenda, tendo a Emurb ganho a causa em todos eles em 1976. Entretanto, com a conclusão da obra da estação em 1975, os imóveis se valorizaram, dificultando a desapropriação quando concluído o processo judicial. Com isso o projeto se arrastou por toda a gestão de Ernesto Mange na presidência da Emurb (1975-79), levando à perda dos prazos para os recursos do BNH em 1979.

A única quadra na qual o plano urbanístico da Emurb se concretizou, a quadra 46 (ruas Daizan Alferes Magalhães, Ezequiel Freire e Avenida Cruzeiro do Sul) não apresenta qualidades que a distinga dos projetos do mercado imobiliário da época. Apesar dos remembramentos de lotes em quatro áreas maiores, apenas alguns dos itens dos objetivos gerais dos planos de reurbanização foram alcançados: os afastamentos amplos entre os edifícios e a concentração de acessos de veículos. Não se encontra ali sinais de uso coletivo da área verde e das circulações de pedestres nos meios das quadras que possam denotar a presença de um urbanismo especial. Apenas a liberação de área para a construção de equipamento social pode ser vista como ação de interesse público, sendo muito pouco para justificar tamanho esforço.

Entretanto, o adensamento da região acabou ocorrendo fora do polígono "congelado". A verticalização da região ocorreu a norte da estação, atingindo um perfil de renda muito mais elevado do que aquele visado pelo Programa Cura.

Nova Vergueiro

Para este projeto de reurbanização situado entre o Centro e a região do bairro Paraíso foi escolhida uma área de oitenta mil metros quadrados com forma longilínea, situada entre a Rua Vergueiro, sob a qual passa a linha Norte-Sul do Metrô, e a Avenida 23 de Maio. Trata-se, portanto, de um remanescente das desapropriações realizadas para a implantação de dois sistemas de mobilidade em escala metropolitana, Metrô e via expressa. A pequena distância horizontal e o desnível acentuado entre essas duas vias geraram uma área estreita e longa, com características de talude, de difícil aproveitamento. A gestão de Alberto Botti (1973/75) na presidência da Emurb desenvolveu uma proposta inovadora, para a época, ao estabelecer uma única concorrência de projeto, construção e exploração comercial do empreendimento:

"Ao invés de pagar diretamente pelo custo da obra, a Emurb pretende fazer uma permuta: as empresas construirão todos os edifícios públicos e privados, reservando área para o lazer e ajardinamento, em troca de determinada quantidade de área construída que poderão revender ao fim da reurbanização" (7).

A concorrência se deu sobre um Termo de Referência preparado pela Emurb, no qual um conjunto de croquis esquemáticos definia as situações espaciais desejadas pelos promotores. Dessa forma as propostas arquitetônicas e comerciais foram concebidas articuladamente, realizando as condições estabelecidas pelo poder público. Os esquemas de implantação e índices de ocupação e de aproveitamento propõem que o espaço da Rua Vergueiro estendesse através do nível térreo, tornando-se uma praça em plataforma para o vale da 23 de Maio. Acima desse nível seriam erguidas as torres e abaixo ficariam serviços e estacionamento. A Igreja de Santo Agostinho, com seu pequeno largo, assumiram o papel de uma referência histórica da região, estruturando a travessia do vale pelo viaduto Beneficência Portuguesa e Rua João Julião.

Nova Vergueiro
Imagem divulgação [revista Manchete]


Antes mesmo de concluída a licitação, a revista Manchete publicava uma perspectiva fantasiosa do projeto, na qual três torres cilíndricas com fachadas de vidro e marquises amebóides do térreo no nível da Rua Vergueiro acentuavam a modernidade do conjunto urbanístico proposto.

Da licitação concluída em julho de 1974 participaram a Construtora Adolfo Lindemberg S/A e os consórcios da CBPO com a Formaespaço S/A e da Guarantã Servlease S/A com a Prourb, este último sagrando-se vencedor. O projeto, de autoria dos arquitetos Sidinei Rodrigues e Roger Zmekhol, atingia valores entre 600 e 700 milhões de cruzeiros e levava o mercado imobiliário a questionar se o seu novo rumo seria o do aproveitamento de grandes áreas associadas aos investimentos em infraestrutura (8).

A proposta definia o espaço entre os níveis das duas vias como garagens e serviços, situando no plano da Rua Vergueiro um conjunto comercial e terraços públicos acima dos quais se elevavam um hotel no setor norte e duas torres de escritórios no setor sul. Uma via elevada atravessava a rua Vergueiro, ligando o largo da igreja com o conjunto.

