Diversos historiadores de Campo Grande (1) afirmam que o ano de 1872 (2) marca a chegada de uma comitiva de imigrantes mineiros no centro-sul de Mato Grosso, chefiada por José Antônio Pereira (3) e que trouxe para a região sua família e parentes, tendo construído um pequeno rancho coberto de palha na localidade onde atualmente se encontra o Parque Florestal Antônio Albuquerque, próximo aos córregos Segredo e Prosa.
No início da ocupação das terras, as edificações se localizavam nas imediações da atual Rua 26 de Agosto (4), e foram construídas com taipa de mão e madeira. Localizada fora da área central, a única edificação da época de 1880, ainda existente, é a do Museu José Antônio Pereira. A sede do Museu fica na antiga Fazenda Bálsamo, distante 8 km do centro da cidade, numa área de 7 mil metros quadrados, com várias edificações, dentre elas, semelhante à casa rural mineira rústica, construída em taipa de mão, coberta de telhas de barro, onde residiu Antônio Luís Pereira, filho do fundador da cidade.
Os primeiros ranchos assentados na primeira rua da vila – a Rua Velha, “foram construídos com certo alinhamento, uns ao lado dos outros, tomando feição de rua. Um pouco ao poente (referindo-se à Rua Calógeras e à Rua 7 de Setembro), José Antônio Pereira construiu, em 1879, pequena igreja coberta de palha, depois substituída por telhas de barro transportadas das ruínas das residências jesuítas da localidade de Camapuã, situada ao norte de Mato Grosso do Sul. Ali também foram construídas as primeiras lojas comerciais da nova vila” (5).
Enquanto na Vila os edifícios eram construídos de pau-a-pique, predominavam no Brasil, particularmente nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro o ecletismo na arquitetura (6), a arquitetura do ferro (7), de origem anglo-belga e francesa e alguns edifícios ainda eram construídos em estilo neoclássico.A Vila de Santo Antônio de Campo Grande, por conta de sua localização central na região sul de Mato Grosso e passagem obrigatória do gado oriundo do norte e do leste, se desenvolvia com a chegada dos migrantes mineiros e cuiabanos, principalmente. Em 26 de agosto de 1899, já com aproximadamente 300 habitantes, é elevada à categoria de Município pela Resolução estadual n. 225.
A arquitetura rústica de madeira e de taipa ainda predominava no começo do século XX, como no edifício do Hotel Democrata, construído na área da atual Rua do Padre, próximo à Igreja de Santo Antônio e já demolido. É a primeira edificação de que se tem informação com 2 pavimentos e foi construída em 1904 (8).
A estrada de ferro, o progresso e o desenvolvimento
Em 1905, é aprovado um Código de Posturas Municipais (9) que regulava, entre outras coisas, a higiene, o comércio e as construções na cidade.
Com a chegada dos engenheiros encarregados de estudar o traçado da estrada de ferro Noroeste do Brasil, em 1906, chefiados por Emílio Schnoor (10), as construções começam a ganhar novos padrões construtivos não só pela técnica, mas pelo desenvolvimento dos programas. Em 1909, a pequena vila passa a ter um traçado urbanístico elaborado, a pedido da Intendência Municipal, pelo engenheiro agrimensor Nilo Javary Barém. Era a Planta do Plano de Alinhamento de Ruas e Praças de Campo Grande. A planta “era caracterizada pelo traçado ortogonal com ruas e avenidas mais largas no sentido leste – oeste e quadras retangulares subdivididas em lotes, na sua maioria com 2.500 m² e 50 metros de testada” (11), e definia o traçado urbanístico básico da cidade (12).
Em 1910, o engenheiro agrimensor militar, Themístocles Paes de Souza Brasil, elabora um perfil da cidade, que já contava com 1.200 habitantes segundo seus estudos e definia a Planta do Rossio (13) de Campo Grande com 6.540 hectares, sendo 222 na zona urbana, 1.314 na suburbana e o restante rural.
Ainda no ano de 1910, é construída a primeira residência da cidade de alvenaria de tijolos, de Amando de Oliveira, na Rua 26 de Agosto esquina com a Rua Calógeras, já demolida[Machado 1990]. Em 1912, é a vez do prédio da Intendência Municipal e da Câmara Municipal, na esquina da Av. Afonso Pena com a Rua Calógeras, sede da Prefeitura Municipal até os anos 70, também demolida.
