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Sulamita Fonseca Lino discorre sobre Eladio Dieste, importante arquiteto uruguaio que produziu em vários países da América Latina uma obra de caráter único, a partir de uma opção construtiva simples, o tijolo cerâmico, do qual foi grande conhecedor


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LINO, Sulamita Fonseca. A obra de Eladio Dieste:. Flexibilidade e autonomia na produção arquitetônica. Arquitextos, São Paulo, ano 08, n. 096.04, Vitruvius, maio 2008 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/08.096/142”>.

Eladio Dieste produziu uma obra de caráter único, em vários países da América Latina, a partir de uma opção construtiva simples, o tijolo cerâmico, que usado com um profundo conhecimento estrutural possibilitou a construção de uma arquitetura com formas ousadas, onde espaço e estrutura são indissociáveis.

O período no qual a obra de Dieste foi produzida, a segunda metade do século XX, foi um momento bastante particular da arquitetura na América Latina, quando ocorreu a difusão do Movimento Moderno, e consequentemente da tecnologia do concreto armado, e trabalhos de arquitetos Niemeyer, no Brasil, Villanueva, na Venezuela, Bonet, no Uruguai, entre outros, foram divulgados amplamente no cenário internacional. E aí está uma posição de Dieste, rara e talvez única; ele foi reconhecido também no cenário internacional (2) por uma obra que, ao optar por técnicas e condições de construção locais, se diferenciava do Movimento Moderno uma vez que esse trabalhava com técnicas e conceitos desenvolvidos nos países centrais.

Nesse panorama amplo e diversificado, Dieste apresentou, em seus textos, várias questões importantes, por seu caráter crítico, sobre construção e arquitetura como: a importação de técnicas construtivas dos países centrais; o esquecimento, por parte dos construtores latinos, das tecnologias mais antigas; a supervalorização do projeto (e do desenho) de arquitetura em detrimento do processo de construção, entre outras. Em oposição a isso, ele colocou a pesquisa e o desenvolvimento da construção em tijolo como um caminho que resolveria grande parte desses questionamentos.

Assim, a partir do trabalho de Eladio Dieste, tanto teórico quanto construído, é possível traçar caminhos alternativos na maneira de se pensar e construir a arquitetura latino-americana.

Construção e projeto

Um dos aspectos mais surpreendentes da obra de Eladio Dieste é a sua inventividade com a construção em tijolo e essa é conseguida devido ao seu conhecimento sobre essa estrutura. No método de trabalho de Dieste, projeto, estrutura e construção são uma coisa só, ele tem conhecimento de todas as etapas e, muitas vezes, o desenho técnico de arquitetura não é necessário.

Aqui cabe discutir um conceito apontado por Dieste e que vai ao encontro de uma série de questionamentos também colocados por Sérgio Ferro no texto O canteiro e o desenho (3), ou seja, a imposição do desenho arquitetônico, do projeto, à opção estrutural e ao canteiro de obras e a fragmentação da produção da arquitetura, onde o trabalho do arquiteto é apenas uma das etapas e o desenho para a produção é substituído pelo desenho da produção.

O trecho de Dieste exemplifica sua posição diante da relação do desenho e da obra construída:

“Aún hoy se mueven los arquitectos con más soltura manejando y componiendo planos; los eligen como superficie para limitar un espacio de una manera natural, auque no siempre sea la más adecuada. Todos hemos visto edificios en los que la solución del techo, por ejemplo, es torturada estructuralmente para no salir del plano. Tiene influencia el hecho de que un edificio de este tipo es más fácil de expresar gráficamente. Recuerdo que al preguntar a un amigo sobre la obra de Gaudí me contestó que no le había interesado nada: “esto no tiene nada que ver con nosotros” me dijo, y, como argumento final agregó: “Yo no sabría cómo dibujar un edificio de Gaudí y cómo haríamos hoy una obra sin plantas, fachadas y cortes”. Esto es algo dicho sin pensar mucho; a este amigo no le interesaba Gaudí como artista, pero es un ejemplo de una táctica actitud mental: la de pensar en los medios gráficos que necesitamos para construir dándoles una importancia desproporcionada; lo esencial es la obra, no los planos, y si estos no nos sirven para expresar algo que consideramos válido por serias razones, no por eso debemos abandonarlo” (4).