Corte esquemático Termo de Referência Projeto Nova Vergueiro

Zmekhol havia se destacado entre os arquitetos paulistas em 1961 com o edifício Paes de Almeida na esquina da avenida Rio Branco com o Largo Paissandu: uma torre de 20 andares com vedação externa em sistema "curtain-wall", com rigorosa aparência miesiana (9). Na Nova Vergueiro sua arquitetura se afasta desse rigor, o jogo de alternâncias das extensas lajes horizontais e a forma em "Y" das torres de escritórios acompanham as transformações que o International Style passava na década de 1970. Em manifestação na imprensa os autores apresentam La Defense, em Paris, como um exemplo internacional a ser seguido.

O final da concorrência coincidiu com a mudança de prefeito e apesar de se esperar que a afinidade política entre os prefeitos paulistanos do regime militar geraria alguma continuidade administrativa, a sucessão de Miguel Colassuono por Olavo Setúbal resultou no contrário. Pouco depois de assumir a prefeitura Setúbal anulou a concorrência (10), acusando o projeto de não cumprir o edital, adensar excessivamente a cidade e construir os 25% de áreas verdes exigidas sobre lajes – "o que, na realidade não é área verde, mas potes de plantas" (11).

Na sua defesa, os autores argumentavam que eles teriam seguido estritamente o Termo de Referência da própria Emurb. A vitória dos empreendedores na ação judicial movida contra a decisão do prefeito reforça os argumentos de defesa dos autores e sugere outras causas. A prioridade dada pelo novo prefeito para a Avenida Paulista pode ser entendida como principal mote para o cancelamento da concorrência. O mercado imobiliário paulistano daqueles anos não suportaria duas frentes desse porte. Anulada a concorrência Setúbal decidiu que a porção sul da área receberia a nova Biblioteca Municipal (atual Centro Cultural São Paulo) e a parte norte seria destinada ao Ipesp para a construção da sua sede, o que não se efetivou de fato.

Brás / Bresser

A escolha da linha Norte-Sul como a primeira a ser implantada gerou várias críticas, pois as principais demandas de deslocamento da população de baixa renda era no sentido Leste-Oeste (12). Assim, o caráter de meio de transporte de massa com grande relevância social esteve associado ao projeto da linha Leste-Oeste desde antes do seu desenho. A Cogep coordenou um amplo estudo para definição da Zona Metrô Leste, definindo os perímetros de intervenção ao longo da linha entre o Brás e Itaquera. Participaram da sua elaboração a Emurb, o Metrô, a Secretara Municipal de Vias Públicas (SVP) e Secretaria Municipal de Transportes (SMT) (13).

Corte esquemático projeto Bras Bresser

O projeto da linha Leste-Oeste efetivamente implantado, alterando o estudo inicial da HMD, foi desenvolvido pela própria equipe do Metrô, que a partir de 1972 passou a realizar projetos próprios e não apenas verificar projetos terceirizados (14). Ao contrário da proposta original de construção de uma linha subterrânea pela avenida Celso Garcia, o novo traçado emerge elevado do espigão central por sobre o Parque D. Pedro II e segue cortando na diagonal a malha urbana do Brás até encontrar a linha férrea na estação Bresser. Seu traçado atravessa na diagonal diversos quarteirões, levando à desapropriação de uma área muito superior à da projeção dos trilhos. Nessa opção já estava incorporada a intenção de um amplo processo de reurbanização.

A idéia da multi-modalidade de sistemas de transportes foi levada adiante: Metrô e avenida Radial Leste ultrapassaram o rio Aricanduva e reestruturaram enormes setores da região Leste. As desapropriações também foram mais abrangentes se comparadas às da linha Norte-Sul. Para que o Metrô cumprisse uma função estruturadora da nova configuração do tecido urbano dessa região, o traçado desenhado cortava indistintamente núcleos urbanos em processo de consolidação e áreas de baixa densidade (15). A nova escala metropolitana se impunha sobre a dinâmica local.

Perspectiva do projeto de reurbanização Bras Bresser

Apesar da escolha de sistemas pré-fabricados para as estações, os custos de desapropriação, da construção da avenida, de canalizações de córregos e de outros equipamentos elevaram o valor do investimento global do Metrô. Essa seria a razão pela qual o empreendimento da Emurb na região do Brás foi elevado a prioridade para o Projeto Cura pela administração municipal em 1976. Os recursos federais do BNH e os lucros obtidos com a comercialização dos imóveis deveriam amortizar os altos investimentos municipais no Metrô.