Em 1913, o Eng. João Pandiá Calógeras (14) projeta e constrói a residência de Bernardo Franco Baís (15), o segundo edifício com dois pavimentos da vila, de expressão eclética, localizada às margens dos trilhos da ferrovia, próximo ao centro da cidade.
No ano de 1914, a estrada de ferro Noroeste do Brasil era inaugurada juntamente com o edifício da estação. Com o trem chegavam o desenvolvimento e o progresso. A distância de São Paulo se encurtava, possibilitando a importação de materiais de construção, além de outros bens materiais. A migração, a partir da implantação da ligação da estrada de ferro com São Paulo, via Bauru, se intensifica e começam a chegar os construtores espanhóis, portugueses e italianos, não apenas para trabalhar nas obras, mas para fixar residência e obter emprego. No final de 1914, já havia 1.800 moradores na cidade e 345 prédios.
Dentre os que chegam estão Adolfo Stefano Tognini, José Louzinha, os irmãos José, Vicente e Inácio Gomes Domingues, Francisco Miralles, Joaquim Nossa, Carmello Interlando, José Lacava, Cyríaco Maymone, Emílio de Rose, Francesco Cetrara e Camillo Boni, dentre outros.
No final da década de 10 e início da década de 20, com 3.367 habitantes, havia um predomínio dos construtores em Campo Grande, e algumas de suas obras ainda existem, como o Hotel Central, de 1917, construído por Adolfo S. Tognini, na Rua XV de Novembro esquina com a Rua 13 de Maio; a Casa de Eduardo Olímpio Machado, na Rua XV de Novembro, de 1920; a Loja Maçônica da Rua Calógeras de 1922, de Emílio de Rose; a antiga Agência do Banco do Brasil, na Av. Afonso Pena esquina com a Rua Calógeras, de 1923, atual Casa do Artesão e o Colégio Osvaldo Cruz, de 1920, na Av. Noroeste, de Francesco Cetrara.
Outras obras já foram demolidas, como a casa de Vespasiano Martins, na Rua Calógeras; a antiga Agência dos Correios e Telégrafos, de Emílio de Rose, na Av. Afonso Pena esquina com a Rua 13 de Maio; a sede da Intendência Municipal e do Rádio Clube, na Av. Afonso Pena, estes reformados por Alexandre Tognini; o Colégio Joaquim Murtinho na Av. Afonso Pena e o Cine Trianon, na Rua 14 de Julho, de José Louzinha, dentre outros.
Os frentistas, como eram chamados pela sociedade os profissionais que adornavam e embelezavam as fachadas com motivos decorativos da arquitetura Art Noveau ou Neoclássica de suas origens européias, tinham o domínio da construção civil em Campo Grande, durante a década de 20. Os adornos de fachadas estão, ainda, espalhados nas testeiras de vários edifícios centrais, perdurando no tempo, apesar dos painéis metálicos a escondê-los.
Esses construtores, principalmente os italianos, migraram para o Brasil, entrando por São Paulo, e se espalharam pelo interior do Estado. A presença deles em São Paulo, se dá desde os anos 1870 e durante um bom período foram chamados pelas grandes famílias para trabalharem para elas e construíram bons edifícios. (16)
A história dos edifícios escolares em Campo Grande: de 1914 a 1954
Paulo Coelho Machado, em seu livro A Rua Velha fala da primeira escola construída em Campo Grande, do primeiro professor, enfim dos pioneiros educadores, como a Prof. Umbelina, Maria Amada, Raimundo Nonato e José Rodrigues Benfica. Já a Prof. Maria da Glória Sá Rosa em seu trabalho Memória da Cultura e da Educação em MS, lembra de Luis Alexandre, Múcio Teixeira, Maria Constança e tantos outros. Entretanto, poucos historiadores tratam da evolução arquitetônica e da história dos edifícios escolares.
A arquitetura educacional vem, desde o início do século XX, experimentando constantes modificações no Brasil. Em algumas cidades mais antigas, os edifícios públicos escolares estavam presentes no contexto urbano, ocupando sempre espaços centrais, privilegiados, ao lado da praça principal, dotados de uma arquitetura imponente, resultado do padrão social da classe dirigente. Foi assim em Cuiabá com o Palácio da Instrução, frente à Praça da Matriz (Fig.1); em São Paulo com a Escola Caetano de Campos, na Praça da República (Fig.2); em Corumbá o Colégio estadual atual Instituto Luis Albuquerque - (Fig.3); em Recife o Colégio Estadual de Recife etc, onde os seus principais elementos da arquitetura presentes eram inspirados na arquitetura antiga, de motivos greco-romanos e, assim, em sua grande maioria, traduziam uma arquitetura em estilo eclético (17), do seu tempo.