Em sua prática no canteiro de obra, Dieste elaborou uma obra que dificilmente poderia ser desenhada a priori, o desenho para produção. Nesse contexto temos um conceito fundamental da obra de Dieste: construção e arquitetura são indissociáveis, segundo ele “o construtivo será sempre inseparável da arquitetura: é como seus ossos e sua carne.” Quando ocorre essa separação, quando a forma e a técnica são pensadas separadamente, temos o que Dieste chama de cenografia:

“Por eso la escenografía o no es arquitectura o es un tipo muy especial de arquitectura. Y hay grandes obras en que se siente esa debilidad; no son construidas: tienen algo de escenografía. [...] Para que a arquitectura sea de veras construida, los materiales no deben usarse sin un profundo respeto a su esencia, y consiguientemente a sus posibilidades” (5).

A arquitetura encarada como construção parece um conceito obvio, mas por incrível que pareça, não o é. O trabalho do arquiteto, como observou Sergio Ferro, é uma das etapas do processo da produção da arquitetura e ele usa o desenho como meio nesse processo. Se considerarmos a maneira como a arquitetura é produzida temos, inicialmente, o projeto arquitetônico elaborado pelo arquiteto e representado pelo desenho; o cálculo estrutural, elaborado pelo engenheiro e o canteiro de obras, onde ocorre o confronto entre a construção e o desenho.

Essa fragilidade do desenho, e conseqüentemente do projeto, muitas vezes se dá pelo desconhecimento do arquiteto das fases posteriores ao projeto, ou seja, o cálculo estrutural e a construção. Dieste trabalhou o projeto e a construção como um processo único, indissociável, o que tornava potencialmente o canteiro de obras um lugar de experimentação.

Tecnologia como forma de dominação

Quando Dieste analisou as condições da construção na América Latina, ele reconheceu a imposição tecnológica como uma prática secular, primeiro no período colonial e depois no século XX, com a consolidação da revolução industrial. Em um primeiro momento, essa tecnologia chegava aos países colonizados através do conhecimento dos construtores espanhóis (e portugueses) e o alcance dessa imposição foi bem mais restrito do que no período posterior, pois a partir do século XX, foram somados às técnicas construtivas os mecanismos de divulgação, como revistas, livros, exposições, que tiveram um alcance significativo tanto nas universidades, ou seja, nas escolas de arquitetura e engenharia, quanto nos círculos do poder, atraindo os governantes a optarem por determinadas soluções formais na arquitetura que fariam uso da tecnologia adotada nos paises centrais.

Na história recente da arquitetura, esse argumento parece claro. O Movimento Moderno surgiu na Europa no inicio do século, quando a sociedade se preparava para a primeira grande guerra, a revolução industrial estava consolidada, e a idéia de se construir com materiais produzidos pela indústria ganhava força. Nesse contexto, o uso do concreto armado e do vidro pareceu bastante apropriado para a construção de grandes conjuntos habitacionais, por exemplo, tanto nas periferias dos paises europeus, para abrigar o proletariado, quanto em paises como a União Soviética, que precisavam construir habitação em larga escala para todos. Para refletir sobre essas idéias foram criados os Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna – CIAM, que tinham como objetivo discutir os princípios dessa arquitetura, entre outras questões, e chamar para esse debate arquitetos de várias partes do mundo.

Mas, foi nos Estados Unidos, com a verticalização da ilha de Manhattan, em Nova York, nas primeiras décadas do século XX, que o Movimento Moderno alcançou uma escala jamais vista, e ganhou o título de Estilo Internacional. Nesse processo, os edifícios foram ficando cada vez mais altos e envidraçados, graças à estrutura trabalhada de maneira independente da vedação e demonstravam, simbolicamente, a imagem de modernidade alcançada pelo domínio da técnica construtiva (6).