Em nossa pesquisa nos arquivos da Emurb (16) foram localizados vários estudos de reurbanização (sem identificação de autores ou data), que revelam a sua intenção em adotar os princípios dos projetos anteriores em uma escala até então não tentada. A posição da linha elevada, atravessando as áreas desapropriadas sem ter que seguir uma avenida apresentava novas possibilidades urbanísticas e arquitetônicas.

Os cortes e maquetes ilustram bem a concepção: edifícios multifuncionais, com comércio nos pavimentos inferiores, estacionamento no sub-solo e torres laminares de habitação ou escritório nos pisos mais elevados são distribuídos por uma superfície plana pública ajardinada atravessada pelos trilhos elevados. Uma cidade na qual o adensamento e a facilidade de deslocamento em transporte público iria conviver com a amplidão dos espaços abertos verdes.

Maquete do projeto de reurbanização Bras Bresser

Apesar do desenvolvimento e qualidade dos projetos da área Brás-Bresser, o seu contrato com o BNH não prosperou, permanecendo as áreas remanescentes desocupadas até a segunda metade de década de 1980. Na gestão Jânio Quadros (1985-88) a COHAB recebe a área da Emurb e constrói ali diversas torres habitacionais, ocupando a maior parte dos terrenos como área de uso comum desses condomínios. Na gestão seguinte, uma das últimas áreas remanescentes seria objeto de concurso nacional de projetos para um conjunto habitacional não construído, mas a complexidade dos projetos anteriores jamais seria atingida.

Cura Jabaquara

Após o fracasso do projeto Brás-Bresser a prefeitura prioriza a área Jabaquara em 1977.

Em 1973 escritório Croce, Aflalo e Gasperini havia realizado para Emurb o estudo de Viabilidade Econômico/Financeira da Área Cura Piloto Jabaquara (17). A área se estendia ao longo de todo o espigão ao sul da Avenida dos Bandeirantes, entre o Aeroporto de Congonhas e a Rodovia dos Imigrantes, atingindo duas estações projetadas (Conceição e Jabaquara) e chegando pela extensão da avenida Armando de Arruda Pereira até o Sítio da Ressaca (que abriga antiga casa bandeirista) e à Vila do Encontro (setor com maior carência de infraestrutura e perfil de baixa renda).

Croquis analítico reurbanização Jabaquara

Para o programa Cura a grande área foi subdvidida em quatro perímetros de reurbanização. Para a área envoltória da estação Conceição foi seguido o plano original desenvolvido pela Promom Engenharia S.A. sob coordenação da Emurb. As áreas próximas à estação Jabaquara compunham o perímetro Metrô-Inocoop. Os remanescentes da desapropriação ao sul da estação constituíram a área de reurbanização do Sítio da Ressaca. A Vila do Encontro, área mais carente de infraestrutura constituiu o quarto setor do programa Cura Jabaquara.

O que poderia ser considerado um plano integrado para toda essa área, tornou-se objeto de partilha entre várias secretarias da prefeitura (18). Ainda que a Emurb tivesse exatamente a função de evitar a dispersão das intervenções municipais, agiram nessa poligonal o Metrô associado ao Inocop e à Cohab, a Cogep e as Secretarias Municipais de Vias Publicas e de Serviços e Obras, além de todas as Secretarias Municipais responsáveis pelos equipamentos públicos propostos.

Além de problemas decorrentes das dificuldades de coordenação dos projetos, o Cura Jabaquara expõe os limites sociais da política urbana do período. Apesar da área ter um conjunto de bairros periféricos onde predominava o perfil de baixa renda e falta de infraestrutura, os conjuntos habitacionais propostos pela Cohab tinham perfil de renda média (19). O estudo realizado pouco após a sua implantação por Carvalho (1982) demonstrou que a área do projeto Cura Jabaquara sofreu rapidamente grande valorização, tendo o perfil social dos moradores sido alterado poucos anos após a construção da linha do Metrô e das infraestruturas e equipamentos do programa.