É claro que eram escolas construídas para as elites sociais e a arquitetura tinha que representar o estilo da burguesia e seu status na sociedade. É claro, também, que eram prédios únicos, com grandes espaços projetados, para abrigar todos os alunos de alta renda do lugar. Uma de suas características tipológicas é que elas eram sempre escolas diferentes uma das outras, apesar de possuírem o mesmo estilo arquitetônico – a idéia de se construir escolas iguais, da mesma administração, é recente, do período militar em diante. No caso de Campo Grande, a história dos edifícios escolares foge um pouco dessa regra nacional, tendo em vista que a ocupação do solo da cidade não se deu de forma organizada, planejada, mas espontânea, correspondendo sempre uma obra a um determinado grau de desenvolvimento.
Foi assim que foi erguida a primeira escola estadual que se tem conhecimento, na Rua 26 de Agosto, antiga Rua Velha, com duas salas de aula e denominada de José Rodrigues Benfica (Fig.4), o primeiro professor da vila, cujo desenho da fachada frontal foi reproduzido no livro Álbum Gráphico de Mato Grosso e atribui-se o desenho ao projetista Plotino de Aragão Soares.
Muitas escolas foram sendo edificadas em na cidade e uma das mais bonitas era o Instituto Pestalozzi (Fig.5), projetada em 1920 pelo engenheiro geômetra e arquiteto Camillo Boni (18), localizada na esquina da Rua 14 de Julho com a Av. Mato Grosso, demolida para a construção do Colégio Dom Bosco.
Muitas escolas foram implantadas em edifícios alugados, cuja finalidade primeira era sempre educar e não construir e essa prática se repete até os dias de hoje. Um bom exemplo disso é o Colégio Osvaldo Cruz (Fig.6) que ocupou o prédio de um antigo armazém de secos e molhados ou ainda do prédio da primeira Faculdade de Campo Grande, a de Odontologia, na Rua Cândido Mariano.
Mas, no ano de 1926, foi construído o Colégio Joaquim Murtinho (Fig.7), projetado por Camillo Boni e edificado por José Luiz Louzinha, com nove salas de aula, na Avenida Afonso Pena e demolido nos anos 70. Já nos anos 30, com o novo estilo do Art Déco (19), a cidade viu nascer dois belos edifícios escolares: o Dom Bosco e o Auxiliadora. O Colégio Dom Bosco (Fig.8 e 9), implantado na Av. Mato Grosso, esquina com a Rua 13 de Maio foi projetado pelo arquiteto alemão Frederico Urlass (20) e inaugurado em 1934 com grande festa da Missão Salesiana.
Seus detalhes construtivos são até hoje lembrados, como a escadaria de acesso e as amplas e ventiladas salas de aula. Já o Colégio Nossa Senhora Auxiliadora (Fig.10), teve as obras iniciadas em 1926, mas só foi concluído no início dos anos 40. Acredita-se que o desenho original e inicial tenha sido de Camillo Boni, mas em 1934 o engenheiro Joaquim Teodoro de Faria (21) trabalhou com o arquiteto Frederico Urlass na confecção do edifício que hoje conhecemos. Seus detalhes são ricos, como os frisos geométricos verticais e as amplas janelas e varandas arredondadas das fachadas. Era o maior edifício da cidade no seu tempo, pois ocupava todo o quarteirão da Av. Mato Grosso com a Pedro Celestino.
Os edifícios educacionais de uma cidade, geralmente registram a evolução da sociedade e ao mesmo tempo e aqueles mais tradicionais, ainda se mantém nos nossos dias, com a mesma atividade. São raros esses edifícios – Osvaldo Cruz, Dom Bosco, Auxiliadora. Mas são os mesmos que formaram as gerações que hoje contribuem para a formação do conhecimento e da cultura local e regional. Preservar esses edifícios é tarefa de toda a sociedade e não apenas de seus proprietários e mantenedores, pois, os prédios eternizam a história e de suas salas e espaços interiores, nasceram e estudaram parcela da sociedade que conta a história e o importante passado.