Foi no embalo desses acontecimentos que o recém inaugurado Museu de Arte Moderna de Nova York montou, em 1931, a exposição The Internacional Style: architecture since 1922. Henry-Russell Hitchcock e Philip Johnson, idealizadores da exposição e do catálogo (7), procuraram demonstrar como a arquitetura do Movimento Moderno era a mesma em todo o mundo desconsiderando, polemicamente, as diferenças regionais. Eles escolheram exemplos em 15 paises, da Europa Ocidental, Oriental e da Ásia e deram um enfoque especial às obras dos mestres europeus, como Le Corbusier, Oud, Gropius e Mies Van der Rohe; e da produção americana, como a de Frank Lloyd Wright e Richard Neutra.

Em um primeiro momento, a América Latina esteve fora desse debate, mas rapidamente isso se modificou. Duas exposições, com suas devidas publicações, Brazil Builds: architecture new and old 1652-1942 (8), de 1943, e Latin American Architecture since 1945 (9), de 1955 procuraram demonstrar como a arquitetura moderna foi difundida na América Latina. Eles fizeram um levantamento da arquitetura dos períodos pré-colonial, colonial, e do modernismo, saltando, propositalmente, todo o século XIX, quando ocorreu a difusão do estilo Neoclássico e Eclético de origem francesa. Em seus textos, os autores dessas publicações associaram a difusão da arquitetura moderna com um processo de atualização da América Latina, mas, os pequenos arranha-céus com ares modernistas, quando comparados aos da ilha de Manhattan, estavam implantados em entornos extremamente modestos, casas pequenas e favelas, deixando claro como esses edifícios de concreto e vidro eram alienígenas às realidades locais. Mas isso não era considerado no contexto do Museu de Arte Moderna, o que importava é que o Movimento Moderno existia, com plenitude, na América Latina e, portanto, nossas cidades também estavam em sintonia com o que estava sendo construído no resto do mundo.

Eladio Dieste foi bastante crítico à difusão da Arquitetura Moderna nos trópicos. Segundo ele, primeiramente temos a questão do clima: como é possível pensar no uso de uma arquitetura de vidro com o sol constante, na maior parte do ano, e com chuvas torrenciais? Além disso, a imposição de uma maneira de construir que se originou do desenvolvimento industrial dos países de centro levou a uma desconsideração, e até mesmo ao esquecimento das tradições construtivas locais. Como exemplo dessa questão, Dieste escreveu as seguintes observações de uma visita que fez à Colômbia:

“Hace muchos años tuve que ir a ver a um grupo escolar em Natagaima, no lejos de Bogotá en horizontal, pero a menor altura, con clima severamente tropical. En él había dos tipos de construcción: una de muros de ladrillo, estructura metálica y cubiertas de fibrocemento, de baja calidad y muy poco confortable, y otra hecha con una técnica indígena, de planta circular, sin paredes con parantes de guadua (caña de bambú de gran diámetro y resistencia) en que se apoya una cubierta troncocónica, con generatrices también de guadua, que soportaban una cubierta de varias capas de hojas de palma. Esta segunda construcción, como contraste, era extraordinariamente confortable y adaptada al clima, y se había hecho a un costo que me sorprendió por lo bajo (debido a que los materiales no constaban casi nada ya que quienes lo hicieron viven de otra manera, y no necesariamente peor que los obreros ciudadanos)” (10).

A questão da importação de técnicas, portanto, não apenas distancia os usuários de suas tradições construtivas locais, que em pouco tempo se perdem, como também impõe um modelo que dificilmente se adapta à realidade local.

Tecnologia como flexibilidade e autonomia construtiva

Quando optou pelo uso do tijolo, Dieste estava associando um material adequado às possibilidades da construção inicialmente no Uruguai, e depois expandindo para os demais países latino-americanos conseguindo, com isso, produzir uma arquitetura regional que tinha em si inovação estrutural, estética e também econômica.