Gasperini, São Paulo, 1973


O adensamento através da verticalização corresponde ao objetivo original da proposta dos Corredores de Atividades Múltiplas: transformar uma área de baixo custo imobiliário em uma grande concentração populacional servida por modernos sistemas de transportes de massa. Já a alteração do perfil de renda dos habitantes, que ocorre com a substituição dos moradores originais por outros com renda mais elevada, corresponde ao aumento do seu valor imobiliário gerado pela presença de uma rede de transporte de massa eficiente e sofisticada se comparada com os outros modos de transporte público existentes naquele momento. Uma valorização que poderia ser explicado pelo impacto pioneiro da linha Norte-Sul, a primeira de uma ampla rede de linhas cujo ritmo lento de implantação geraria efeitos desse tipo, os quais deveriam ser reduzidos com a progressiva universalização do acesso ao sistema. Entretanto, deve ser considerado que a estratégia de conquistar para o poder público o retorno financeiro dos seus investimentos no Metrô descarta o desenvolvimento de uma política social associada à melhoria no sistema de transporte. Uma das principais preocupações do programa Cura "a construção de moradias sociais nas áreas de investimento publico não era compartilhada pelos gestores municipais" de São Paulo (20).

Essa crítica não deve impedir de que se reconheça nesses projetos a introdução de novas abordagens urbanísticas e arquitetônicas, proporcionais à escala metropolitana que se atingia em São Paulo. O complexo intermodal junto à estação Jabaquara e a reurbanização da área da estação Conceição apresentam diferentes características, mas ambos referem-se muito mais a condição de parte de uma rede em macro-escala do que à situação urbana pré-existente.

Conceição

Croquis analítico reurbanização Conceição
Imagem divulgação

Com cerca de 10 hectares, a proposta de reurbanização da área onde se localiza a estação Conceição, foi elaborada pela empresa de consultoria Promon em 1974, sob coordenação do arquiteto Paulo Sérgio de Souza e Silva. Tratava-se de uma área com padrão de classe média, com estrutura mais consolidada do que os trechos mais a sul (21). Foram previstas a reestruturação do sistema viário, a implantação de uma praça junto à estação do metrô, de um pequeno parque aproveitando a mata existente, um terminal de ônibus e a divisão da área restante em 6 grandes terrenos para empreendimentos comerciais diretos da Emurb ou de terceiros.

Croquis com o esquema de implantação da reurbanização junto à estação Conceição


A realização do empreendimento levou mais tempo do que o esperado. Apenas em 1981 o Grupo Itaú iniciou a aquisição de quatro áreas e planejou o seu remembramento para um melhor aproveitamento urbanístico. O projeto realizado pela equipe da Itauplan, composta pelos arquitetos João Eduardo de Gennaro, Jaime Cupertino e Francisco Javier Judas y Manubens, alterava o plano urbanístico inicial. Conforme depoimento de Jaime Cupertino, as cinco torres propostas evitavam o efeito "paredão" do plano inicial baseado em edifícios laminares (22).

Plano inicial de reurbanização estação Conceição


A fusão entre os espaços privados de acesso público e os espaços públicos da praça, rua e estação de Metrô ocorre sem comprometer a integridade dos espaços coorporativos, de acesso restrito, constituídos pelas torres unidas pelos ambientes abaixo do nível da avenida. A interligação subterrânea entre as torres permitiu, por sua vez, a liberação do solo para a continuidade da superfície. A complexidade do entrelaçamento dos vários níveis de sub-solo e de superfície contrasta com a clareza e ritmo dos volumes principais das torres. Uma rara experiência de novos padrões de urbanização bem sucedida nesse período em São Paulo.

Reurbanização junto à estação Conceição, situação 2007


Jabaquara

Situada no extremo sul da linha de Metrô, a estação Jabaquara foi concebida interligada a dois terminais, um de ônibus rodoviários inter-urbanos, para o litoral, e outro para ônibus urbanos e metropolitanos, que conecta a rede à região do ABC. O projeto reorganiza completamente o arruamento pré-existente e integra por galeria sob a avenida os dois terminais e o mezanino da estação de Metrô.

Edifício de uso comercial e habitacional junto ao terminal Jabaquara


O partido arquitetônico dos terminais explora a espacialidade das grandes coberturas horizontais, acomodando-se dos dois lados da cumeeira pela qual passa a avenida, e abrindo, na espera do embarque da rodoviária, um terraço para a paisagem (23). Dentro das áreas do complexo, um supermercado privado acentua a intenção de conferir características de centro comercial e de serviços aos principais pontos nodais da rede. Nas proximidades do complexo intermodal encontram-se os vários conjuntos habitacionais realizados pelo Inocop e Cohab e outros empreendimentos privados com características semelhantes.