Na década de 50 (22), um edifício público construído pelo Governo do Estado de Mato Grosso, em Campo Grande, daria início a modificações arquitetônicas na cidade - o Colégio Estadual Campo – grandense (Fig.11), hoje conhecido como Colégio Maria Constança de Barros Machado, obra projetada pelo Oscar Niemeyer Soares Filho. Oscar Niemeyer elaborou o projeto para o governo do Estado de Mato Grosso, na gestão do governador Fernando Corrêa da Costa, a partir de uma solicitação de doação de um projeto de uma escola que seria construída na cidade de Corumbá, no oeste do Pantanal mato-grossense, fronteira com a Bolívia.
Projeto entregue em 1952, imediatamente o governo determinou a licitação de duas escolas e a construção do mesmo projeto, também na cidade de Campo Grande. O lugar escolhido na cidade de Campo Grande foi a Rua Y Juca Pirama, no bairro Amambaí, região conhecida pelos moradores como “Cabeça de Boi”, de moradia operária. Hoje a rua onde se localiza o colégio denomina-se Marechal Cândido Mariano Rondon que, durante décadas, desde os anos 20, se constituiu num importante acesso de ligação da área central da cidade com a parte oeste, onde se situam os quartéis militares e mais recentemente a Base Aérea da Aeronáutica.
A escola pública construída pelo governo do Estado veio atender os setores organizados da sociedade, que clamavam por mais espaços educacionais gratuitos. À época, uma das poucas escolas públicas existentes na cidade era o Colégio Normal Joaquim Murtinho, localizado na Av. Afonso Pena, construído em 1926, em estilo eclético. A necessidade de uma grande escola estadual pública moderna era um anseio social, visando atender aos alunos de famílias carentes. O terreno para construção da nova escola foi adquirido pelo Governo do Estado e possuía algumas características essenciais: era um quarteirão fechado, tendo como limite ao norte, os trilhos da ferrovia Noroeste do Brasil e ao sul a Rua Y Juca Pirama.
Essa foi definida com sendo a rua de acesso principal e, nessas condições topográficas, a implantação e orientação do projeto arquitetônico original seria alterada.Oscar Niemeyer (Fig.12) elaborou o projeto para a cidade de Corumbá, que tinha quarteirão com frente principal norte e com essa condição, projetou um sistema de brise-soleil na área de recreação. Na implantação de Campo Grande, a frente principal escolhida para o acesso escolar tinha frente sul e com isso, o sistema de proteção solar estudado pelo arquiteto não tem função de proteção solar.
Da licitação saiu vencedor a Construtora Comércio Ltda e a obra teve como responsáveis técnicos os engenheiros Hélio Baís Martins e José Garcia Neto e fiscalização do arquiteto João Thimóteo da Costa, do Departamento de Obras do Governo em Cuiabá. Resolvida à questão da implantação, a obra iniciou no ano de 1953. O que a escola deveria ter internamente foi o próprio Oscar Niemeyer que criou. Foram 2.665,00 m2 de área, distribuídas para o Pavilhão de Administração e Aulas, Recreio Coberto e Auditório, Salas Especiais, Refeitório e Sanitários e Entrada e Portaria, implantados em um terreno de 12.000 m2 (Fig.13).
A maior novidade deste programa da escola foi o Auditório com capacidade de abrigar 75% dos alunos matriculados e o Recreio Coberto. Esses dois itens do programa vão criar, no projeto, espaços que são mais trabalhados, não só na forma bidimensional quanto na volumetria. O Auditório, na forma de um trapézio com teto inclinado e o Recreio um retângulo coberto com uma estrutura em abóbada de concreto fechada, em uma de suas faces, com brise-soleil de placas de concreto. A presença desses elementos de arquitetura no projeto e de outros – cobogó, pilares de seção circular, janelas em fita dupla nas salas de aula, teto-borboleta – eram a expressão da linguagem do modernismo brasileiro, que tinha Oscar Niemeyer como um dos seus maiores adeptos e difusores.
A arquitetura do edifício do Colégio Estadual Campo-grandense (Fig.14) já se apresentava como um estilo para Campo Grande. Depoimento do engenheiro Hélio Baís Martins, que atuou como fiscal da obra, confirma essa afirmação.
A obra do Colégio foi inaugurada no dia do aniversário da cidade, em 26 de agosto de 1954 (23) e é um marco da arquitetura moderna em Campo Grande e até os dias de hoje, quase 50 anos depois, não há um só colégio público que se compare em qualidade arquitetônica, estrutura educativa e organização espacial.
Essa escola é orgulho da cidade, da arquitetura moderna e é por isso que, em 1997, ela foi tombada como patrimônio histórico estadual.