Dieste critica a maneira como o Movimento Moderno lida como a questão estrutural, desde os primeiros estudos de Le Corbusier para a Maison Dom-Ino, onde existe uma separação entre estrutura, vedação e cobertura. Essa independência estrutural teoricamente possibilitava uma flexibilidade dos interiores, pois as paredes internas, por não terem função estrutural, poderiam ser modificadas, retiradas e até substituídas por painéis e armários. Mas, contraditoriamente, o resultado formal do edifício era bastante rígido, ficando restrito, muitas vezes, aos paralelepípedos.

Dieste concebia seus projetos de maneira oposta, onde todos os elementos necessários ao edifício, como estrutura, vedação e cobertura eram trabalhados em conjunto, indissociáveis. Como resultado, temos uma arquitetura com formas flexíveis, mas com pouca flexibilidade interior pois, em muitos casos, as paredes são estruturais.

Para isso foi necessário o domínio da técnica construtiva do tijolo cerâmico, desenvolvido no decorrer da carreira de Dieste. Depois de quarenta anos de trabalho ele apresentou algumas conclusões de sua experiência sobre essa técnica adquirida com a prática no canteiro de obras e com conhecimento de sua formação de engenheiro. Em suas palavras:

“Poco a poco fuimos precisando lo intuido hasta llegar al pleno dominio de las técnicas que hoy usamos, proceso que supuso sólo imaginarlas, sino pensar y construir los equipos que las hicieran económicamente viables y desarrollar los métodos de cálculo, que nacían naturalmente de lo imaginado pero que se apartaban, en general, de los caminos que seguían las teorías en uso, que eran, por otra parte, las que nos habían enseñado.

Después del trabajo de estos años, estamos convencidos que se han encontrado técnicas lógicas y económicas, lográndose un producto terminado de muy buena calidad, cosa que sabe cualquiera que haya construido con ladrillos. Lo que no suele saberse es que el ladrillo puede tener resistencias superiores a las de los mejores hormigones, y que no puede hacerse con hormigón o mortero piezas de liviandad equivalente a las que pueden conseguirse fácilmente con tierra cocida, por lo que estas últimas permiten construir estructuras de una ligereza imposible de lograr con el hormigón armado” (11).

Como exemplo desse trabalho, temos os estudos para abóbadas, a de dupla curvatura e a autoportante, ambas podendo ser usadas em telhados de grandes espaços, como mercados, hangares aeroportos. Em sua descrição do método, Dieste (12) explica os aspectos estruturais e reforça a questão da simplicidade e da economia. As abóbadas de dupla curvatura são feitas a partir de moldes iguais, armação de metal, e dispositivos mecânicos que podem ser movidos horizontal e verticalmente com grande facilidade. A partir desses componentes, podem-se fabricar lâminas de dupla curvatura com ondulação variável. Todas as secções transversais são catenárias pois, estruturalmente, junto com o peso próprio, fazem com que a lâmina seja submetida a uma flexão muito pequena. Esse modelo foi desenvolvido com peças de cerâmica oca, mistura de areia e cimento, e com uma armação entre os tijolos. Por fim, passa-se uma fina camada de areia com aglomerante ligeiramente armado. Não é necessário esperar até o endurecimento da massa para tirar a forma, pois ao tirá-la corretamente, a lâmina adquire resistência à flexão e à compressão.

Já as abóbadas autoportantes são de forma catenária e, por isso, não necessitam das pesadas arquitraves das clássicas superfícies autoportantes. São construídas sobre vigas de apoio horizontais, que as mantêm fixas nas extremidades. A partir daí se fixa os “vales” entre as abóbadas, deixando a armação exposta, em ferro comum, por exemplo, nos lugares que necessitam. Depois de secas, pode-se eliminar as armações e a viga de apoio conseguindo-se, assim, a construção de uma superfície autoportante, com molde móvel.

A partir dessa técnica Dieste conseguiu criar edifícios bastante distintos entre si, o que deixa claro seu método: a partir de um domínio técnico é possível ter autonomia suficiente para a criação de formas flexíveis.