Entre todos eles destacamos um edifício composto por dois pequenos cilindros de cinco pavimentos, que abriga nos dois primeiros andares um centro comercial e nos demais, apartamentos de dois e três dormitórios. O grande vazio do centro do cilindro é coberto por fibra de vidro translúcida, resultando em um espaço que integra a circulação em balcão, dos acessos aos apartamentos, com o enorme hall dos andares comerciais. Um exemplo de arquitetura que explora as possibilidades espaciais de um conjunto de uso misto, mas que não teve desdobramentos nos vários conjuntos habitacionais construídos na área.

Croquis analítico reurbanização Santana

 

A descrição dos projetos acima, dividida por áreas, pode induzir ao equívoco de uma leitura fragmentada dessa estratégia urbanística de caráter sistêmico. Em depoimento ao autor, Reis Filho (24), retoma um conceito fundamental para entendê-la. Ao pensar a cidade como um processo dinâmico, Reis Filho recupera a classificação dividida entre aquilo que é estruturante e aquilo que é estruturado. Pelo seu custo e pelo seu tempo de construção, o estruturante leva mais tempo para ser completado, tornando-se mais permanente, enquanto o estruturado se renova com rapidez. A estratégia urbanística foi conceber o Metrô como o estruturador dessa ação em escala metropolitana, constituída por uma seqüência de intervenções que formam um sistema aberto para a sua expansão e renovação.

Portanto, tanto a macro escala da rede, como os recortes em escala menor das intervenções de reurbanização, são objetos de um mesmo raciocínio arquitetônico sobre o urbano. Idéia estranha para as gerações mais novas, que se acostumaram a contrapor as duas escalas para valorizar a importância do local contra qualquer idéia de plano em macro escala.

notas

NA - Este trabalho faz parte da pesquisa “Redes de infraestrutura urbana como estratégia irbanística – São Paulo 1960-1986”, em desenvolvimento com apoio do CNPq desde 2005 no Grupo de Pesquisa Arquitetura e Urbanismo no Brasil do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Escola de Engenharia de São Carlos – Universidade de São Paulo. Este artigo contou com a colaboração de Alexandre Seixas (Doutorando USP – São Carlos), Patrícia Sobral Simoneti (Mestranda USP – São Carlos), Cibele Mion (Iniciação Científica USP), Thalita Cruz Ferraz de Oliveira (Iniciação Científica PIBIC/CNPq), Henrique Siqueira (PIBIC/CNPq) e Renata Bogas Gradin (Iniciação Científica Fapesp).

1
ANELLI, Renato Luiz Sobral. Redes de mobilidade e urbanismo em São Paulo. Das radiais/perimetrais do Plano de Avenidas à malha direcional PUB. Arquitextos, São Paulo, ano 07, n. 082.00, Vitruvius, mar. 2007 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/07.082/259>.

2
SÃO PAULO, Prefeitura Municipal, ASPLAN, DAILY, MONTREAL, WILBUR SMITH. Plano Urbanístico Básico. São Paulo, Prefeitura Municipal, 1969.

3
O projeto da Linha Norte-Sul foi realizado pelo consórcio HMD (HOCHTIEF, MONTREAL, DECONSULT (HMD). Metrô de São Paulo. São Paulo: Metrô, 1969, 2 v.) sob encomenda da Companhia do Metropolitano de São Paulo.

4
HECK, Eneida Regina Belluzzo Godoy. A Emurb como instrumento de planejamento urbano em São Paulo 1971-2001. Dissertação de mestrado. São Paulo, FAU USP, 2005.

5
Cf. LUCCHESE, Maria Cecilia. Curam-se cidades: uma proposta urbanistica da decada de 70. Dissertação de mestrado. São Paulo, FAU-USP, 2004.

6
HECK, Eneida Regina Belluzzo Godoy. Op. cit., p. 130.

7
MUNFORD, W. A Nova Vergueiro sem favelas. Folha de S.Paulo, 30 mar. 1974, p. 30.

8
VEJA. Vergueiro: novos rumos para o mercado. Veja. São Paulo, Editora Abril, 21 ago. 1974. p. 126.

9
XAVIER, Alberto; LEMOS, Carlos; CORONA, Eduardo. Arquitetura moderna paulistana. São Paulo, Pini, 1983, p. 59.

10
O ESTADO DE SÃO PAULO. Prefeitura cancela Projeto Vergueiro. 20 jun. 1975, p. 14.

11
FOLHA DE SÃO PAULO. Projeto Vergueiro: cancelamento provoca elogios, críticas e reuniões.Folha de S.Paulo. São Paulo, 21 jun. 1975, p. 11.