Estudando Conceitos
É possível ler e interpretar a história da educação brasileira pela arquitetura dos edifícios escolares. Não por acaso, a construção de edifícios próprios para o funcionamento de escolas públicas inicia com o processo de democratização do ensino no país a partir da Primeira República (24).
A história da arquitetura dos edifícios escolares em Campo Grande, como vimos, começa com o funcionamento da cidade no começo do século XX. No Estado de Mato Grosso, entretanto, o mérito pela implantação da instrução pública deduz-se, coube à administração do Capitão-General Luiz de Albuquerque de Mello e Cáceres (1772-1789). A educação em Mato Grosso toma ritmo com o advento da República: o Liceu Cuiabano de 1879 e a Escola Normal da Capital de 1874 ganham impulso. (25).
No caso da capital do antigo estado-mãe, a educação vem com a implantação de imensos edifícios escolares, pois, em alguns estados e cidades brasileiras, essa primeira arquitetura escolar de caráter monumental e imponente, foi erigida com a finalidade de enaltecer a ação do poder público. Ao longo do século XX, a persuasão retórica da arquitetura escolar sucumbiu às políticas públicas de atendimento à educação em face das pressões populares.
A construção de edifícios escolares projetados para abrigar o antigo ensino primário é, em termos históricos, muito recente (26).
Em termos nacionais, eram sempre prédios de arquitetura em estilo art nouveau ou eclética pois, representavam seu tempo – final do século XIX e início do XX-, e essa tipologia veio se repetir em Campo Grande, com os colégios Osvaldo Cruz, Dom Bosco e Auxiliadora, principalmente, edifícios não-públicos.
Nesse ritmo do século XX e aliada à pressão pela quantidade – número de edifícios construídos-, fez com que “um pequeno número de edifícios projetados de acordo com os princípios da arquitetura moderna, construídos como marcos simbólicos, pode ser encontrado em uma ou outra cidade, as constituem vestígios esparsos de iniciativas isoladas e descontínuas do Estado. Insuficiência e infra-estrutura inadequadas permaneceram como características dos sistemas estaduais e municipais de ensino. (27)
Em Campo Grande, no geral, o que se via eram prédios construídos não pela iniciativa do poder público, mas da comunidade - seja ela religiosa, confessional ou comunitária-, que cobriam as necessidades educacionais da cidade e de seu povo pois, à distância para Cuiabá ou São Paulo, inibiam famílias de menor renda a conceder o direito a seus filhos de estudar fora.
Com o passar do tempo, os edifícios existentes passaram a constituir a simbologia necessária para a construção de posturas sociais e outros elementos de natureza cultural.
Assim, entender a arquitetura escolar como símbolo de uma época histórica e reveladora de programas de um período é de “suma importância para os estudos da História da Educação e da Arquitetura e da Cultura Escolar, assim como é indispensável à análise dos espaços educacionais diferenciados, que vão desde os antigos seminários eclesiásticos até as arquiteturas mais modernas, traduzindo valores e a percepção da cultura nos diversos momentos da história.” (28).
Esse é um tema de grande complexidade na análise pois os conceitos devem ser muito estudados. A arquitetura escolar é pouco estudada e os estudos da arquitetura, ao contrário, são analisados em diversas formas. Vejamos o que diz Argan:
Entre arquitetura e cultura não há relação entre termos distintos: o problema diz respeito apenas á função e ao funcionamento da arquitetura dentro do sistema. Por definição, é arquitetura tudo que concerne á construção e é com técnicas da construção que se intui e organiza em seu ser e em seu devir a entidade social e política que é a cidade. Não só a arquitetura lhe dá corpo e estrutura, mas também a torna significativa como simbolismo implícito em suas formas. Assim, como a pintura é figurativa, a arquitetura é por excelência representativa. (29)
Lúcio Costa, no tema também comenta:
Arquitetura é construção concebida com o propósito de organizar e ordenar plasticamente o espaço e os volumes dele decorrentes, em função de uma determinada época, de um determinado meio, de uma determinada técnica, de um determinado programa e de uma determinada intenção. Arquitetura não é coisa suplementar usada para enriquecer mais ou menos o edifício, não é tampouco a simples satisfação de imposições de ordem técnica e funcional. (30)
Por fim, Hertzberger, a respeito da forma, na arquitetura, como instrumento e diz:
[...] “não é de modo nenhum difícil criar uma arquitetura lúdica quando as exigências que ela em princípio deve enfrentar forem suficientemente não-explícitas. São as discrepâncias que nascem da necessidade individual de cada um de interpretar uma função específica, dependendo das circunstâncias e do lugar, à sua maneira, que acabam fornecendo a cada um de nós uma identidade própria, e, já que é impossível (como sempre foi) adequar todos às mesmas circunstâncias,devemos criar esse potencial para a interpretação pessoal, projetando as coisas de tal maneira que elas possam ser efetivamente interpretadas.”(31)
A forma e as razões da forma do edifício vêm sendo estudadas por diversos críticos de arquitetura no mundo inteiro, em especial Geoffrey Baker, Franz Ching, Willian Curtis, Le Corbusier, Joseph Montaner, dentre outros e o simbolismo de sua interpretação, lugar comum de análises simplificadas do espaço construído ou dos elementos de construção existentes. Em alguns casos, como na arquitetura simbólica do espanhol Gaudi, muitas formas derivavam da natureza e se espalhavam pelos edifícios, dando denominações intuitivas dos usuários.