A continuidade da obra de Dieste

Anos depois de todo o desenvolvimento da obra de Eladio Dieste, seu filho Antonio Dieste (13) analisou a possibilidade de continuidade de seu trabalho no Uruguai. Primeiramente, situa a obra de Dieste como única, ou seja, sua maneira criativa é intransferível, pois lidava com um profundo conhecimento técnico misturado com intuição e criatividade. Por outro lado, a tecnologia que ele criou pode ser adaptada e desenvolvida como uma opção construtiva a ser difundida.

Ao comparar a tecnologia do concreto, amplamente difundida em toda a América Latina, com a tecnologia do edifício construído em tijolo cerâmico, Antonio Dieste observa que a segunda continua sendo mais econômica, e que a pesquisa dos elementos e processos que fazem parte dessa tecnologia, como formas, moldes, guinchos e a própria secagem, poderiam torná-la cada vez mais viável.

Além disso, poderia ocorrer um investimento no desenvolvimento do bloco cerâmico, uma vez que esse é usado como elemento único para a construção do edifício; nesse sentido, o autor aponta para a incorporação de elementos que aumentem a resistência do bloco.

Antonio Dieste, no texto citado, aponta para uma continuidade necessária, pois a pesquisa construtiva é um processo continuo e a obra de Eladio Dieste é uma fonte muita rica, que merece ser continuada.

Saber onde está e “construir o próprio”: questões das vanguardas latinas

Um dos principais questionamentos das vanguardas latino-americanas, da primeira metade do século XX, foi pensar uma maneira possível para a construção de uma identidade própria diante de todo um histórico de influências internacionais. Essa possibilidade, contudo, não surgiu de uma rejeição das influências estrangeiras, predominantemente européias; pelo contrário, assumiu ser necessário entender o que era internacional, para então reivindicar a construção do local.

Nesse contexto, vários movimentos ocorreram em toda a América Latina: a Antropofagia, no Brasil, o Movimento Muralista, no México, a Escola do Sul, no Uruguai, entre outros. Todas essas vanguardas reivindicaram a construção de uma identidade local, convidando seus artistas a misturarem as influencias européias com as questões da cultura local, construindo assim algo próprio, único de seus paises. É com esse espírito que Oswald de Andrade propõe a Antropofagia brasileira – vamos devorar o estrangeiro, como os tupinambás devoraram o pobre bispo Sardinha – e a partir dessa deglutição, formar algo inteiramente nacional; ou então como Rivera e Siqueiros, no Muralismo mexicano, que usaram seus conhecimentos das técnicas do afresco dos mestres italianos para pintar grandes painéis em prédios públicos cujo tema, entre outros, eram os indígenas; e a Escola do Sul uruguaia que nos propõe uma maneira invertida de ver a América do Sul. Todas essas manifestações buscaram de alguma maneira construir o próprio como forma de autonomia e identidade cultural.

Como estamos discutindo uma produção arquitetônica uruguaia, é possível fazer uma referência entre os trabalhos de Torres-García e Eladio Dieste.

A proposta de Joaquín Torres-García é a inversão na maneira de olhar o mundo a partir da América do Sul; para isso, ele desenhou o mapa de maneira inversa ao modelo onde o hemisfério norte está na parte de cima, tendo a Inglaterra como seu eixo central. Em seu texto A Escola do Sul, de 1935, ele justifica essa atitude:

“Viremos o mapa de cabeça para baixo para ter uma idéia exata da nossa posição, sem nos incomodarmos com o que pensa o resto do mundo. A ponta da América, a partir de agora, prolonga-se para cima, assinala insistentemente para o Sul, o nosso norte. Ao mesmo tempo, nossa bússola aponta implacavelmente para o Sul, para o nosso pólo. Ao partirem daqui, os navios vão para baixo e não para cima, como costumam fazer para seguir a direção ao norte. Porque o norte agora está embaixo. E, se ficarmos de frente para o nosso Sul, teremos à esquerda o leste.

Essa retificação era necessária, pois nos permite saber onde estamos (14).

A obra de Eladio Dieste pode se situar conceitualmente nesse contexto. Primeiramente, seu trabalho com o tijolo parte de um aprofundamento em uma técnica que inicialmente foi trazida para o Uruguai pelos colonizadores espanhóis mas, a partir dessa referencia, ele criou o próprio, levando em consideração as determinações do lugar, como o material, o sistema construtivo, a mão de obra, a economia etc.