12
MUNIZ, Cristiane. A cidade e os trilhos: o Metrô de São Paulo como desenho urbano. Dissertação de mestrado. São Paulo, FAU USP, 2005; PEDROSO, H. Realidade impõe a direção adequada ao caminho do metrô. Projeto, n. 116. São Paulo, 1998, p. 110-111.

13
HECK, Eneida Regina Belluzzo Godoy. Op. cit., p. 170.

14
Conforme depoimentos de Roberto Mac Fadden (9/03/2007) e Renato Viegas (8/12/2007) ao autor.

15
Conforme depoimento de Renato Viegas. Op. cit.

16
As pesquisas contaram com a participação de Henrique Siqueira e Thalita de Oliveira (bolsistas PIBIC CNPq).

17
Para a análise deste projeto foram utilizados o memorial e desenhos do arquivo do escritório Croce, Aflalo e Gasperini, levantados pela mestranda Patrícia Simonetti. As dissertações de HECK (2005) e LUCCHESE (2004) também forneceram importantes aporte.

18
LUCCHESE, Maria Cecilia Op. cit.

19
Idem, ibidem.

20
LUCCHESE, Maria Cecilia Op. cit. A afirmação se restringe aos principais dirigentes políticos, não devendo se estender aos quadros técnicos. Um exemplo são os projetos elaborados especialmente para as áreas mais carentes que procuravam utilizar técnicas mais econômicas de infraestrutura. Conforme entrevista do professor Nestor Goulart Reis Filho, realizada no LAP (FAU USP) em 2/07/2007, participaram juntamente com o autor o arquiteto Alexandre Seixas, orientando de doutorado, e os orientandos de iniciação cientifica Renata Gradin, Cibele Mion e Thalita de Oliveira.

21
BARTALINI, Vladimir. Praças do metrô: enredo, produção, cenário, atores. Dissertação de mestrado. São Paulo, FAU USP, 1988.

22
FICHER, N.; PAIVA, C. Ordenação urbana pela arquitetura. Finestra, n. 34, São Paulo, jul. 2003.

23
O Terminal de Ônibus do Jabaquara (1972) foi projetado por Jerônimo Bonilha, Israel Sancovisk e Paulo Bastos. O Terminal Intermunicipal do Jabaquara (1974) foi projetado por Júlio Neves e Luigi Villavecchia. 

24
Entrevista de Nestor Goulart Reis Filho. Op. cit.

bibliografia complementar

DEÁK, Csaba. "Elementos de uma política de transporte público para São Paulo". In: Revista Espaço & Debates 30, 1990, pp. 42-55, republicado in DEÁK, Csaba; SCHIFFER, Sueli. O processo de urbanização no Brasil. São Paulo, Edusp, 1999.

FELDMAN, Sarah. Planejamento e Zoneamento: São Paulo: 1947-1972. São Paulo, Edusp/Fapesp, 2005.

GNOATO, Salvador. Curitiba, cidade do amanhã: 40 depois. Algumas premissas teóricas do Plano Wilheim-IPPUC. Arquitextos, São Paulo, ano 06, n. 072.01, Vitruvius, maio 2006 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/06.072/351>.

JACOBS, Jane (1961). Vida e morte das grandes cidades americanas. São Paulo, Martins Fontes, 2001.

MEYER, Regina; GROSTEIN, Marta Dora; BIDERMAN, Ciro. São Paulo Metrópole. São Paulo, Edusp/Imprensa Oficial, 2004.

REIS FILHO, Nestor Goulart. Urbanização e teoria: contribuições ao estudo das perspectivas atuais para o conhecimento dos fenômenos de urbanização. São Paulo, Tese de cátedra. São Paulo, FAU USP, 1967.

VILLAÇA, Flávio. Uma contribuição para a história do planejamento urbano no Brasil. In: DEÁK, Csaba; SCHIFFER, Sueli. O processo de urbanização no Brasil. São Paulo, Edusp, 1999.

VILLAÇA, Flávio. Espaço intra-urbano no Brasil. São Paulo, Studio Nobel/Fapesp/Lincoln Institute, 2001.

sobre o autor

Renato Luiz Sobral Anelli, arquiteto (FAU PUC-Campinas, 1982), Mestre em História (IFCH Unicamp, 1990), Doutor (FAU-USP, 1995), Livre-Docente (EESC USP São Carlos, 2001), foi Secretário Municipal de Obras, Transportes e Serviços Públicos de São Carlos entre 2001 e 2004. Pesquisador CNPq e professor do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da USP São Carlos desde 1986, é o atual coordenador do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da USP São Carlos.

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