Na arquitetura escolar esse processo também existiu, quando ouvimos falar do Colégio “Mata-borrão” de Oscar Niemeyer em Belo Horizonte – referindo-se ao Colégio estadual Milton Neves, cujo formato do auditório frontal se parecia com a peça “mata-borrão”, utilizado para apagar erros da escrita com tinta.
Em Campo Grande, no Colégio estadual Maria Constança, a associação de formas construídas que lembram objetos ou artefatos da educação, foram sempre e imediatamente, comentadas quando da construção do edifício. Um livro aberto – o recreio coberto; um giz ou um lápis, referindo-se ao mastro e a caixa-dágua da escola, entre outras associações de formas, eram sempre muito comentadas.
Claro que todo esse material construído obedecia, além das técnicas construtivas a influência dos elementos da arquitetura moderna brasileira (32) e isso veio influenciar novas edificações, escolares ou não, implantadas na malha urbana de Campo Grande.
Comentando o assunto, Pessanha (33) diz que ao lado de cadernos, livros, relatórios, atas e outras fontes, oficiais ou não, a constituição do espaço físico da escola também se constitui em importante fonte para a cultura escolar. E ainda afirma:
Os edifícios escolares, como qualquer outro edifício, constituem-se como lócus à medida que seus ocupantes experimentam e interpretam esse espaço e dele apropriam-se, atribuindo-lhe significados e valores. Portadores de significados múltiplos, a arquitetura e o espaço escolar têm se constituído nos últimos anos em promissoras vertentes de investigação sobre a cultura escolar.
Entender a cultura como produto e processo - com entende o grupo da UFMS composto de (34) (35) -, é observar que há que se colocar significados ás práticas sociais e assim, entendermos a cultura escolar como um conjunto onde se deve observar e pesquisar as normas e práticas definidoras e a pauta de comportamento, associado aos atores – professores, familiares, alunos-; discursos e linguagens – modos de conversar, a comunicação-; instituições – organização escolar e sistema educativo e por fim incluir o espaço e a arquitetura escolar como variável de análise, principalmente os elementos de arquitetura e os de composição.
notas
1
Dentre eles Peri Alves Campos, Paulo Coelho Machado e J. Barbosa Rodrigues.
2
Naquele ano o Brasil realizou seu primeiro censo demográfico e apontou 9.930.478 hab. sendo, em Mato Grosso, 60.417 (0,68%) moradores distribuídos em Cuiabá, Corumbá e outras localidades.
3
Homeopata nascido em Barbacena (MG) em 1825, José Antônio Pereira sai de Monte Alegre( MG), com a família com destino às terras do sul de Mato Grosso. Muito embora tenha sido recepcionado pelo cuiabano João Nepomuceno em 21 de junho de 1872, que lhe deu abrigo em seu rancho já montado, é considerado o fundador de Campo Grande[Campos 1939].
4
Primeira rua de Campo Grande, antes da demarcação do Plano de Alinhamento de 1909. As casas eram desalinhadas e, para que fosse obedecido o traçado novo, várias delas foram demolidas e construídas dentro dos lotes demarcados. MACHADO, Paulo Coelho.1989. A Rua Velha. Campo Grande, Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul.
5
MACHADO, Paulo Coelho.1989. Op. Cit.