Além disso, com o aprimoramento da técnica apropriada à realidade local, Dieste estava também chamando a atenção para um outro fator dominante em todo o processo da realidade latina, a importação acrítica de modelos internacionais. Nesse caso específico, ele estava lidando com a difusão da Arquitetura Moderna e seu uso hegemônico do concreto armado e do vidro.

Como foi colocado anteriormente, a obra de Eladio Dieste marca o inicio de um processo de investigação técnica que poderá ser ampliado a partir de pesquisas que levem em consideração a tecnologia atual. Mas, além disso, sua obra também nos afirma que a diversidade e as características locais associadas ao conhecimento e à critica do internacional, podem transformar a maneira de se produzir a arquitetura latina, pois ao somar o saber onde estava, de Torres-García, e o construir o próprio, das Vanguardas, ele abriu caminhos de investigação que podem realmente alterar a realidade da construção local.

notas

1
Este trabalho foi apresentado no IV Colóquio de pesquisas em habitação: coordenação modular e mutabilidade, que ocorreu em agosto de 2007, na Escola de Arquitetura da UFMG.

2
Essa produção arquitetônica rendeu a Dieste um reconhecimento pelo seu trabalho, com exposições e publicações nos principais centros de discussão artística e arquitetônica internacionais tais como: Museu de Arte Moderna de Nova Iorque, Universidade de Princeton e no MIT, todos nos Estados Unidos.

3
FERRO, Sérgio. O canteiro e o desenho. In: FERRO, Sérgio. Arquitetura e trabalho livre. São Paulo, Cosac Naify, 2006.

4
DIESTE, Eladio. Las tecnologías apropiadas y la creatividad. In: GUTIÉRREZ, Ramón (cood.). Arquitectura latinoamericana en el siglo XX. Buenos Aires, Cedodal, 1998, p. 44.

5
Idem, ibidem, p. 46.

6
O desenvolvimento técnico iniciado na Escola de Chicago, onde foram projetados os primeiros edifícios de múltiplos andares, se deu porque houve uma combinação eficiente entre o uso das estruturas de ferro, da vedação sem função estrutural e do elevador. Mas essa arquitetura ainda guardava elementos decorativos característicos do Neoclassicismo e seus ares de modernidade ainda não estavam completos.

7
HITCHCOCK, Henry-Russell; JOHNSON, Philip. The international style. New York, The Norton Library, 1966.

8
GOODWIN, Philip. Brazil Builds: architecture new and old 1652-1942. New York, The Museum of Modern Art, 1943.

9
HITCHCOCK, Henry-Russell. Latin American architecture since 1945. New York, The Museum of Modern Art, 1955.

10
DIESTE, Eladio. Op. cit., p. 42.

11
Idem, ibidem, p. 48.

12
Idem, ibidem, p. 48-50.

13
DIESTE, Antonio. A prospect for structural ceramics. In: STANFORD, Anderson. Eladio Dieste: Innovation in Structural Art. New York, Princeton Architectural Press, 2004.

14
TORRES-GARCÍA, Joaquín. A Escola do Sul. In: ADES, Dawn. Arte na América Latina: a era moderna, 1820-1980. São Paulo, Cosac & Naify, 1997, p. 320 (grifo meu).

bibliografia complementar

BAYÓN, Damián. The changind shape of Latin American architecture: conversations with tem leading architects. Chichester, New York, Brisbane, Toronto, John Wiley & Sons, 1979.

PABLO BONTA, Juan. Eladio Dieste. Buenos Aires, 1963.

sobre o autor

Sulamita Fonseca Lino, graduada em Arquitetura e Urbanismo pela Escola de Arquitetura da UFMG, Mestre em Análise Critica da Arquitetura e do Urbanismo pelo NPGAU Escola de Arquitetura da UFMG, atual pesquisadora DTI do Grupo de Pesquisas MOM (morar de outras maneiras) e professora de História da Arte no Departamento de Turismo da PUC Minas.

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