6
Em arquitetura, movimento característico do final do século XIX, período onde os estilos arquitetônicos até então existentes (segundo Carlos A.C. Lemos eram o neoclássico, néo-renascentista, art nouveau, eruditos, neocoloniais e as construções industriais e de estrutura de ferro) não conseguiram exprimir a realidade e não se fixaram como manifestação cultural. Exemplos desse período são os edifícios do Gabinete Português de Leitura, a Câmara Municipal e a Imprensa Nacional, no RJ e os edifícios públicos, a Estação da Luz e o Hospital da Benficiência Portuguesa, de Ramos de Azevedo em São Paulo e as obras de Victor Dubugras. Ver [Fabris, org.1987] e [ Corona, Lemos 1972].
7
Geraldo Gomes [Silva 1986] fala da difusão da arquitetura do ferro, ocorrida nos Estados de SP, PE, RS, CE, PA e AM, de estilo neo-gótico, em estações ferroviárias, coretos, pontes, mercados públicos e viadutos, com destaque para as obras do Mercado de Recife( 1871). Quanto ao neoclássico, ainda estava expresso em duas obras de Louis Vauthier : o Teatro da Paz, em Belém, de 1875 e o Teatro Santa Izabel, em Recife, de 1876. A arquitetura do ferro vêm para Campo Grande com a estrada de ferro da NOB.
8
MACHADO, Paulo Coelho.1989. Op. Cit.
9
Esse Código, pode-se afirmar, foi uma recomendação e orientação dos engenheiros militares que estavam a serviço do Governo Federal e da companhia ferroviária, pois nele encontram-se normas contidas em outras cidades da rede ferroviária na época. Ver [Arisolete 1998].
10
A história da Noroeste do Brasil teve início com o Decreto Federal n. 5.344, de 18/10/1904, quando foi organizada a Comissão de Reconhecimento da Região e de exploração de linhas férreas e telegráficas, chefiadas pelo Eng. Emílio Schnoor que propõe a alteração original do traçado ( Bauru a Cuiabá via Uberaba, Porto Tabuado, Baús, Coxim e Cuiabá), dessa vez para Corumbá, passando por Campo Grande. As obras iniciam-se em 1905 e chegam a Campo Grande em 1914. Schnoor foi, provavelmente, o primeiro engenheiro a pisar o solo de Campo Grande.[ Ribeiro 1996].
11
EBNER, Iris de Almeida Rezende. Vazios Urbanos: uma abordagem do ambiente construído. São Paulo; USP/FAU, 1997.217 p.( Dissertação de Mestrado).
12
Essa Planta criava um sistema de quadras e ruas com 382 lotes e fixava o local das futuras Praças Ary Coelho, República e Aquidauana. A Av. Marechal Hermes, atual Av. Afonso Pena, a mais larga, com 45 metros ganha canteiro central anos depois, na administração de Arlindo de Andrade.
13
Área que era conservada e usufruída em comum pelo povo. O termo teve sentido semelhante ao do contemporâneo perímetro urbano das cidades. Ver [Corona e Lemos 1972].
14
Formado em Engenharia em 1890, em Ouro Preto, foi Ministro da Agricultura, Comércio e Indústria de Venceslau Brás (1914/1918) e Ministro da Guerra, embora um civil, do governo Delfim Moreira e Epitácio Cafeteira, entre 1918 e 1922. Foi graças a ele que hoje o Comando Militar da 9ª Região está sediado em Campo Grande, pois ele mudou, em 1919, o comando de Corumbá.
15
Bernardo Franco Baís foi o pioneiro migrante italiano a chegar em Campo Grande e um dos responsáveis pela vinda dos construtores e frentistas italianos. MACHADO, Paulo Coelho.1990. A Rua Principal. Campo Grande. Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul.
16
SALMONI, Anita; DEBENEDETTI, Emma. 1981. Arquitetura italiana em São Paulo. São Paulo, Perspectiva.
17
Em arquitetura, movimento característico do final do século XIX, período onde os estilos arquitetônicos até então existentes (segundo Carlos A.C. Lemos eram o neoclássico, néo-renascentista, art nouveau, eruditos, neocoloniais e as construções industriais e de estrutura de ferro) não conseguiram exprimir a realidade e não se fixaram como manifestação cultural. Exemplos desse período são os edifícios do Gabinete Português de Leitura, a Câmara Municipal e a Imprensa Nacional, no RJ e os edifícios públicos, a Estação da Luz e o Hospital da Benficiência Portuguesa, de Ramos de Azevedo em São Paulo e as obras de Victor Dubugras.
18
Nascido na Itália, especialista em geometria e cálculo, foi Secretário de Obras de Campo Grande na administração do Intendente Arnaldo Estevão de Figueiredo –1924/28. Em 1921, projeta e constrói a residência de Arnaldo E. Figueiredo, atual Casa da Memória, na Rua Barão do Rio Branco, a primeira obra da Santa Casa, em 1926, obras para a Missão Salesiana em Mato Grosso, além de inúmeras residências na cidade.
19
O Art Déco foi um conjunto de manifestações artísticas originado na Europa e que se expande para as Américas do Norte e do Sul, inclusive para o Brasil, nos anos 20. Seu lançamento ocorre na Exposition Internacionalle de Arts Décoratives et Industrialles Moderns, ocorrida em Paris, em 1925. O Art Déco se definia como Decorativo, para se contrapor ao movimento moderno; como estilo internacional, ao lado do movimento moderno e contra as correntes que propugnavam por expressões nacionais; como estilo industrial, associado à sociedade nascente e como moderno, associando sua imagem aos arranha-céus, aviões, automóveis,cinema, rádio, moda, etc.
20
Nascido na cidade de Rothenbach, região da Saxônia na Alemanha em 4/11/ 1902, veio formado em arquitetura para o Brasil em 1927 e reside em São Paulo. Em 1929 trabalha com o Engº. Hyppolito Pujol Júnior na obra do Teatro Pedro II de Ribeirão Preto/SP. Chega em Campo Grande em 1930 e vai trabalhar em Miranda/MT onde assume a função de engenheiro da Prefeitura. Em Campo Grande vai ser o responsável técnico pela empresa construtora Thomé & Irmãos Ltda de 1931 a 1938. Urlass fez a base do Relógio da Rua 14 de Julho, o Obelisco e mais de outras 40 obras construídas por Thomé. Faleceu em 1960, depois de passar 13 anos, desde 1947, trabalhando na Comissão de Estradas de Rodagens de MT, em Cuiabá.
21
Joaquim Teodoro de Faria nasceu em Nioque/MT e ao chegar em Campo Grande vai trabalhar como engenheiro fiscal na Prefeitura. Em 1947, é nomeado prefeito de Campo Grande e elabora vários projetos na cidade. Atua como responsável técnico nas obras da Igreja dos Padres Redentoristas, de 1939.
22
O censo de 1950 apurava 123 logradouros, dos quais 16 pavimentados sendo 52 servidos de iluminação pública; 112 possuiam iluminação domiciliar, com 5.110 ligações. Havia ainda 7.477 prédios sendo 3.508 servidos de abastecimento de água e 1.842 ligações de rede de esgoto. O “ bungalow” era predominante e ainda havia 10% das casas em madeira. Os edifícios mais importantes da cidade eram o Quartel-general, o Hospital, os Correios e Telégrafos, o Destacamento da Base Aérea, a estrada de ferro NOB, o Colégio Estadual Campograndense, o Joaquim Murtinho, a Prefeitura Municipal, o Fórum, a Biblioteca Pública, o Colégio e a Faculdade Dom Bosco, o Nossa Senhora Auxiliadora, o Noviciado, o Hospital da Santa Casa e o Rádio Clube, além das igrejas de Santo Antônio, Perpétuo Socorro, São Francisco e São José [ IBGE 1954].
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Nessa época Oscar Niemeyer estava projetando sua residência em Canoas e o Colégio de Belo Horizonte; o Parque Ibirapuera estava sendo inaugurado no dia do aniversário de São Paulo. BRUAND, Ives. 1997. Arquitetura Contemporânea no Brasil. São Paulo. Perspectiva.
24
SOUZA, 2004, in: BENCOSTA, Marcus Levy Albino (org). História da Educação, Arquitetura e Espaço Escolar. São Paulo. Cortez. 2005.
25
ALVES, Gilberto Luiz. Um pouco de nossa Memória Educacional In REVISTA MS CULTURA, Ano II no. 6 Julho/Agosto/Setembro de 1986. p. 46.
26
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27
SOUZA, 2004, in: BENCOSTA, Marcus Levy Albino (org). 2005. Op. Cit.
28
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29
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30
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31
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32
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33
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34
PESSANHA, Eurize Caldas, et al. 2004. Op. Cit.
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Grupo composto pelas professoras da UFMS Eurize Caldas Pessanha. Maria Adélia Menegazzo e Maria Emília Borges Daniel.
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sobre o autor
Ângelo Marcos Vieira de Arruda, é Arquiteto e Urbanista, Doutorando em Educação UFMS/PPGEDU, Mestre em Arquitetura UFRGS, Doutorando em Educação e Professor da UFMS.